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O sucesso está em suas mãos: análise do discurso de auto-ajuda

1 PROBLEMATIZAÇÃO DA PESQUISA

1.2 PESQUISAS ACADÊMICAS QUE INVESTIGARAM A AUTO-AJUDA

1.2.2 O sucesso está em suas mãos: análise do discurso de auto-ajuda

A pesquisa de doutorado realizada por Ana Flora Brunelli (2004), na área de Lingüística, orientada pelo Prof. Dr. Sírio Possenti, na Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, trata a auto-ajuda sob o ponto de vista do interdiscurso, tal

como proposto por Maingueneau (1983; 1984). O corpus é constituído por nove livros de auto-ajuda13 escritos em língua portuguesa, editados ou reeditados após 1990, ainda disponíveis no mercado.

É realizada uma análise do sistema de coerções semânticas do discurso da auto-ajuda. Brunelli (2004) justifica o desenvolvimento de pesquisa na área de auto-ajuda, apresentando dados de pesquisa realizada, em 2002, e afirma que “[...] os livros de auto-ajuda são um sucesso absoluto de vendas em vários países. No Brasil, especialmente: enquanto as vendas das demais publicações cresceram 35% nos últimos anos, o consumo desses livros atingiu 700% [...]”.

São significativas as contribuições da pesquisadora para o entendimento do discurso e do gênero auto-ajuda, porque investiga a modalidade e seus tipos, para verificar um dos traços semânticos do discurso. Faz opção pela modalidade epistêmica (Dall’Anglio-Hattnher, 1995), analisando o discurso da auto- ajuda, por meio de itens lexicais modalizadores – nomes, verbos, adjetivos, advérbios e locuções que auxiliam na análise da constituição argumentativa do discurso objeto de estudo.

Apresenta análises do ethos do discurso da auto-ajuda, esclarecendo a constituição do sujeito-enunciador e do sujeito-enunciatário. É apresentada uma conceituação de ethos, também sob a perspectiva de Maingueneau (1995), que busca refletir sobre a eficácia do discurso, no tocante à enunciação e à recepção. Atribui ao sujeito-enunciador as características da certeza, credibilidade e confiança

13 As obras que compõem o corpus da pesquisa de Brunelli (2004) são: de Aveline – O poder da

sabedoria: crescimento interior e transformação pessoal na nova era; de Costa – Gerenciando as emoções: à luz da sabedoria crística; de Leiva – Lições para uma vida despreocupada e feliz; de Machado – Líder 24 horas por dia; de Prado – Alegria e triunfo; e Ribas & Moyses – Pense fale exista; de Ribeiro – O sucesso não ocorre por acaso; de Ricardino – Parabéns pela decisão de ser feliz: a busca do ser; e de Rocha – ABC do poder da mente.

no que enuncia, além de promover a possibilidade de construção de um cenário de estabilidade. Conclui que o discurso da auto-ajuda se manifesta pelo sujeito- enunciador através da certeza, sendo sempre rejeitada a manifestação da dúvida. Além disso, enfatiza a formação do sujeito determinado, persistente, flexível, versátil e focado, que valoriza a ação e o fazer, numa sociedade que contempla, nos dias atuais, o individualismo. Assim como Bosco (2001), a pesquisadora considera o sujeito postulado da auto-ajuda como individual, mas que se constitui por meio do contexto social. Brunelli (2004) discute o sujeito-enunciador e a legitimação que sua imagem promove no interior da auto-ajuda. Esclarece que, em muitos casos, o sujeito-enunciador associa-se com o autor da obra, caracterizando-se como um orientador e que possui “dois saberes”: o saber revelado e o saber pressuposto (2004, p. 73). Trata também o sujeito enunciatário do discurso da auto-ajuda que aparece como desorientado, em posição de inferioridade. As constatações da pesquisadora sobre os sujeitos da auto-ajuda coincidem com a imagem de sujeito que o discurso editorial divulga, conforme discussões anteriores.

Em âmbito mais lingüístico, a tese trata dos aconselhamentos que constituem o discurso da auto-ajuda e que efeitos de sentido são promovidos. Faz uma reflexão sobre provérbios e sobre os provérbios na auto-ajuda que considera como uma “captação do gênero proverbial” (2004, p. 100) e que visar a dar, no interior da auto-ajuda, uma autoridade a um enunciado, e uma esperança ao sujeito leitor. O estudo dos provérbios auxilia no entendimento da constituição do discurso, da argumentação e do gênero auto-ajuda e, conseqüentemente abre novas perspectivas para o conhecimento do sujeito postulado.

As considerações finais da pesquisadora apontam para a caracterização de um sujeito-enunciador que se manifesta por meio da certeza, com condições de orientar seu destinatário; também para um sujeito enunciatário que deve buscar a segurança, a autoconfiança, a determinação e a autocentração, sendo alguém que necessita ser orientado. Brunelli (2004) considera o discurso da auto-ajuda como um caso de captação do gênero proverbial, uma vez que os enunciados do discurso citam provérbios, como formas de garantia da impessoalidade. Os textos de auto-ajuda são, assim, simulacros daquilo que os constituem. Considera o sujeito da auto-ajuda interpelado por ideologias e afetado por seu inconsciente, considerando seu discurso como produto de um interdiscurso, por meio de perspectivas da Análise do Discurso de linha francesa, calcada em Pêcheux.

Em Brunelli (2004), são significativas as investigações sobre o sujeito da auto-ajuda. Primeiramente, pela subdivisão que a pesquisadora faz, delineando um sujeito-enunciador e um sujeito-enunciatário. Assim como Bosco (2001), Brunelli (2004) apresenta um sujeito individual, constituído socialmente, o que se difere da presente tese, que, por meio de uma perspectiva dialógica – bakhtiniana -, destaca a relação eu e outro e os valores envolvidos.

Interessam-nos, também, da pesquisa de Brunelli (2004, p. 11), os comentários que a pesquisadora faz sobre aconselhamentos e modalidades14 que são retomados, aqui, no contexto das obras de Shinyashiki, oportunamente ao tratarmos da argumentação na auto-ajuda.

14 As análises sobre aconselhamento, feitas por Brunelli (2004), auxiliam no exame dos argumentos

de direção empregados na argumentação da auto-ajuda, enquanto as discussões sobre modalidades – mais especificamente, a epistêmica - auxiliam no entendimento da constituição da argumentação e do sujeito orador da auto-ajuda, por meio de diálogos com o silogismo dialético e com a verossimilhança.