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1. INTRODUÇÃO

1.1 ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL

1.1.3 Autocuidado

O autocuidado representa um conceito central e essencial para enfermagem, enquanto disciplina e profissão. Destacamos o contributo de uma enfermeira americana, Dorothea Orem, que na sua Teoria do Autocuidado, afirma que o ser humano desenvolve um conjunto de atividades dirigidas para o seu próprio benefício que têm por objetivo manter a vida, seu funcionamento e desenvolvimento. Um aspeto central nesta teoria é que o

autocuidado não é considerado uma ação inata, mas antes aprendida. A pessoa tenta regular e controlar os fatores que afetam a sua vida, saúde e bem-estar, desenvolvendo comportamentos orientados para as situações que podem colocar em risco o seu equilíbrio. Todavia, quando as exigências no autocuidado são superiores às capacidades que a pessoa tem para o realizar autonomamente, então os enfermeiros podem, através de uma relação de ajuda, intervir de diferentes formas, suprindo a pessoa no que ela não pode realizar, ou ajudando-a através do apoio e da educação, proporcionando-lhe um ambiente que promova o seu desenvolvimento pessoal (Orem,1993).

O autocuidado refere-se às ações desempenhadas pelas pessoas no seu dia-a-dia para se manterem saudáveis e cuidarem da sua condição crónica (Department of Health, 2006). Engloba as atividades que permitem que estas lidem diariamente com o impacto de uma condição crónica na sua vida, com as alterações emocionais que daí decorrem e com a adesão ao regime de tratamento mantendo, em simultâneo, outros aspetos importantes como o trabalho, a família e a convivência social (Department of Health, n.d.). De acordo com a OMS, autocuidado é o que as pessoas fazem por si mesmas para promover e manter a sua saúde e para prevenir e lidar com a doença (WHO, 1998). É um conceito amplo, que engloba os cuidados relacionados com a higiene, com a alimentação, com os estilos de vida, com os fatores ambientais, socioeconómicos e com a automedicação (WHO, 1998). Por sua vez, o Conselho Internacional de Enfermeiros (ICN) define autocuidado como sendo uma “Atividade realizada pelo próprio: Tratar do que é necessário para se manter, manter-se operacional e lidar com as necessidades individuais básicas e intimas e as atividades da vida diária” (ICN, 2011, p. 41).

Na perspetiva das pessoas que vivem com doença crónica, o autocuidado apresenta-se como um processo dinâmico de aprendizagem, através da experiência, da experimentação e da exploração dos limites causados pela doença. Envolve a identificação das respostas físicas e psicológicas à doença e exige um planeamento constante para gerir o dia-a-dia, criando ordem na sua vida. É assim um processo de adaptação e de aprendizagem sobre si mesmas, e sobre a forma de viver bem com a doença (Kralik, Price & Telford, 2010). O autocuidado resulta da combinação do conhecimento biomédico acerca da doença, com o conhecimento que a pessoa tem de si própria e do seu contexto de vida (Kralik et al., 2010). Esta associação entre o conhecimento adquirido, decorrente da ajuda dos profissionais, e o conhecimento experiencial da própria pessoa, sugere que os enfermeiros estabeleçam uma relação que permita que o utente, porque é ele que vive com a patologia, partilhe a sua experiência sobre a gestão da doença. Ao longo da interação terapêutica é importante que o

profissional reconheça e ajude a pessoa a acreditar em si e nas suas capacidades para tomar decisões acerca dos cuidados (Kralik et al., 2010).

Assim, a promoção do autocuidado assenta num processo educacional e de empowerment que permite que as pessoas tomem decisões acerca da sua saúde, baseadas em informação adequada (WHO, 2009). Permite, também, que se adaptem à doença e incapacidades, com ou sem o suporte dos profissionais de saúde (WHO, 2009). No entanto, nem todas as pessoas se envolvem da mesma forma nas atividades de autocuidado. Backman e Hentinen (1999) identificaram diferentes estilos de autocuidado que se repercutem diretamente na gestão da doença e do regime terapêutico, refletindo- se também na forma como interagem com a equipa de saúde. As autoras referem que o modo como as pessoas cuidam de si próprias não é influenciado somente por processos racionais pois os cuidados que adotam no seu quotidiano, na gestão da sua saúde e doença, são influenciados pela forma como estão e encaram a vida, e pelas suas experiências passadas. Dependem, ainda, dos seus significados e das suas atitudes acerca do processo de envelhecer, acerca do futuro e das propostas terapêuticas que lhes são feitas. Backman e Hentinen (1999) sugerem quatro estilos ou perfis de autocuidado: “responsável”, “formalmente guiado”, “independente” e “negligente”, apesar de existirem muitas pessoas com conjugações de traços oriundos de diferentes estilos, tal como vários estudos nos sugerem (Mota, 2011; Rodrigues, 2011). No autocuidado “responsável” as pessoas assumem a responsabilidade em todas as atividades da vida sendo o autocuidado um hábito, um modo de vida, potenciado pela existência de recursos internos e externos para o implementar. As pessoas com este estilo de autocuidado têm uma visão positiva acerca do futuro. Mantêm boas relações sociais, desejando viver como agentes ativos. Mantêm estilos de vida saudáveis, estando informados acerca da sua condição de saúde. Assim, exigem informação sobre as possibilidades de tratamento, discutem as diferentes opções e, numa relação colaborativa com o técnico de saúde, participam nas decisões terapêuticas (Backman & Hentinen, 1999). No autocuidado “formalmente guiado” as pessoas dedicaram parte da sua vida a cuidar de outros. O seu passado foi marcado por bastante trabalho, privilegiando as necessidades dos outros, em detrimento das suas. Encaram o envelhecimento como algo natural e as perdas que ele comporta são consideradas inevitáveis e, por isso, não despendem energia no sentido de as contrariar. Embora possam ter sido socialmente ativos, têm tendência, após a reforma, a permanecer em casa, limitando os seus contactos sociais. Relativamente à interação que estabelecem com os enfermeiros, esta é pautada pela passividade, atribuindo-lhes o controlo e a responsabilidade pelas decisões acerca do seu tratamento. Limitam-se, assim, a obedecer às instruções

fornecidas, realizando o que lhe é sugerido, sem questionarem o motivo de determinadas opções e sem saber porque o fazem. Desta forma, os cuidados com a sua saúde tornam- se facilmente numa rotina (Backman & Hentinen, 1999). No autocuidado “independente”, o individuo tende a ouvir a sua voz interior e tem formas originais de cuidar de si. Habitualmente foram, no seu passado, pessoas independentes e determinadas. Não se preocupam em ter companhia, sentindo-se bem sozinhas, em sua casa. Possuem uma perspetiva negativa do envelhecimento negando-o, não pensando no futuro. Consideram- se mais saudáveis do que os outros e, quando surge algum problema de saúde, têm tendência a minimizá-lo, não procurando ajuda médica e arranjando forma de o resolver por si próprios. Não procuram, portanto, ajuda junto dos profissionais, recusando os seus conselhos (Backman & Hentinen, 1999). No autocuidado “negligente”, as pessoas não cuidam bem de si próprias e nunca foram capazes de gerir o seu dia-a-dia, experienciando sentimentos de impotência, tristeza e falta de responsabilidade. São introvertidas, sentem-se miseráveis, nunca foram respeitados e viveram más experiências. Muitas destas pessoas têm trajetos de vida marcados por percursos problemáticos, ausência de suporte familiar e condições sociais e económicas muito débeis. Têm uma atitude negativa face ao seu envelhecimento e apresentam medo em relação ao futuro, sentindo forte vontade em desistir pois pensam que já ninguém precisa delas. Requerem bastante apoio por parte dos enfermeiros (Backman & Hentinen, 1999). Apesar destes estilos de autocuidado serem muito marcados por aspetos e traços identitários e de personalidade das pessoas, é possível que os clientes, no contexto do confronto com situações altamente significativas e valorizadas, possam mostrar mudanças de alguns dos traços que caracterizam o seu estilo de autocuidado, tal como fica evidente no estudo de Mota (2011). Com efeito, muitos dos utentes, após o transplante hepático, mudaram de forma apreciável a maneira como geriam a sua saúde, quando até esse evento crítico (o transplante), adotavam uma postura muito negligente e/ou independente. Na lógica de Meleis (2005), podemos assumir que muitas destas pessoas viveram, fruto da experiência de saúde-doença, também, uma transição desenvolvimental. Ora, isto releva no contexto do nosso estudo, na medida em que, com base no exposto acerca dos estilos de autocuidado, poderíamos ser levados a admitir que o empowerment não “serve” para todos os clientes. A verdade é que esta abordagem terapêutica faz sentido para uma parte significativa dos clientes, para além de que o número de pessoas com estilos de autocuidado negligentes, tal como os estudos o sugerem, não é assim tão grande.

Naquilo que realça para o nosso estudo, estes quatro estilos de autocuidado traduzem a influência que as variáveis de domínio cognitivo, emocional e social assumem nas

atitudes e comportamentos que as pessoas têm para consigo próprias e veremos, mais adiante, como influenciam a autogestão da doença.

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