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1. INTRODUÇÃO

1.1 ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL

1.1.7 Papel dos profissionais de saúde

Pelos aspetos já referidos, verifica-se que os profissionais de saúde têm um importante papel no apoio à pessoa que tem que incorporar um regime terapêutico no seu quotidiano (Entidade Reguladora da Saúde, 2011; WHO, 2003). Uma boa relação entre os profissionais e os clientes parece ser a chave para assegurar o apoio às pessoas que desenvolvem esforços para gerir a sua saúde (Corben & Rosen, 2005). Nesta interação, é importante que o técnico de saúde tenha habilidade e disponibilize tempo para escutar, para identificar as principais preocupações do cliente, para discutir, e para compreender o modo como o cliente experiencia a sua condição.

A interação é outro dos elementos centrais da disciplina e prática de enfermagem. Como sabemos, o cariz humanista da ciência de enfermagem está fortemente relacionado com o facto de, sem interação (significativa) entre o enfermeiro e o cliente, não existirem cuidados de enfermagem capazes de promover o potencial de desenvolvimento dos clientes em transição (Meleis, 2005).

O conceito de interação sempre foi explorado em enfermagem, por via do seu carácter terapêutico, do seu sentido ou intencionalidade, dos seus componentes e da necessidade de partilha de informação entre quem cuida e quem é cuidado. Mas também, porque o cliente estabelece interações com o meio ou condições envolventes. As condições envolventes surgem, aqui, diretamente relacionadas com o conceito de interação, assumindo-se, também, como um elemento definidor do domínio da enfermagem. É conceptualizado em sentido lato, envolvendo a família, os grupos e comunidades com quem o cliente interage (Meleis, 2005). Esta visão coloca em destaque todo o potencial que a mobilização, por exemplo, de grupos terapêuticos pode ter para a concretização dos projetos (individuais) de saúde dos clientes.

Neste contexto, os enfermeiros devem mobilizar todos os meios para que a pessoa se envolva e contribua no planeamento dos seus cuidados (Corben & Rosen, 2005), porque a interação remete para a pro-atividade. Para além de providenciar intervenções que possam promover a adesão, o profissional deve, também, saber identificar os possíveis riscos de “não adesão”. Assim, a interação deve ser focada nos problemas do utente, ajudando-o a intervir nas suas preocupações. Este tipo de interações parece resultar numa maior satisfação por parte do utente do que aquelas em que o profissional domina a conversa e dá orientações (Funnell et al., 2010; Rubin, Peyrot & Siminerio, 2006). No entanto, o cliente pode, em certas fases da sua doença, solicitar orientações específicas acerca do que deve fazer. Porque o empowerment é um processo que se baseia no processo de ajuda à pessoa para que obtenha o que precisa e o que quer, o profissional deverá atender às necessidades do cliente. Aliás, os clientes podem solicitar uma orientação mais diretiva em determinados componentes do regime, existindo, mesmo, como vimos, clientes que preferem este tipo de abordagem. Por exemplo, podem pedir ao enfermeiro instruções específicas acerca da medicação e preferir tomar as suas próprias decisões acerca da gestão dos cuidados alimentares ou da atividade física (Anderson & Funnell, 2010). Pode haver, também, alturas em que as decisões tomadas pelos clientes são congruentes com as do técnico de saúde, pois de uma maneira geral todos pretendem preservar a saúde e prevenir as complicações da doença. Mas pode também haver momentos em que as decisões não são compatíveis com as recomendações dos técnicos. Os profissionais de saúde podem saber o que é

clinicamente melhor para a pessoa, porém isto não significa necessariamente que saibam o que é melhor para a vida do cliente (Anderson & Funnell, 2010). De facto, uma abordagem assente na filosofia do empowerment não envolve “convencer”, “persuadir” ou “mudar as pessoas”; antes proporciona o “facilitar” ou o “suportar/apoiar” os clientes a refletirem sobre a sua experiência de viver com a diabetes. Estes momentos de reflexão deverão ocorrer num clima cordial, “psicologicamente seguro”, de respeito e colaboração, essencial para que a pessoa possa repensar nas suas atitudes, significados, emoções e comportamentos. Esta reflexão leva frequentemente a uma maior consciencialização e compreensão das consequências que uma determinada gestão pode trazer (Anderson & Funnell, 2010). Com efeito, como nos diz Meleis (2005), ajudar os clientes a analisar e a reestruturar, quando adequado, atitudes, crenças e significados pode ter um impacto significativo nos seus comportamentos de saúde e, por essa via, no curso das transições. Porém, adotar este tipo de abordagem implica que os profissionais de saúde tenham conhecimentos aprofundados sobre estratégias de intervenção em pessoas com doença crónica. Para uma abordagem planeada torna-se ainda necessário que estes estejam treinados e motivados (WHO, 2003). No Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Diabetes a estratégia de formação está contemplada, não só para o cliente mas também para os técnicos de saúde. Cinco princípios orientadores são preconizados na formação dos profissionais: formação continua; motivação individual; aprendizagem com base na resolução de problemas; pertinência e oportunidade da informação, e avaliação do ensino e da aprendizagem (DGS, 2007).

O IDF debruçou-se sobre o curriculum que os profissionais de saúde têm na sua formação e verificou que o total de horas dedicadas a conteúdos acerca da diabetes na sua formação de base variava entre os vários países e as diferentes disciplinas do conhecimento. No que respeita à formação contínua, já enquanto profissionais, poucos referiram a frequência de programas formais de treino. O seu conhecimento e habilidades para educar na diabetes foram sendo desenvolvidos através da experiência profissional e do próprio estudo (IDF, 2013). Idealmente, as organizações de saúde devem promover e incentivar a formação contínua junto dos seus profissionais, apoiando-os na implementação de novos conhecimentos (IDF, 2013). Funnell e colegas (2006) desenvolveram um estudo junto de profissionais de saúde, especialistas em educação na área da diabetes e verificavam que a abordagem com que estes mais se identificavam era a do empowerment (Funnell et al., 2006). Todavia, a vasta experiência clínica destes autores tem demonstrado que, na prática, estes educadores não conseguem prestar cuidados baseados neste tipo de abordagem (Anderson & Funnell, 2010). A dificuldade em intervir de acordo com este paradigma parece estar relacionada com a educação dos

próprios profissionais de saúde. Ao longo da sua formação, estes são socializados a incorporar um conjunto de responsabilidades e expectativas que definirão a sua identidade enquanto profissionais. O poder deste processo de socialização é tão forte que, embora racionalmente considerem que a melhor abordagem seja o empowerment, os seus comportamentos contradizem-na completamente. No entanto, esta contradição parece ocorrer de forma inconsciente. Assim, no momento em que o profissional se confronta com a sua prática e se consciencializa da existência deste paradoxo, tem a oportunidade de o resolver, mudando o seu comportamento ou adotando um novo paradigma, de modo a que ambos sejam consistentes (Anderson & Funnell, 2010). Este problema remete-nos para a problemática do modelo exposto versus o modelo em uso (Basto, 1998; Silva, 2006), que expõe o fosso entre aquilo que os profissionais acreditam ser objeto da sua prática (modelo exposto), face ao que realmente fazem (modelo em uso). Algumas explicações podem ser encontradas para justificar estes achados. Entrevistas efetuadas a médicos e enfermeiros que desenvolveram um programa baseado na filosofia do empowerment e dirigido a pessoas com diabetes, evidenciaram a existência de um conflito de papéis nestes profissionais. Estes afirmaram que, na abordagem tradicional em que assumem o papel de peritos, sentem-se seguros. No entanto, no papel de facilitadores, inerente à filosofia do empowerment, sentem que precisam de crescer e de evoluir (Adolfsson, Smide, Gregeby, Fernström & Wikblad, 2004). Embora decorridos alguns anos, os profissionais continuam a referir a necessidade de terem treino nas técnicas de empowerment (Scambler, Newton, Sinclair & Asimakopoulou, 2012). O estudo de Silva (2001) e de Padilha (2013) mostram-nos a pertinência de levar por diante percursos de Investigação – Formação – Ação, tendo como propósito “aproximar os modelos em uso aos modelos expostos”.

No particular da pragmatização de programas terapêuticos iluminados pela filosofia do empowerment, ainda que seja inegável o avanço teórico em torno desta temática, este parece ainda não se traduzir na prática pois o cenário mantém-se preocupante. Parece existir uma incapacidade em traduzir o conhecimento atual sobre o empowerment em intervenções práticas, benéficas, eficientes em termos de custo, que melhorem a capacidade do cliente em responder emocionalmente e com comportamentos, às exigências da diabetes (Gonder-Frederick, Cox & Ritterband, 2002). De facto, alguns dos programas educacionais não são estruturados e poucos têm sido avaliados formalmente, para além de não possuírem profissionais treinados na área de intervenção (Skinner et al., 2006).

Sabendo que a doença crónica comporta alguma vulnerabilidade, expondo as pessoas a potenciais danos, recuperações complicadas, ou uma ineficaz ou pouco saudável capacidade de lidar com os problemas, os enfermeiros podem preparar os clientes para as transições iminentes e facilitar a aprendizagem de novas competências (Meleis et al., 2000). Esta vulnerabilidade, associada à multiplicidade de fatores que intervêm nos comportamentos de autocuidado, implicam que os profissionais de saúde tenham formação específica na área da adesão e se encontrem motivados para delinear planos de cuidados com intervenções individualizadas, múltiplas e abrangentes dirigidas à componente cognitiva, comportamental e emocional. Desta forma os programas de intervenção deverão permitir uma abordagem multidisciplinar, sistemática e coordenada. Todavia, todo e qualquer programa deve explicitar em que alicerces se estrutura e quais os seus propósitos.

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