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Promover o autocuidado. Apoiar a adesão e a gestão do regime terapêutico. Programa de intervenção de enfermagem em pessoas com diabetes.

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Academic year: 2021

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PROMOVER O AUTOCUIDADO

APOIAR A ADESÃO E A GESTÃO DO REGIME TERAPÊUTICO Programa de Intervenção de Enfermagem em Pessoas com Diabetes

Tese de Candidatura ao grau de Doutor em Ciências de Enfermagem, submetida ao Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto

Orientadora – Doutora Teresa Martins Categoria – Professora coordenadora

Afiliação – Escola Superior de Enfermagem do Porto Coorientador – Doutor Filipe Pereira

Categoria – Professor coordenador

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Um Reino Maravilhoso

Vou falar-lhes dum Reino Maravilhoso. Embora muitas pessoas digam que não, sempre houve e haverá

reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver,

é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade,

e o coração, depois, não hesite. Ora, o que pretendo mostrar,

meu e de todos os que queiram merecê-lo, não só existe,

como é dos mais belos que se possam imaginar (…)

Miguel Torga (1907 – 1995

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Agradecimentos

Agradeço à Professora Doutora Teresa Martins, minha orientadora, pela partilha do seu conhecimento, pelos seus sábios conselhos, pela sua dedicação, camaradagem e incentivo.

Ao Professor Doutor Filipe Pereira, meu coorientador, pela sua visão, comentários e acompanhamento.

Aos dois, o meu mais profundo e sincero reconhecimento.

Às enfermeiras Laurentina, Ilda e Isabel, porque acreditam em uma enfermagem com mais enfermagem e avançam com coragem pelos obstáculos que encontram. Às enfermeiras Carla, Clara, Amélia, Olga, Laurinda e Catarina, porque ousaram permitir a mudança.

Aos utentes com diabetes, centro da nossa atenção, pela partilha das suas vidas, das suas experiências. Sem eles não seria possível a realização desta investigação.

À Escola Superior de Enfermagem do Porto que desenvolveu um esforço no sentido de permitir que os seus profissionais possam dedicar-se à investigação, mesmo perante as inúmeras contingências.

Às minhas colegas e amigas Zé Peixoto, Zé Lumini e Fátima Araújo, que ouviram as minhas inquietações e que me ajudaram a que este relatório se tornasse de mais fácil leitura. À Célia, pelo seu alento.

E, finalmente, aos que sempre estiveram comigo, que sempre me apoiaram e constituíram o meu “porto seguro”: os meus pais, o Luís, os meus filhos e a minha família. A todos os que me acompanharam. Bem hajam!

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Resumo

A investigação aqui descrita pretende contribuir para o empenho que a disciplina e profissão de enfermagem tem vindo a fazer com a intenção de capacitar as pessoas com diabetes para uma gestão mais competente da doença e do regime terapêutico, potenciando o bem-estar.

Pretendendo prestar cuidados mais significativos e adequados aos clientes, desenvolvemos um estudo longitudinal, baseado nos princípios da investigação-ação onde, em parceria, com um grupo de enfermeiros dos cuidados de saúde primários, delineamos, implementamos e avaliamos um programa de intervenção educacional. Este programa, tendo como subjacente a filosofia do empowerment e sendo dirigido às componentes psicossociais e comportamentais foi desenvolvido ao longo de um ano, com uma amostra não probabilística de 86 pessoas com diabetes mellitus tipo 2.

Para avaliar o impacto do programa procedemos à aplicação, antes e após a sua implementação, de um conjunto de instrumentos que avaliaram os conhecimentos, as representações de doença, a autoeficácia percebida, o suporte social, a qualidade de vida, os cuidados com o regime terapêutico e os principais marcadores clínicos. Realizámos, ainda, uma entrevista estruturada a 21 participantes, de forma a aprofundar o nosso conhecimento sobre os “efeitos” do programa.

Os resultados obtidos demonstraram uma melhoria estatisticamente significativa na maioria das variáveis psicossociais, nos comportamentos de autocuidado e nos marcadores clínicos.

Esta investigação vem corroborar a necessidade de adotar novas abordagens à pessoa com doença crónica. Os cuidados centrados no cidadão, promotores do empowerment, permitem que a pessoa mobilize competências para gerir com maior eficácia a sua saúde. Em simultâneo, este estudo possibilitou que os enfermeiros, coautores do programa, desenvolvessem a sua prática, orientados por um modelo mais centrado nas respostas humanas às transições. Os enfermeiros, no âmbito da sua intervenção autónoma, possuem um conjunto de intervenções com grande potencial para ajudar as pessoas a obterem ganhos em saúde, em particular no âmbito do seu autocuidado com a diabetes.

Palavras-chave: Adesão; Autocuidado; Cuidados centrados na pessoa; Diabetes; Empowerment; Gestão do regime terapêutico; Investigação-ação; Programa educacional

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Abstract

The research described here aims to contribute to the effort done, by nursing discipline and profession, to enable people with diabetes to do a more competent management of their disease and the therapeutic regimen, therefore enhancing their well-being.

In order to provide more meaningful and appropriate care to the clients, we developed a longitudinal study based on action research principles, where we designed, implemented and evaluated a program of educational intervention. This was done in partnership with a group of nurses of primary care. This program is based on the philosophy of empowerment and, being directed to the psychosocial and behavioral components, was developed over a year with a non-probability sample of 86 people with type 2 diabetes mellitus.

To evaluate the impact of the program we applied - before and after its implementation - a set of instruments that evaluated knowledge, illness perceptions, perceived self-efficacy, social support, quality of life, the care regimen and main clinical markers. We also did a structured interview to 21 participants in order to deepen our knowledge of the "effects" of the program.

The obtained results showed a statistically significant improvement in most psychosocial variables, self-care behaviors and clinical markers.

This research corroborates the need to adopt new approaches to a person with a chronic disease. The cares centered in the clients and promoters of empowerment allow the person to mobilize skills to manage more effectively their health.

Simultaneously this study enabled nurses, as co-authors of the program, to develop their practice, guided by a model more centered on human responses to the transitions. Nurses, in its autonomous intervention, have a set of interventions with a great potential to help people to achieve health gains, particularly in the context of self-care with diabetes. Keywords: Action research; Adherence; Diabetes; Educational program; Empowerment; Person-centered care; Self-care; Self-management

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Abreviaturas e siglas ACES – Agrupamentos de Centros de Saúde

APDP – Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal ARS – Administração Regional de saúde

AVC – Acidente Vascular Cerebral

CIPE – Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem DGS – Direção-Geral da Saúde

DM – Diabetes mellitus DP – Desvio Padrão

ERS – Entidade Reguladora da Saúde

ESEP – Escola Superior de Enfermagem do Porto

HbA1c – Hemoglobina glicada ou hemoglobina glicada A1c IA – Investigação-Ação

ICBAS – Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar

ICN – International Council of Nurses/ Conselho Internacional de Enfermeiros IDF – International Diabetes Federation

IMC – Índice de Massa Corporal INE – Instituto Nacional de Estatística M – Média

Mn – Mínimo Mx – Máximo

NICE – National Institute for Health and Clinical Excellence OMS – Organização Mundial da Saúde

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PAD – Pressão Arterial Diastólica PAS – Pressão Arterial Sistólica P – Peso

PA – Perímetro Abdominal

PAIDM2 – Processo Assistencial Integrado na Diabetes Mellitus tipo 2 PNS – Plano Nacional de Saúde

SAPE – Sistema de Apoio à Prática de Enfermagem SIE – Sistemas de Informação em Enfermagem SNS – Serviço Nacional de Saúde

SPD – Sociedade Portuguesa de Diabetologia TA – Tensão Arterial

TIC – Tecnologias da informação e dos computadores UCC – Unidade de Cuidados na Comunidade

UCFD – Unidades Coordenadoras Funcionais para a Diabetes UCSP – Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados URAP – Unidade de Recursos Assistenciais Partilhados USF – Unidade de Saúde familiar

USP – Unidade de Saúde Pública WHO – World Health Organization

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 - Desenho do estudo ...61 Figura 2 - Fatores facilitadores/inibidores na gestão do regime terapêutico: dimensões e categorias ...87 Figura 3 - Fatores que influenciam os comportamentos de adesão ... 136 Figura 4 - Papel e características do enfermeiro na promoção da adesão ao regime terapêutico ... 142 Figura 5 - Fatores que influenciam o trabalho dos enfermeiros na pessoa com doença crónica ... 143 Figura 6 - Estrutura do programa educacional “Viver em harmonia com a diabetes” ... 192

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ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 - Os cinco passos da mudança comportamental (Anderson & Funnell, 2005) ...55 Tabela 2 - Finalidade e método dos estudos ...61 Tabela 3 - Principais problemas identificados pelos enfermeiros e estratégias sugeridas na mudança ... 164 Tabela 4 - Conteúdos do programa “Viver em harmonia com a diabetes” ... 194

Tabela 5 - Frequência absoluta e relativa das dificuldades apresentadas nas principais componentes do regime terapêutico, antes e após o programa e valores de p relativos ao teste McNemar ... 220 Tabela 6 - Frequência absoluta e relativa dos recursos informativos sobre as componentes do regime terapêutico, antes e após o programa e valores de p relativos ao teste McNemar ... 221 Tabela 7 - Distribuição da média (M) e desvio padrão (DP) e valores do teste t dos itens do QCD, antes e após o programa ... 221 Tabela 8 - Distribuição da média (M) e desvio padrão (DP) e valores do teste t dos itens do Brief-IPQ, antes e após o programa ... 223 Tabela 9 - Distribuição da média (M) e desvio padrão (DP) e valores do teste t dos itens do DES-SF, antes e após o programa ... 225 Tabela 10 - Frequência absoluta e relativa da influência dos familiares na gestão do regime terapêutico, antes e após o programa ... 226 Tabela 11 - Distribuição da média (M) e desvio padrão (DP) e valores do teste t das dimensões do Autocuidado, antes e após o programa ... 228 Tabela 12 - Distribuição da média (M) e desvio padrão (DP) e valores do teste t na Qualidade de Vida, antes e após o programa ... 229

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marcadores clínicos, antes e após o programa ... 230 Tabela 14 - Categorias e unidades de registo referentes ao impacto do programa nas variáveis psicossociais ... 231 Tabela 15 - Categorias e unidades de registo referentes ao impacto do programa nos comportamentos de autocuidado ... 232

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1. INTRODUÇÃO ... 23

1.1 ENQUADRAMENTOCONCEPTUAL 1.1.1 A diabetes mellitus: novos desafios ... 28

1.1.2 Cuidados centrados na pessoa ... 31

1.1.3 Autocuidado ... 32

1.1.4 Adesão ... 36

1.1.5 Autogestão ... 42

1.1.6 Educação terapêutica ... 46

1.1.7 Papel dos profissionais de saúde ... 48

1.2 OEMPOWERMENT 1.3 VISÃOGERALDOESTUDO 1.3.1 O curso da ação ... 60

1.3.2 O contexto... 62

1.3.3 Os atores da investigação ... 64

1.3.4 Considerações éticas ... 65

1.4 VISÃOGERALDORELATÓRIO 1.5 REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS 2. COMPREENDER A EXPERIÊNCIA DE QUEM VIVE COM A DIABETES: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO ...81 2.1INTRODUÇÃO 2.2OBJETIVOS 2.3MÉTODO 2.3.1 Participantes e amostra ... 83 2.3.2 Recolha de dados ... 84 2.3.3 Procedimentos ... 85

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2.5CONCLUSÕES

2.6REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS

3. CAMINHANDO PARA UMA ENFERMAGEM MAIS AVANÇADA: ANÁLISE SOBRE AS PRÁTICAS DOS ENFERMEIROS NA ABORDAGEM À PESSOA COM DOENÇA CRÓNICA ... 129 3.1INTRODUÇÃO 3.2OBJETIVOS 3.3MÉTODO 3.3.1 Participantes ... 133 3.3.2 Recolha de dados ... 133 3.3.3 Procedimentos ... 134 3.4RESULTADOS 3.5DISCUSSÃOECONCLUSÂO 3.6REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS

4. PLANEAR A AÇÃO PARA POTENCIAR A MUDANÇA: CONCEÇÃO DE UM PROGRAMA EDUCATIVO PROMOTOR DO AUTOCUIDADO NA DIABETES ... 171

4.1INTRODUÇÃO 4.2OBJETIVOS 4.3MÉTODO 4.3.1 Participantes ... 182 4.3.2 Recolha de dados ... 183 4.3.3 Procedimentos ... 184 4.4CONSIDERAÇÕESÉTICAS 4.5RESULTADOS 4.6IMPLICAÇÕESDOPROGRAMA

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5. IMPACTO DE UM PROGRAMA EDUCACIONAL NAS VARIÁVEIS PSICOSSOCIAIS, NOS COMPORTAMENTOS DE AUTOCUIDADO E NOS MARCADORES CLÍNICOS,

EM PESSOAS COM DIABETES MELLITUS TIPO 2 ... 205

5.1INTRODUÇÃO 5.2OBJETIVOS 5.3MÉTODO 5.3.1 Participantes ... 211 5.3.2 Instrumentos ... 211 5.3.3 Procedimentos ... 216 5.3.4 Tratamento da informação ... 218 5.4RESULTADOS 5.5DISCUSSÃO 5.6CONCLUSÃO 5.7IMPLICAÇÕESPARAAPRÁTICA 5.8REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS 6. CONCLUSÕES GERAIS ... 255

6.1IMPACTODOPROGRAMANAPESSOACOMDIABETES 6.2CONTRIBUTODAINVESTIGAÇÃOPARAAPRÁTICADEENFERMAGEM 6.3OPROGRAMA:FRAGILIDADESEPOTENCIALIDADES 6.4CONTRIBUTODAINVESTIGAÇÃOPARAADISCIPLINA 6.5REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS ANEXOS ... 271

ANEXO1–AUTORIZAÇÃO DO PROJETO DE INVESTIGAÇÃO

ANEXO2–CONSENTIMENTO INFORMADO

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ANEXO5–GUIÃO DA ENTREVISTA DIAGNÓSTICA

ANEXO6–QUESTIONÁRIOS

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1. INTRODUÇÃO

Este relatório expõe as diferentes etapas percorridas ao longo de uma investigação no âmbito do Doutoramento em Ciências de Enfermagem, realizado no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), e que se focou sobre o autocuidado da pessoa com doença crónica, concretamente com diabetes mellitus tipo 2.

Com a colaboração de um grupo de enfermeiros, procedeu-se ao planeamento, implementação e avaliação de um programa educacional que visa promover, na pessoa/cliente, competências que lhe permitam controlar a diabetes, integrando-a na sua vida e minimizando o seu impacto na saúde e bem-estar.

A escolha desta área foi motivada por várias razões. A investigação produzida em torno da doença crónica identifica claramente o seu efeito na saúde das populações e orienta os serviços de saúde para a adoção de novas estratégias de atuação, que sugerem o envolvimento ativo de toda a sociedade, no sentido de alterar este cenário. Porque muitas destas doenças estão diretamente relacionadas com estilos de vida e, portanto, o seu controlo depende fortemente das atitudes e comportamentos das pessoas, urge promover uma cultura de cuidados de saúde que crie condições para que estas possam mobilizar as suas competências, de forma a perseguir o seu projeto de saúde.

A solução passa por uma intervenção abrangente e integrada a vários níveis (OMS, 2003). Embora os avanços obtidos na área das ciências médicas tenham contribuído extraordinariamente para a identificação precoce dessas doenças, o seu caráter de cronicidade obriga a que as pessoas tenham que incorporar na vida a sua gestão, aprendendo a controlá-las e a reduzir os seus efeitos e complicações.

O paradigma de cuidados vigente, porque ainda muito centrado na parte curativa, não tem respondido eficazmente a este novo desafio. Se é verdade que os problemas estão identificados e existem orientações claras, decorrentes de uma análise rigorosa e profunda da situação, também é verdade que ainda se revelam limitadas as respostas que a sociedade tem encontrado para este problema. Embora uma das soluções passe por comprometer o cidadão na gestão da sua saúde, este só poderá ser responsabilizado se tiver condições de acesso a uma vida saudável e se receber apoio profissional para tomar decisões saudáveis (OMS, 2005). É neste contexto que a enfermagem e os cuidados de enfermagem podem dar um contributo significativo para a saúde das populações.

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O diagnóstico de uma doença crónica provoca, habitualmente, uma disrupção no decurso natural de vida e envolve um conjunto de mudanças, com impacto na forma como a pessoa se vê e se adapta ao mundo social, levando-a a redefinir papéis e a encetar um esforço de modo a proteger a sua identidade da ameaça e do estigma provocado pela doença (Bury, 1982 & Gerhardt, 1989, cit. por Rogers, Lee & Kennedy, 2007). Esta nova condição na saúde pode originar um processo de transição (Meleis, Sawyer, Im, Messias & Schumacher 2000). As transições implicam a inclusão de novos conhecimentos, a alteração de comportamentos e também a modificação da visão que a pessoa tem de si, inserida no contexto social (Meleis, 2005).

Compreender o processo de adaptação e resposta à doença iniciado pela pessoa, assume especial relevância para os enfermeiros, pois constitui a base para a conceção de cuidados mais significativos para os clientes.

Os enfermeiros estão em posição privilegiada para intervir junto das necessidades em saúde dos clientes, decorrente do seu mandato social, da posição que ocupam na equipa multidisciplinar e da proximidade que têm com a população (ICN, 2010; OE, 2009; WHO, 2003). Viver com uma doença de longa duração e manter o bem-estar “exige” que a pessoa experiencie uma serie de transições que beneficiam com a intervenção de enfermagem em diferentes estádios e em determinados eventos críticos. O modo como experienciam e respondem a essas mudanças constitui o foco central para a disciplina de enfermagem. Da mesma forma, as estratégias que os enfermeiros utilizam no sentido de facilitar essas transições, assumem especial relevância na área da investigação (Meleis, 2010).

Perante o exposto, e decorrente do nosso desempenho profissional na área da docência de enfermagem, considerámos encontrarmo-nos numa posição privilegiada para desenvolver esta investigação pois movemo-nos, em simultâneo, no ambiente académico e no ambiente clínico. No primeiro, somos estimulados a procurar a melhor evidência científica disponível que sustente o processo ensino-aprendizagem, de modo a formar profissionais altamente qualificados. No segundo, contactamos diretamente com os clientes, nas instituições de saúde e no seu ambiente natural, apercebendo-nos da realidade em que se inserem, dos seus problemas e das suas necessidades. Ainda, neste contexto clínico, trabalhamos de perto com os enfermeiros, o que nos permite aceder aos modelos que norteiam a sua prática e ao seu posicionamento face aos cuidados que prestam.

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Esta conjuntura, associada à parceria que se estabeleceu entre a antiga Sub-Região de Saúde de Vila Real, atualmente constituída pelo Agrupamento de Centros de Saúde Alto Trás-os-Montes II - Alto Tâmega e Barroso e pelo Agrupamento de Centros de Saúde Douro I - Marão e Douro Norte, e a Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP), foi igualmente preponderante para enveredar por esta investigação. Porque os enfermeiros dos cuidados de saúde primários pretendiam melhorar as suas competências para prestar cuidados mais significativos às pessoas, a ESEP comprometeu-se a disponibilizar diversas formações no âmbito do autocuidado à pessoa com doença crónica.

Perante as circunstâncias, consideramos reunir condições geradoras de motivação, no sentido de contribuir para a expansão do conhecimento disciplinar e para a inovação de processos assistenciais que se consubstanciem em ganhos em saúde para os clientes. Julgamos que esta investigação comporta grandes desafios, pois pretende contribuir para o desenvolvimento da disciplina de enfermagem, pretende implementar práticas inovadoras na abordagem à pessoa com doença crónica e deseja, sobretudo, promover a responsabilização das pessoas pela sua saúde.

Tendo como foco a gestão e a adesão ao regime terapêutico na pessoa com diabetes, trabalhamos com um grupo de enfermeiros na construção de estratégias que se reflitam em cuidados que respondam às necessidades concretas dos clientes. Dentro do seu âmbito de atuação, os enfermeiros procuram criar condições que facilitem e promovam o empowerment do cliente, ajudando-o a tomar decisões informadas acerca da gestão da sua saúde, e dos cuidados específicos à sua doença.

1.1 ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL

Os atuais desafios com que muitos dos países se debatem, consequência de um quadro demográfico marcado pelo envelhecimento populacional e da procura da sustentabilidade económica e ambiental, orientam os sistemas de saúde para a busca de soluções viáveis, que respondam às necessidades em saúde da sua população. De facto, assistimos atualmente a um aumento das doenças crónicas que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) serão a principal causa de incapacidade no mundo até 2020, e representarão a maior sobrecarga para os sistemas de saúde (WHO, 2008a). Inicialmente associadas aos países desenvolvidos, os estudos demonstram agora que, nos países de baixo e médio rendimento, estas condições assumem uma proporção preocupante, contribuindo para a maior causa de morte (WHO, 2008a).

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Acresce o facto do seu impacto se fazer sentir mais acentuadamente na população com baixos níveis de rendimentos, contribuindo também para aumentar as desigualdades sociais entre as pessoas (IDF, 2013; WHO, 2008a).

Relativamente à diabetes, a OMS prevê que as mortes causadas por esta doença aumentem cerca de 50% na próxima década, caso não sejam tomadas medidas urgentes (WHO, 2009). Estima-se que 10% do total da população europeia tenha diabetes e que, até 2030, esta percentagem ascenda para 16,6%, devido a fatores vários, entre eles a obesidade e o envelhecimento populacional (União Europeia, 2012).

Concretamente em Portugal, calcula-se que, em 2008, as doenças crónicas tenham sido responsáveis por 86% das mortes, sendo que a diabetes contribuiu com uma percentagem de 5% (WHO, 2011), surgindo como uma das principais causas de morbilidade crónica e de perda da qualidade de vida. A sua prevalência total em idades compreendidas entre os 20 e os 79 anos tem vindo a aumentar de 11,7%, em 2009, para 12,9%, em 2012 (Sociedade Portuguesa de Diabetologia, 2013). Relativamente à taxa de incidência, de acordo com dados fornecidos pelos Médicos Sentinela, verificou-se um aumento acentuado de novos casos na última década, com um acréscimo de 3,8% entre 2003 e 2012 (cit. por Sociedade Portuguesa de Diabetologia, 2013). Estes valores comportam algumas especificidades: existe uma forte correlação entre o envelhecimento e o incremento da prevalência da diabetes; 90% da população com diabetes apresenta excesso de peso ou obesidade; e existem diferenças estatisticamente significativas na prevalência entre homens (com valores mais elevados) e mulheres. A elevada prevalência da hiperglicemia intermédia também é preocupante já que, em 2012, atingia 26,8% da população portuguesa entre os 20 e os 79 anos.

São inúmeras as consequências desta patologia, quer para a pessoa afetada e sua família, quer para a sociedade em geral. Na maior parte dos países desenvolvidos ela é a principal causa de cegueira, amputação dos membros inferiores e insuficiência renal, estando também associada a riscos aumentados de doença coronária e acidentes vasculares cerebrais. Estes problemas traduzem-se diretamente em sofrimento e perda efetiva de qualidade de vida para a pessoa doente e familiares, e em mortes prematuras. Mas, este impacto, também se repercute na sociedade, pelos gastos elevados que comporta para o Serviço Nacional de Saúde, pela perda de produtividade e pelas oportunidades perdidas de desenvolvimento (Sociedade Portuguesa de Diabetologia, 2013).

Portugal tem vindo a fazer um esforço notável para alterar este panorama. Desde a década de setenta que, através do Programa Nacional para a Diabetes, têm vindo a ser

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delineadas, numa ação concertada entre várias entidades e organizações, medidas de intervenção que visam a redução da incidência da diabetes e suas complicações, através do reforço da capacidade organizativa e da introdução de modelos de boas práticas aos vários níveis de prevenção (DGS, 2007). Apesar deste esforço, um relatório produzido pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS) identifica um conjunto de aspetos que continuam a limitar a oferta de serviços na área da diabetes mellitus (ERS, 2011). Alguns destes aspetos prendem-se com o acesso aos cuidados de saúde primários, com a educação para a saúde e com os recursos materiais e humanos. Devido ao elevado número de utentes e à dificuldade na atribuição do médico de família, muitos dos contactos realizados com os serviços de saúde ocorrem para levantar receituários, perdendo-se a oportunidade para avaliar os utentes em termos clínicos e laboratoriais. A educação para a saúde também não tem a expressão pretendida, devido, em parte, às solicitações de cuidados de âmbito curativo, que remetem para um plano secundário os cuidados preventivos e/ou de promoção de saúde. Acrescem os parcos recursos humanos e as limitações arquitetónicas das instalações que dificultam as reuniões em grupo. A inclusão de técnicos como professores de educação física, nutricionistas, fisioterapeutas, entre outros, poderia também constituir uma vantagem na definição de planos terapêuticos mais abrangentes e adequados ao utente (ERS, 2011). Neste documento fica evidente a importância da consulta de enfermagem, pois revela-se essencial na prestação de cuidados. Aliás, muitos dos clientes parecem privilegiar esta consulta. O papel que os enfermeiros assumem junto da pessoa com diabetes, a relação que com ela estabelecem e a desburocratização e celeridade no agendamento dos contactos, são fatores que promovem esta consulta (ERS, 2011). Neste sentido, encontramo-nos perante um capital que urge potenciar, nomeadamente através de programas mais estruturados e consistentes.

Mais recentemente, no sentido de dar resposta à Resolução tomada pelo Plenário do Parlamento da União Europeia (2012), que orienta e incentiva os estados membros a encontrar estratégias no domínio da prevenção, diagnóstico, gestão, educação e investigação, para ultrapassar os desafios que esta doença acarreta, o Ministério da Saúde cria, em 2013, as Unidades Coordenadoras Funcionais para a Diabetes (UCFD). Estas têm como principal função coordenar os diferentes níveis de cuidados de modo a melhorar o processo assistencial e de acompanhamento da doença (Despacho n.º 3052/2013 de 26 de fevereiro). Neste despacho ministerial fica clara a intenção de constituir equipas multidisciplinares altamente diferenciadas que, em colaboração com as unidades funcionais dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) e com os serviços hospitalares, apostem na educação para a saúde e na autogestão da diabetes (ibidem).

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Reforçando a necessidade da cooperação, de comunicação efetiva entre as várias equipas de saúde e de cuidados estruturados, de modo a evitar duplicação de cuidados e intervenções episódicas, aposta-se na necessidade de orientar a prática clinica para resultados pautados pela qualidade no processo assistencial e por uma utilização efetiva dos recursos.

O Processo Assistencial Integrado na Diabetes Mellitus tipo 2 (PAIDM2) centra-se nas necessidades e expetativas da pessoa com diabetes e reflete uma cultura de cuidados centrada no cidadão, mas também no próprio processo de cuidados (DGS, 2013a). O Plano Nacional de Saúde (PNS) 2012-2016, orientador da política de saúde, reforça a necessidade de promover no cidadão, família e comunidades a capacidade para que resistam às adversidades, contribuindo para o seu empowerment (DGS, 2013b). Neste documento destacam-se algumas ideias centrais: a saúde vista numa perspetiva salutogénica e a responsabilidade do cidadão e da comunidade envolvente em manter e promover o seu potencial de saúde. Uma vez que a cidadania em saúde se apresenta como um dos principais eixos estratégicos, devem ser tomadas medidas no sentido de conferir ao cidadão poder e responsabilidade para melhorar a saúde individual e coletiva e promover a literacia em saúde (DGS, 2013b). No entanto, esta cultura de cidadania deve ser apoiada por ações concertadas a nível político, organizacional e individual. Por exemplo, a nível organizacional, os profissionais de saúde deverão desenvolver programas estruturados de educação para a saúde e de autogestão da doença. Avaliando o contexto socioeconómico e cultural onde o cliente se insere, o profissional de saúde adequa os cuidados a essa realidade e fomenta a participação da pessoa no processo de decisão terapêutica (DGS, 2013b). A nível individual também estão contemplados alguns princípios que deverão orientar os utilizadores dos serviços de saúde. Assim, os cidadãos devem melhorar as suas competências para exercer responsavelmente os seus direitos e deveres e devem estabelecer alianças terapêuticas com os profissionais, formando parcerias na gestão da doença (DGS, 2013b).

1.1.1 A diabetes mellitus: novos desafios

A diabetes é uma doença crónica que surge quando o pâncreas não consegue produzir insulina suficiente ou quando o corpo não a consegue utilizar eficazmente (IDF, 2013; SPD, 2013).

Embora existam vários tipos de diabetes, os dois subtipos principais são a diabetes mellitus (DM) tipo 1 e tipo 2, sendo este último o mais vulgar, pois atinge aproximadamente 90% das pessoas com a doença e ocorre tipicamente no adulto obeso,

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principalmente a partir da quarta década de vida. No entanto, esta tendência tem vindo a sofrer alterações pois este tipo de diabetes começa a manifestar-se simultaneamente na população mais jovem (IDF, 2013). Na DM tipo 2 o corpo é capaz de produzir insulina mas, ou esta não é suficiente, ou o organismo torna-se resistente aos seus efeitos, provocando uma situação de hiperglicemia, extremamente lesiva aos órgãos e tecidos (IDF, 2013).

De um modo geral, os estilos de vida que as pessoas adotam têm sido associados aos fatores de risco da doença. Uma vida sedentária com pouca atividade física, uma alimentação com excesso de calorias e gorduras e a presença de obesidade, associadas a um ritmo de vida extremamente acelerado, contribuem para o aparecimento da DM tipo 2. Acrescem ainda fatores de risco não modificáveis, como o envelhecimento, a etnia, a existência de antecedentes familiares e a existência de glicemias maternas elevadas durante a gestação (IDF, 2013).

O tratamento da doença tem como principal objetivo manter os níveis de açúcar no sangue próximos do normal, e assenta em três grandes pilares: a medicação, a alimentação e o exercício físico. A Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD), em consonância com a International Diabetes Federation (IDF), a European Association for the Study of Diabetes (EASD) e a European Society of Cardiology (ESC), consideram que o valor desejável da hemoglobina glicada A1c (HbA1c) deverá ser inferior a 6,5% (cit. por DGS, 2011). Frequentemente, após ser diagnosticada diabetes, se o valor da HbA1c não exceder os 7% e se a pessoa se encontrar motivada para adequar o seu estilo de vida às novas necessidades para gerir a doença, opta-se habitualmente por um tratamento não farmacológico, que inclui a adoção de uma alimentação saudável, associada à prática de exercício físico regular (Inzucchi et al., 2012).

É consensual que a alteração dos estilos de vida, nomeadamente na dieta e na atividade física, constitui um dos principais pilares da terapêutica (Duarte, Nunes, Dores & Medina, 2013). No entanto, alterar hábitos de vida profundamente enraizados representa, frequentemente, uma dificuldade, pois estes são influenciados por um conjunto de condições internas, como crenças, motivação, preferências e significados, mas também por condições externas, relacionadas com o meio e suporte familiar, socioeconómico e cultural.

O regime terapêutico aconselhado para o controlo da diabetes é considerado extremamente desafiante pelo grau de envolvimento ativo fora do comum que exige à pessoa pois, mais de 90% dos cuidados que esta necessita são da sua inteira responsabilidade (Anderson & Funnell, 2010). Exige, ainda, que muitos dos hábitos de

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vida sejam alterados implicando mudanças comportamentais por vezes profundas, com repercussão não só na vida da pessoa com a doença mas também na da sua família. Todavia, é unânime entre os vários investigadores que a forma como a pessoa cuida de si própria e da sua doença se reflete na eficácia do tratamento (European Diabetes Leadership Forum, 2102; IDF, 2012; WHO, 2003; WHO, 2006).

A maioria das pessoas com diabetes não consegue atingir as metas previstas nas orientações clínicas (WHO, 2003). De facto, cerca de 50% destas pessoas não controla satisfatoriamente os níveis de glicemia, de colesterol e da tensão arterial (WHO, 2006). É, de realçar que os valores desejáveis sugeridos nas orientações clínicas nem sempre são possíveis de atingir. A evidência científica tem levado a que alguns peritos na área sugiram uma postura mais flexível em termos de metas a alcançar e de tratamento a instituir (DGS, 2011; Duarte et al., 2013; Inzucchi et al., 2012), o que nos remete para a importância da negociação, pois constitui a base para a responsabilização do cliente. A SPD alerta para que, no caso de pessoas mais idosas e com comorbilidades de longa duração, os alvos glicémicos devam ser menos ambiciosos, considerando aceitáveis valores de HbA1c inferiores a 7,5-8,0% (Duarte et al., 2013). Logo, os valores glicémicos desejáveis devem ser ajustados às características do doente, tendo em consideração os anos de diabetes, a esperança de vida, a presença de comorbilidades (como no caso dos idosos com doença prévia cardiovascular) ou a perceção diminuída das hipoglicemias (DGS, 2011).

Embora seja inegável o valioso contributo das orientações clínicas para os profissionais, a verdade é que também podem predispô-los a adotar uma abordagem muito centrada na doença (Starfield, 2011). Acima de tudo, as recomendações sobre as metas a atingir devem ter em consideração o contexto do utente, as suas preferências e necessidades (Inzucchi et al., 2012).

Os resultados que decorrem desta leitura orientam os profissionais de saúde para planos terapêuticos centrados naquilo que a pessoa percebe que precisa e é capaz de mudar; nos significados que atribui ao que lhe é proposto pelos profissionais; e nas barreiras e obstáculos que identifica à implementação das mudanças comportamentais. Este enfoque coloca em destaque uma abordagem centrada na pessoa e no seu potencial.

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1.1.2 Cuidados centrados na pessoa

Nos cuidados de saúde tradicionais, concebidos para dar resposta a condições agudas, os clientes têm “navegado” através de cuidados fragmentados, tendo que se adaptar constantemente a práticas e até posturas, que variam entre as diferentes organizações de saúde e os diversos técnicos (Ekman et al., 2011). Neste tipo de abordagem, as necessidades, as preferências e os valores da pessoa não são o verdadeiro foco de atenção dos profissionais de saúde (Ekman et al., 2011; Starfield, 2011; WHO, 2008b). Aliás, e como já referimos, no último século o avanço em termos de diagnóstico das doenças tem sido extraordinário, sustentado pelo desenvolvimento de tecnologias de ponta. Todavia, o mesmo não se pode dizer quanto à relação que se estabelece entre o profissional de saúde e o cliente.

Reconhecer e documentar os problemas reais com os quais os clientes se deparam parece ser o novo grande desafio (Starfield, 2011). Na nossa opinião, e permitindo-nos ainda avançar mais nesse desafio, consideramos que ajudar a pessoa a reconhecer, verbalizar e encontrar forma de responder às suas próprias necessidades representa o âmago para a autonomização do cliente na gestão da sua saúde.

Os cuidados centrados no cliente, na língua inglesa designados por “patients-centered care”, implicam que o profissional, tendo em conta os guias orientadores, individualize o tratamento, adequando-o ao contexto específico do cliente. Este princípio deverá estar subjacente a todos os cuidados de saúde dispensados à pessoa com doença prolongada, pois a individualização dos cuidados constitui a pedra angular do sucesso (Inzucchi et al., 2012). Todavia, este termo não reúne consenso (Ekman et al., 2011; Starfield, 2011). Segundo Ekman e colegas (2011) o termo “paciente” poderá ser associado a uma passividade da pessoa face aos seus cuidados e, portanto, esta expressão deve ser substituída por “person-centered care” pois enfatiza a necessidade de aceder à pessoa que está por detrás do paciente, isto é, de aceder à pessoa que (também) tem uma doença (Ekman et al., 2011).

A este propósito, no nosso país, a legislação mais recente sobre os direitos e deveres do utente dos serviços de saúde (Diário da Republica, Lei n.º 15/2014), vem igualmente introduzir a utilização de uma linguagem neutra, dando preferência ao termo utente em detrimento dos termos “paciente” e “doente”. Recorrendo a esta orientação, na presente dissertação não utilizaremos a expressão “diabético”, substituindo-a antes por pessoa, cliente ou utente com diabetes.

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Numerosos estudos têm vindo a demonstrar que a abordagem centrada na pessoa contribui para a qualidade dos cuidados e para melhores resultados em saúde (National Ageing Research Institute, 2006; Starfield, 2011; WHO, 2008b). Assente numa parceria, baseada no respeito e colaboração entre utente e profissional de saúde, esta abordagem implica um comprometimento mútuo: o profissional reconhece o papel que a pessoa tem na gestão da sua própria saúde e respeita os seus valores, objetivos, experiências passadas e necessidades; o utente reconhece no profissional o seu contributo, os seus valores, a sua experiência, os seus conhecimentos, e respeita e informações que este lhe fornece acerca das opções de tratamento (National Ageing Research Institute, 2006). Neste contexto de cuidados centrados na pessoa, emergem conceitos como o autocuidado, a adesão ao regime terapêutico, a autogestão, a educação terapêutica e o empowerment.

Um estudo desenvolvido por Pereira (2007) demonstrou que o autocuidado, a adesão e a gestão do regime terapêutico constituem focos com grande sensibilidade aos cuidados de enfermagem. Quer isto dizer que constituem aspetos da saúde das pessoas altamente dependentes da qualidade e proficiência dos cuidados de enfermagem. Estas áreas de interesse são compatíveis com uma prática centrada no cuidar, assumindo particular importância para os enfermeiros pois enfatizam os comportamentos intencionais das pessoas. Podemos dizer que a enfermagem, enquanto “ciência do cuidar” (Watson & Smith, 2002), radica na valorização do conhecimento e dos recursos (internos e externos) das pessoas relativamente aos fenómenos que as afetam durante as transições que experimentam e, nessa medida, na partilha de campos fenomenológicos entre a pessoa que cuida e a que é cuidada, num plano de paridade.

Estes focos, centrais na presente investigação, embora guardem uma relação estreita entre si, porque tocam em aspetos comuns e concorrem para objetivos semelhantes, comportam algumas especificidades pelo que passamos a analisá-los mais detalhadamente.

1.1.3 Autocuidado

O autocuidado representa um conceito central e essencial para enfermagem, enquanto disciplina e profissão. Destacamos o contributo de uma enfermeira americana, Dorothea Orem, que na sua Teoria do Autocuidado, afirma que o ser humano desenvolve um conjunto de atividades dirigidas para o seu próprio benefício que têm por objetivo manter a vida, seu funcionamento e desenvolvimento. Um aspeto central nesta teoria é que o

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autocuidado não é considerado uma ação inata, mas antes aprendida. A pessoa tenta regular e controlar os fatores que afetam a sua vida, saúde e bem-estar, desenvolvendo comportamentos orientados para as situações que podem colocar em risco o seu equilíbrio. Todavia, quando as exigências no autocuidado são superiores às capacidades que a pessoa tem para o realizar autonomamente, então os enfermeiros podem, através de uma relação de ajuda, intervir de diferentes formas, suprindo a pessoa no que ela não pode realizar, ou ajudando-a através do apoio e da educação, proporcionando-lhe um ambiente que promova o seu desenvolvimento pessoal (Orem,1993).

O autocuidado refere-se às ações desempenhadas pelas pessoas no seu dia-a-dia para se manterem saudáveis e cuidarem da sua condição crónica (Department of Health, 2006). Engloba as atividades que permitem que estas lidem diariamente com o impacto de uma condição crónica na sua vida, com as alterações emocionais que daí decorrem e com a adesão ao regime de tratamento mantendo, em simultâneo, outros aspetos importantes como o trabalho, a família e a convivência social (Department of Health, n.d.). De acordo com a OMS, autocuidado é o que as pessoas fazem por si mesmas para promover e manter a sua saúde e para prevenir e lidar com a doença (WHO, 1998). É um conceito amplo, que engloba os cuidados relacionados com a higiene, com a alimentação, com os estilos de vida, com os fatores ambientais, socioeconómicos e com a automedicação (WHO, 1998). Por sua vez, o Conselho Internacional de Enfermeiros (ICN) define autocuidado como sendo uma “Atividade realizada pelo próprio: Tratar do que é necessário para se manter, manter-se operacional e lidar com as necessidades individuais básicas e intimas e as atividades da vida diária” (ICN, 2011, p. 41).

Na perspetiva das pessoas que vivem com doença crónica, o autocuidado apresenta-se como um processo dinâmico de aprendizagem, através da experiência, da experimentação e da exploração dos limites causados pela doença. Envolve a identificação das respostas físicas e psicológicas à doença e exige um planeamento constante para gerir o dia-a-dia, criando ordem na sua vida. É assim um processo de adaptação e de aprendizagem sobre si mesmas, e sobre a forma de viver bem com a doença (Kralik, Price & Telford, 2010). O autocuidado resulta da combinação do conhecimento biomédico acerca da doença, com o conhecimento que a pessoa tem de si própria e do seu contexto de vida (Kralik et al., 2010). Esta associação entre o conhecimento adquirido, decorrente da ajuda dos profissionais, e o conhecimento experiencial da própria pessoa, sugere que os enfermeiros estabeleçam uma relação que permita que o utente, porque é ele que vive com a patologia, partilhe a sua experiência sobre a gestão da doença. Ao longo da interação terapêutica é importante que o

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profissional reconheça e ajude a pessoa a acreditar em si e nas suas capacidades para tomar decisões acerca dos cuidados (Kralik et al., 2010).

Assim, a promoção do autocuidado assenta num processo educacional e de empowerment que permite que as pessoas tomem decisões acerca da sua saúde, baseadas em informação adequada (WHO, 2009). Permite, também, que se adaptem à doença e incapacidades, com ou sem o suporte dos profissionais de saúde (WHO, 2009). No entanto, nem todas as pessoas se envolvem da mesma forma nas atividades de autocuidado. Backman e Hentinen (1999) identificaram diferentes estilos de autocuidado que se repercutem diretamente na gestão da doença e do regime terapêutico, refletindo-se também na forma como interagem com a equipa de saúde. As autoras referem que o modo como as pessoas cuidam de si próprias não é influenciado somente por processos racionais pois os cuidados que adotam no seu quotidiano, na gestão da sua saúde e doença, são influenciados pela forma como estão e encaram a vida, e pelas suas experiências passadas. Dependem, ainda, dos seus significados e das suas atitudes acerca do processo de envelhecer, acerca do futuro e das propostas terapêuticas que lhes são feitas. Backman e Hentinen (1999) sugerem quatro estilos ou perfis de autocuidado: “responsável”, “formalmente guiado”, “independente” e “negligente”, apesar de existirem muitas pessoas com conjugações de traços oriundos de diferentes estilos, tal como vários estudos nos sugerem (Mota, 2011; Rodrigues, 2011). No autocuidado “responsável” as pessoas assumem a responsabilidade em todas as atividades da vida sendo o autocuidado um hábito, um modo de vida, potenciado pela existência de recursos internos e externos para o implementar. As pessoas com este estilo de autocuidado têm uma visão positiva acerca do futuro. Mantêm boas relações sociais, desejando viver como agentes ativos. Mantêm estilos de vida saudáveis, estando informados acerca da sua condição de saúde. Assim, exigem informação sobre as possibilidades de tratamento, discutem as diferentes opções e, numa relação colaborativa com o técnico de saúde, participam nas decisões terapêuticas (Backman & Hentinen, 1999). No autocuidado “formalmente guiado” as pessoas dedicaram parte da sua vida a cuidar de outros. O seu passado foi marcado por bastante trabalho, privilegiando as necessidades dos outros, em detrimento das suas. Encaram o envelhecimento como algo natural e as perdas que ele comporta são consideradas inevitáveis e, por isso, não despendem energia no sentido de as contrariar. Embora possam ter sido socialmente ativos, têm tendência, após a reforma, a permanecer em casa, limitando os seus contactos sociais. Relativamente à interação que estabelecem com os enfermeiros, esta é pautada pela passividade, atribuindo-lhes o controlo e a responsabilidade pelas decisões acerca do seu tratamento. Limitam-se, assim, a obedecer às instruções

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fornecidas, realizando o que lhe é sugerido, sem questionarem o motivo de determinadas opções e sem saber porque o fazem. Desta forma, os cuidados com a sua saúde tornam-se facilmente numa rotina (Backman & Hentinen, 1999). No autocuidado “independente”, o individuo tende a ouvir a sua voz interior e tem formas originais de cuidar de si. Habitualmente foram, no seu passado, pessoas independentes e determinadas. Não se preocupam em ter companhia, sentindo-se bem sozinhas, em sua casa. Possuem uma perspetiva negativa do envelhecimento negando-o, não pensando no futuro. Consideram-se mais saudáveis do que os outros e, quando surge algum problema de saúde, têm tendência a minimizá-lo, não procurando ajuda médica e arranjando forma de o resolver por si próprios. Não procuram, portanto, ajuda junto dos profissionais, recusando os seus conselhos (Backman & Hentinen, 1999). No autocuidado “negligente”, as pessoas não cuidam bem de si próprias e nunca foram capazes de gerir o seu dia-a-dia, experienciando sentimentos de impotência, tristeza e falta de responsabilidade. São introvertidas, sentem-se miseráveis, nunca foram respeitados e viveram más experiências. Muitas destas pessoas têm trajetos de vida marcados por percursos problemáticos, ausência de suporte familiar e condições sociais e económicas muito débeis. Têm uma atitude negativa face ao seu envelhecimento e apresentam medo em relação ao futuro, sentindo forte vontade em desistir pois pensam que já ninguém precisa delas. Requerem bastante apoio por parte dos enfermeiros (Backman & Hentinen, 1999). Apesar destes estilos de autocuidado serem muito marcados por aspetos e traços identitários e de personalidade das pessoas, é possível que os clientes, no contexto do confronto com situações altamente significativas e valorizadas, possam mostrar mudanças de alguns dos traços que caracterizam o seu estilo de autocuidado, tal como fica evidente no estudo de Mota (2011). Com efeito, muitos dos utentes, após o transplante hepático, mudaram de forma apreciável a maneira como geriam a sua saúde, quando até esse evento crítico (o transplante), adotavam uma postura muito negligente e/ou independente. Na lógica de Meleis (2005), podemos assumir que muitas destas pessoas viveram, fruto da experiência de saúde-doença, também, uma transição desenvolvimental. Ora, isto releva no contexto do nosso estudo, na medida em que, com base no exposto acerca dos estilos de autocuidado, poderíamos ser levados a admitir que o empowerment não “serve” para todos os clientes. A verdade é que esta abordagem terapêutica faz sentido para uma parte significativa dos clientes, para além de que o número de pessoas com estilos de autocuidado negligentes, tal como os estudos o sugerem, não é assim tão grande.

Naquilo que realça para o nosso estudo, estes quatro estilos de autocuidado traduzem a influência que as variáveis de domínio cognitivo, emocional e social assumem nas

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atitudes e comportamentos que as pessoas têm para consigo próprias e veremos, mais adiante, como influenciam a autogestão da doença.

1.1.4 Adesão

A literatura desenvolvida em torno da diabetes é unânime quanto ao papel central que a pessoa tem no tratamento da doença (Duarte, 2013; WHO, 2003; Uchenna, Ijeoma, Pauline & Sylvester, 2010). Grande parte das atividades de gestão da doença é desenvolvida pela pessoa no seu ambiente, portanto sem a presença dos profissionais de saúde.

Para entender este conceito torna-se importante analisar a interação que a pessoa estabelece com o sistema de saúde, pois esta tem sido objeto de estudo das várias disciplinas do conhecimento. A mudança na relação entre o cliente e a equipa de saúde tem vindo a alterar-se de forma gradual ao longo das últimas décadas, refletindo-se no desenvolvimento da própria terminologia (Maes & Karoly, 2005). Apesar da interpretação dos termos não reunir propriamente consenso, a verdade é que eles evoluíram. Assim, o termo “compliance”, habitualmente reflete a obediência aos conselhos médicos, o termo “adesão” sugere a adoção dos conselhos médicos, o termo “autogestão” denota a responsabilidade do indivíduo no controlo da sua doença, e o termo “autorregulação” enfatiza a capacidade da pessoa em criar os seus próprios objetivos e mobilizar os seus motivadores para empreender um curso de ação, que lhe permita alcançar as metas desejadas (Bandura, 1986, cit. por Maes & Karoly, 2005). Neste quadro, o empowerment liga de forma mais direta com a autogestão e a autorregulação.

Verifica-se, também, que os termos “gestão” e “adesão” são, por vezes, utilizados como sinónimos. As publicações produzidas nas áreas da psicologia e da farmacologia utilizam preferencialmente o termo “adesão”, enquanto na enfermagem, o mais utilizado é “autogestão/gestão do regime terapêutico” (vulgarmente designado por “self-management” nas publicações internacionais). No entanto, uma pesquisa realizada por Bastos (2012), no âmbito de teses de mestrado e doutoramento realizadas em Portugal, independentemente da disciplina do conhecimento, revelou que a adesão é a terminologia mais frequente referenciada. Concretamente na enfermagem, estes conceitos constituem-se como dois focos de atenção, e o critério de nomeação, de um ou de outro, está relacionado com a intencionalidade da ação do enfermeiro e, consequentemente, exige intervenções distintas, ajustadas à natureza do problema (Pereira, 2007).

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A adesão representa a medida em que o comportamento da pessoa – tomar medicação, seguir a dieta, e/ou executar mudanças nos estilos de vida, corresponde com as recomendações acordadas com o profissional de saúde. A adesão implica a adoção e manutenção de um comportamento terapêutico, que pode incluir a autogestão de fatores biológicos, comportamentais e sociais que influenciam a saúde e doença, e que pode envolver todos os profissionais de saúde (WHO, 2003). Neste conceito destacamos algumas palavras que explicitam focos no âmbito da razão para a ação (volição, tomada de decisão), da ação realizada pelo próprio (autocuidado e gestão) e da interação social (envolvimento com a equipa de saúde, com a família e com a sociedade). Se a adesão implica a adoção e manutenção de um comportamento então a pessoa terá que tomar uma decisão acerca da sua conduta, encontrando motivação para a manter. Terá também que traduzir essa decisão em comportamentos que incluam um conjunto de atividades relacionadas com o controlo da doença, isto é com a gestão do regime terapêutico. Este processo implica o envolvimento efetivo entre a equipa de saúde e a pessoa, no sentido de estabelecerem objetivos que orientem o curso da ação. De acordo com esta perspectiva, qualquer alternativa terapêutica deve ser explorada em conjunto, isto é, o regime deve ser negociado, a adesão discutida e as consultas planeadas (WHO, 2003).

Parece-nos, no entanto, que a evolução deste conceito, não está tão relacionada com o fator temporal mas antes com a sensibilidade decorrente dos modelos implícitos que norteiam os autores que se debruçam sobre esta área. Para explicar a nossa assunção tomemos como exemplo Hentinen, em 1987 (cit. por WHO, 2003), quando já descrevia a adesão aos autocuidados como um processo de gestão ativo, responsável e flexível, no qual a pessoa se empenha em atingir a saúde, através de um trabalho colaborativo com a equipa de saúde, em detrimento de um seguimento de prescrições inflexíveis. A OMS (WHO, 2003) cita outros termos associados e propostos por vários autores, como “collaborative diabetes management” (Von Korff et al., 1997), “patient empowerment” (Arnold et al., 1995) ou “self-care behaviour management” (Anderson & Funnell, 2000; Glasgow & Anderson, 1999; Glasgow et al., 1985; Hentinen, 1987).

A intencionalidade e proatividade do cliente são assumidas por recentes autores, quando referem que a adesão reflete o envolvimento voluntário e ativo em comportamentos que visam produzir resultados terapêuticos (Delamater, 2007), que decorrem de uma responsabilidade partilhada entre o cliente e o profissional de saúde (Bennet, Fuertes & Phillips, 2010).

Em 2005, o ICN associa a adesão a aspetos volitivos (ICN, 2005). O ICN refere-se à adesão como: “Acção auto-iniciada para promoção de bem-estar, recuperação e

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reabilitação, seguindo as orientações sem desvios, empenhado num conjunto de acções ou comportamentos. Cumpre o regime de tratamento, toma os medicamentos como prescrito, muda o comportamento para melhor, sinais de cura, procura os medicamentos na data indicada, interioriza o valor de um comportamento de saúde e obedece às instruções relativas ao tratamento. (Frequentemente associado ao apoio da família e de pessoas que são importantes para o cliente, conhecimento sobre os medicamentos e processo de doença, motivação do cliente, relação entre o profissional de saúde e o cliente)” (ICN, 2011, p.38).

Esta conceção inclui algumas atividades que podem ser perspetivadas como indicadores de resultado, pois orientam o profissional a monitorizar os níveis de adesão. Todavia, comporta essencialmente a noção de um processo, que permite promover o máximo de bem-estar possível. Porém, no nosso entender, a definição acima descrita carece de alguma operacionalização de significados pois, a sua leitura menos atenta, pode remeter para uma passividade do cliente face ao profissional, promovendo uma relação de poder e conformismo, principalmente quando utiliza frases como “obedece às instruções”. Parece-nos evidente que esta não é postura sustentada pelo ICN, pois, no seu documento sobre o papel dos enfermeiros na doença crónica, enfatiza a importância de incluir a pessoa no plano terapêutico e de apostar numa relação contínua de cooperação entre o profissional e o cliente (ICN, 2010). Ainda, nesse mesmo documento, ao tomar como referência Modelo de Cuidados na Doença Crónica (Chronic Care Model), o ICN orienta os enfermeiros para a importância de uma relação colaborativa com os clientes, em que o profissional tem essencialmente o papel de educador e facilitador, podendo considerar a pessoa como a perita na gestão da sua doença (ICN, 2010).

Partilhamos a ideia que a adesão implica um papel dinâmico e colaborativo do cliente no planeamento e implementação do seu regime de tratamento. É presumível que se o plano terapêutico é traçado pelo/com o cliente, atendendo às suas necessidades e objetivos, este tenha mais probabilidade de manter níveis motivacionais geradores de comportamentos, consonantes com o previamente estabelecido com o profissional de saúde. No entanto, sabe-se que a diabetes é considerada como uma das doenças mais exigentes em termos psicológicos e comportamentais (Delamater, 2007). De facto, problemas na adesão ao regime terapêutico são comuns em pessoas com diabetes, dificultando a obtenção de níveis glicémicos desejáveis (Uchenna et al., 2010). Estima-se um nível aproximado de 50% de não adesão às recomendações dos profissionais de saúde (WHO, 2003), especialmente nas doenças crónicas, já que nas situações agudas a adesão tende a ser superior. Na Europa, somente 28% de pessoas com diabetes conseguem atingir um ótimo controlo glicémico (ICN, 2010). Perante este cenário, todos

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os fatores e circunstâncias que predispõem ou contribuem para a adesão devem ser alvo de atenção da comunidade científica e dos profissionais de saúde (Uchenna et al., 2010). A adesão constitui-se como um fenómeno multidimensional, que resulta da inter-relação de um conjunto de fatores que se agrupam em cinco dimensões (WHO, 2003):

- Fatores relacionados com a pessoa; - Fatores sociais e económicos;

- Fatores relacionados com o sistema e com a equipa de saúde; - Fatores relacionados com a doença;

- Fatores relacionados com o tratamento.

Nos fatores relacionados com a pessoa estão incluídos os recursos, conhecimentos, crenças, atitudes, perceções e expetativas da pessoa. O conhecimento e as crenças que o individuo tem sobre a doença, a sua motivação, a autoeficácia percebida para adotar determinados comportamentos e as expetativas do tratamento e resultados, influenciam os comportamentos de adesão. Esta assunção é consistente com o modelo explicativo das transições, que refere estes fatores como condicionantes à transição (Meleis et al., 2000). Também, na teoria da autodeterminação, Ryan e Deci (2000), apontam a motivação e a experiência como variáveis mediadoras dos comportamentos e referem que a motivação extrínseca pode ser internalizada, passando a ser integrada. A motivação extrínseca reporta-se a uma atividade não interessante para a pessoa sendo realizada com outro objetivo que não inerente a si própria, e motivada por algo ou por alguém. A motivação integrada acontece quando existe uma integração de valores, sem necessidade de contingências externas. O profissional de saúde pode contribuir para a motivação intrínseca da pessoa, ajudando-a a integrar determinados valores, a compreender a importância de se envolver nos comportamentos de autocuidado, mas também reforçando as suas competências de autogestão (WHO, 2003). Da mesma forma as crenças, isto é, as opiniões, convicções e fé (ICN, 2010), também designadas como cognições ou representações de doença, são preponderantes no modo como a pessoa interpreta os estímulos ou informação exterior, pois influenciam o seu processo de decisão e as suas respostas comportamentais. Vários modelos explicativos do comportamento das pessoas, como por exemplo, o Modelo das Crenças de Saúde (Becker & Mainman, 1975 & Rosenstock, 1966, cit. por Horne & Weinman, 1998) ou o Modelo de Autorregulação do Comportamento em Saúde (Leventhal & Crouch, 1997) explicam como estas interagem no processo avaliativo da situação e se orientam para determinadas estratégias de coping, no sentido de recuperar a sensação de equilíbrio e bem-estar, frequentemente interrompido pelo diagnóstico de uma doença crónica

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(Broadbent, Petrie, Main & Weinman, 2006; Broadbent, Donkin & Stroh, 2011; Figueiras et al., 2009; Gellad, Grenard & Marcum, 2011; Levesque, Li & Pahal, 2012; Pourghazneina, Ghaffarib, Hasanzadehc & Chamanzarid, 2013). A perceção acerca do controlo, ou a capacidade que a pessoa acha que tem para levar a bom termo uma determinada tarefa, podem influenciar na adoção de determinados comportamentos de autocuidado. A autoeficácia percebida é consensualmente considerada como uma das principais variáveis associadas à adesão (Bodenheimer, Lorig, Holman & Grumbach, 2002; Deakin, Cade, Williams & Greenwood, 2006; Lorig & Holman, 2003; Pereira & Almeida, 2004; Tol, Shojaeezadeh, Sharifirad, Eslami, Alhani & Mohajeritehrani, 2012; Yoo, Kim, Jang & You, 2011). Por sua vez, os conhecimentos acerca da doença e do seu tratamento são determinantes para que a pessoa possa tomar decisões acerca da sua saúde (Al-Qazaz, Hassali, Shafie, Sulaiman & Sundram, 2010; DGS, 2007; Hu, Gruber, Liu, Zhao & Garcia, 2012; OMS, 2005). No entanto, a informação deverá ser adequada às características da pessoa bem como às suas necessidades e expetativas. Outros aspetos como a memória, o stresse, a ansiedade e a depressão podem interferir nos comportamentos de adesão. Emoções negativas como o medo, a frustração, a falta de esperança e a estigmatização, diminuem os níveis motivacionais para a pessoa cuidar de si própria (WHO, 2003).

Os fatores relacionados com as condições sociais e económicas, frequentemente dependentes das políticas implementadas nestas áreas, podem interferir na forma como a pessoa tem acesso à educação, à saúde, ao emprego e às atividades de lazer, com grandes implicações nos hábitos e na qualidade de vida. Assim, um baixo estatuto socioeconómico, situações de pobreza, iliteracia, baixo nível educacional, desemprego, suporte social inadequado, condições instáveis na vida, rede limitada de transportes e custos elevados dos cuidados de saúde e dos tratamentos, limitam a pessoa na adoção de comportamentos saudáveis, colocando-as frequentemente em situações de vulnerabilidade (WHO, 2003), exigindo, por vezes, abordagens terapêuticas que se distanciam da promoção da autogestão, até porque o potencial de alguns destes clientes é limitado. Com alguma frequência, estes clientes exigem programas especiais de “gestão de casos” (Cohen & Cesta, 2004; Kathol, Perez & Cohen, 2010).

O apoio familiar é considerado um fator com marcada influência no autocuidado (August & Sorkin, 2010; Fung, 2009; Roupa et al., 2009; Ryan & Sawin; 2009; Stephens, Fekete, Franks, Rook, Druley & Greene, 2009; Uchenna et al., 2010). Pouco suporte familiar e famílias disfuncionais interferem negativamente no envolvimento e na gestão da doença. Quanto às variáveis sociodemográficas, como o sexo e a idade, embora possam influenciar a adesão, têm-no demonstrado de uma forma bastante inconsistente. No

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entanto, as características das pessoas ou grupos devem merecer a atenção da equipa de saúde, que poderá ter que optar por diferentes abordagens e privilegiar diferentes conteúdos (Sousa, 2003), de acordo com uma população mais ou menos idosa ou até com os diferentes papéis atribuídos ao género.

O impacto dos fatores relacionados com o sistema e a equipa de saúde na adesão, até há pouco tempo, não mereceu a atenção necessária na investigação produzida (WHO, 2003). Aspetos como a inacessibilidade aos serviços de saúde e ao tratamento, lacunas na preparação dos profissionais no âmbito da doença crónica e da adesão, a sobrecarga de trabalho, os poucos incentivos e uma cultura que não privilegia a qualidade, para além da escassa rede de suporte social, podem refletir-se negativamente na adesão (WHO, 2003). Recentemente, alguns estudos têm destacado a importância da relação entre os profissionais e os clientes (Atreja, Bellam & Levy, 2005; Sousa, Peixoto & Martins, 2008). A pouca consciencialização dos profissionais de saúde acerca da necessidade de adotar novas abordagens e as dificuldades em operacionalizar essas mudanças constituem barreiras efetivas que podem interferir negativamente nos cuidados prestados (National Institute for Health and Clinical Excellence, 2007). Volvida mais de uma década, verificamos que os vários aspetos apontados em 2003 pela OMS como limitadores à adesão, constituem ainda problemas atuais.

Os fatores relacionados com a doença e com o tratamento apresentam-se como condições influentes na adesão. Os primeiros reportam-se à sintomatologia, progressão, gravidade e incapacidade física, psicológica, laboral e social decorrente da patologia, e incluem também a disponibilidade de um tratamento eficaz. A existência de outras morbilidades, principalmente as que interferem na capacidade do autocuidado, como a depressão, abuso de álcool e drogas, também podem interferir no envolvimento com o regime terapêutico. Por sua vez, a complexidade do tratamento, a sua duração, sucessos ou insucessos passados, mudanças frequentes no plano terapêutico, benefícios imediatos, efeitos secundários e recursos médicos disponíveis para os tratar, são igualmente importantes (WHO, 2003).

Concretamente na diabetes, os estudos destacam algumas variáveis relacionadas com a adesão, reunidas em quatro grupos ou clusters: os fatores intrapessoais (idade, sexo, autoestima, autoeficácia, stresse, depressão e abuso de álcool); as características da doença e do tratamento (complexidade do tratamento; duração da doença e natureza dos cuidados); os fatores interpessoais (qualidade da relação entre profissionais de saúde e suporte social); e os fatores ambientais (aspetos políticos, pressões culturais, ambientes hostis) (WHO, 2003).

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