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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Incentivos e barreiras para a realização do teste de HIV no nível

4.1.1 Incentivos ao teste de HIV no âmbito individual e social

4.1.1.2 Autocuidado

Nesse estudo, seis entrevistados relataram como motivos da testagem a realização de check-up e autocuidado com sua saúde de modo geral, como forma de ‘saber como está seu corpo’, ‘saber se está saudável’ e ‘a precaução’. Dentre eles, quatro se autodeclararam gay ou homossexual e dois bissexual, sendo um deles acompanhante do sexo, nome atualmente dado para o sexo comercial.

Por meio das falas desses participantes, percebemos que o autocuidado com sua saúde parece ser consequência da associação entre Aids e gay, que produz estigma e discriminação com esse grupo, como ilustrado no trecho a seguir:

Na minha cabeça os gays se cuidam mais, não só pelo medo da doença, mas por ter medo de ser excluído do seu grupo de amigos. O preconceito dentro do grupo é maior. Se um hetero pega AIDS, eu acho que o preconceito social é menor porque a AIDS há muito tempo foi taxada como doença de gay. Então no grupo gay eles não querem um positivo porque se alguém sabe que naquele grupo tem um positivo, eles serão taxados da mesma maneira. Então, há maior cuidado como forma de não perder esse grupo social (PEDRO, 28 anos, gay, superior incompleto, soropositivo).

Segundo Pedro, os homens heterossexuais não pensam muito que podem adoecer, diferente dos gays que foram associados à Aids desde o surgimento da doença. Essa associação gerou além de estigma, o aumento do preconceito com homens que possuem sexo com homens, produzindo exclusão e perdas sociais, gerando o que Daniel (1989) chamou de morte social. A discriminação com a pessoa que vive com HIV é tão intensa que a exclusão advém inclusive dos amigos e familiares, fazendo com que o indivíduo perca suas referências sociais.

Nenhum participante heterossexual relatou como motivo do teste o cuidado com a sua saúde. Esse dado está de acordo com os estudos de Gomes, Nascimento e Araújo (2007) e Gomes (2008), Guerriero, Ayres e Hearst (2002) e Madureira e Trentini (2008) que mostram que os homens não buscam os serviços de saúde com frequência, possuindo maior chance de ter diagnósticos avançados de saúde. Além disso, o papel de gênero masculino como o viril, de sexualidade aflorada e forte relaciona o sexo com reprodução e não com doenças. Podemos perceber essa noção quando um dos participantes verbaliza que os homens heterossexuais estão preocupados com a exigência da pensão advinda com a gravidez indesejada e pouco pensam sobre a possibilidade de adoecimento.

Essa informação nos faz pensar: os homens que relataram esse motivo buscaram o teste por que têm consciência da importância para sua saúde ou por medo da morte e do estigma e da discriminação exercido sobre a Aids e o gay?

Se é verdade que a instalação do medo, por meio da mídia e suas metáforas e de campanhas e ações de saúde pública que associam a Aids à morte e às perdas podem ajudar como incentivo ao cuidado à saúde, junto com este vêm diversos sentimentos aversivos que, ao contrário, podem ser barreiras ao acesso aos serviços e ao autocuidado. Acreditamos, portanto, que a saúde pública deve atuar na lógica da promoção da saúde e da vida, não utilizando artifícios que além de pouco contribuir para impulsionar os indivíduos à saúde, muito auxilia na produção de medos e adversidades.

Um dos participantes realizou o teste inúmeras vezes após uma relação sexual desprotegida e esse comportamento poderia ser entendido como de autocuidado. Porém, o motivo que o levou a repetição do teste é a crença de que após o ato sexual sem preservativo vírus pode ter ficado ‘encubado’ em seu corpo, podendo se manifestar a qualquer momento. Como o HIV age de modo silencioso e a pessoa passa um período assintomático, ele tem receio de o vírus ter se manifestado sem ele saber, conforme ilustrado:

Como a Aids é uma doença totalmente desconhecida e silenciosa, que mata aos poucos e que ainda não tem cura, eu me pergunto, será que quando cometi aquele ato sexual totalmente desprotegido, fiz o teste e deu negativo, o vírus não estava encubado? Assim como a doença evolui silenciosamente, será que o vírus também não vai evoluir no meu corpo desencubando em algum momento? (LEMOS, 33 anos, bissexual, ensino médio completo, soronegativo).

A fala de Lemos mostra o desconhecimento em relação ao HIV/Aids ao apontá-la como uma doença totalmente desconhecida e ao pensar que o vírus pode ficar por anos em seu corpo sem manifestação. Durante a entrevista, esse participante fez várias perguntas sobre a eficácia dos testes, locais de tratamento e se buscariam saber se em sua família ou grupo social alguém mais seria positivo, caso esse fosse seu resultado. Após uma exposição de risco, ele faz o teste duas vezes ao ano por receio que os testes passados não tenham detectado o vírus, que evolui silenciosamente. Esse pensamento também corresponde a metáfora de astúcia que o vírus da Aids adquiriu na sociedade, conforme Sontag (2007).

O estudo de Campos (2005) mostrou que alguns indivíduos repetem o teste de HIV, mesmo que não haja situações de risco, conforme indicadas pelo Ministério da Saúde, levantando a reflexão sobre a banalização do teste de HIV, realizado de modo indiscriminado.

No caso do participante do nosso estudo, ele diz que não tem vida sexual ativa, um dos critérios que o excluiria da necessidade de testagem periódica, mas a falta de conhecimento parece gerar informações equivocadas e pensamentos fantásticos que podem produzir sofrimentos desnecessários e comportamentos de busca ao teste exagerados, indo de encontro às recomendações do Ministério da Saúde, no sítio Fique Sabendo.

Futuros estudos podem se debruçar sobre a relação entre autocuidado masculino em saúde e as diferentes orientações e identidades sexuais como forma de compreender os motivos do cuidado e elaborar estratégias que possam contribuir para a incorporação da promoção da saúde na vida da população masculina.

A seguir versaremos sobre as barreiras individuais e sociais que dificultaram a busca pelo teste de HIV entre os HSH.