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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Incentivos e barreiras para a realização do teste de HIV no nível

4.1.1 Incentivos ao teste de HIV no âmbito individual e social

4.1.1.1 Percepção de risco

4.1.1.1.1 Não utilização do preservativo

O uso do preservativo pode estar relacionado, dentre outros fatores, à percepção de vulnerabilidade individual. Embora o preservativo tenha sido citado por todos os participantes como uma das formas de prevenção eficaz, a sua utilização nem sempre ocorreu durante as relações sexuais.

A realização do sexo sem camisinha foi um dos motivos relatados pelos entrevistados para fazer o teste de HIV e eles expressaram essa atitude como ‘vacilo’, gerando ‘preocupação’, ‘medo’ e possível ‘culpa’ diante de um resultado positivo. Implicitamente, esses indivíduos apresentam o raciocínio semelhante à noção de comportamento de risco, ao perceberem a prevenção apenas como dependente de suas vontades e racionalizações, apontando-os como displicentes de não terem se prevenido, mesmo possuindo a informação necessária para tal. Além disso, saber que fez sexo sem camisinha produz a dúvida da possível infecção, porém não necessariamente faz com que na próxima relação sexual o indivíduo faça uso do preservativo. A fala a seguir mostra que os comportamentos arriscados ocorreram inúmeras vezes no passado, o que faz com que o diagnóstico positivo seja esperado como consequência do que realizou na vida:

Eu só fiz o teste porque eu brinquei muito no meu passado. Porque se eu estou curioso com aquilo, vivendo com uma dor, com uma pulga atrás da orelha, eu tenho que saber da verdade. Se você tá plantando um abacaxi, você vai ter que colher abacaxi. Você não pode tá plantando abacaxi e colhendo maçã (JOÃO, bissexual, 44 anos, ensino fundamental completo, soropositivo há 2 anos e faz tratamento).

O teste de HIV nessa fala aparece como revelador da verdade daquele que sabe que não se comportou de acordo com as normas de prevenção e, por isso, deverá colher aquilo que plantou: o resultado positivo do teste de HIV. Ou seja, na concepção de João, se hoje o indivíduo colhe os frutos de ser soropositivo é porque ele fez algo, ele “plantou errado” e, portanto, é responsável por colher seus frutos, ou seja, a sua sorologia positiva. Embora o diagnóstico seja esperado, ele demonstra a angústia e a dor do resultado do exame.

A maioria dos informantes relatou que não usa a camisinha no sexo oral e os motivos mais citados para não utilizá-la foram a ‘quebra do clima’ durante o ato sexual na colocação do preservativo levando à perda da ereção, a falta de confiança na proteção do método, além de outros como esquecimento, a diminuição do prazer associado à artificialidade do preservativo e da ereção, como exemplificada na fala de Miguel:

Eu não faço sexo oral com camisinha, mesmo tendo sabor ou sem sabor, eu não gosto do gel lubrificante na minha boca, eu tenho nojo, eu tenho gastura e até porque você chupa, mas parece que tá chupando uma bala com papel, fica parecendo um pênis artificial. Eu não faço nenhuma relação oral no pênis com camisinha porque eu não gosto (MIGUEL, ensino médio, negativo para HIV).

A ideia do sexo como uma entrega corporal, onde o desejo está relacionado ao contato carnal, pode auxiliar para que o uso da camisinha seja entendido como artificial e, por isso, sem gosto. A metáfora da “bala com papel” foi também citada nos estudos de Viegas-Pereira (2000) com jovens adolescentes; de Finkler, Oliveira, Gomes (2004) entre casais heterossexuais com união estável e de Gomes, Silva e Oliveira (2011) como justificativa para alguns homens não usarem a camisinha. Desse modo, percebemos que a dificuldade de utilizar preservativo está presente em todas as subpopulações, apesar de o não uso está atrelado aos múltiplos fatores que podem ser distintos entre elas.

A questão da dificuldade de aderir ao preservativo também está presente no estudo de Reis e Gir (2005) que analisaram as dificuldades de o casal sorodiscordante utilizá-lo. Outras barreiras encontradas ao uso do preservativo foram: a falta de confiança da camisinha como um método seguro de prevenção ao HIV, fazendo com que o casal utilizasse duas camisinhas durante o ato; a diferença de aceitação entre homens e mulheres para utilizá-la sistematicamente e a baixa receptividade da camisinha feminina como alternativa para o sexo seguro.

Um dos desafios do campo da saúde é diminuir a lacuna entre as recomendações governamentais de prevenção e promoção da saúde e o que ocorre na prática cotidiana. O fato de a pessoa possuir o conhecimento não faz com que ela, necessariamente, se proteja em suas práticas sexuais, pois acreditamos que a “escolha” de usar ou não preservativo, por exemplo, sofre influência de múltiplos fatores, inclusive da ordem do desejo, que vão além da obtenção da informação em si, e, portanto, as estratégias de saúde direcionadas à prevenção das DST’s/Aids não devem

ignorá-los. A fala de Clovis corrobora que a questão da prevenção sobrepuja a informação:

O que eu sei sobre prevenção é uma pergunta muito condizente com a minha situação porque eu sou profissional da saúde, eu sei todos os trâmites da questão da prevenção e não me preveni por simples questão de estar, talvez, ou alcoolizado ou numa situação vulnerável, e eu esqueci realmente do preservativo na hora do sexo (CLOVIS, 33 anos, superior completo, vive com HIV desde 2008).

Esse trecho evidencia que se a informação fosse suficiente para gerar comportamentos protetores de saúde, o perfil de Aids não deveria atingir indivíduos de elevado nível socioeconômico, fator relacionado a maior escolaridade, e que caracteriza a epidemia entre os HSH no Brasil e em Fortaleza. Ademais, percebe-se a influência do álcool como produtor de vulnerabilidade ao HIV, uma vez que diminuiu a chance de proteção no momento do sexo.

Embora a não utilização da camisinha tenha sido um dos motivos para buscar o teste, esse fato não foi o primordial para conduzir os indivíduos ao diagnóstico. Como exposto, ainda é difícil o uso do preservativo no sexo oral, demonstrando o desafio e a enorme tarefa que o campo da prevenção possui para combater a propagação do vírus. Além disso, no sexo anal, o uso do preservativo está atrelado aos critérios de beleza, de estabilidade no relacionamento, confiança no parceiro, como também nas questões de poder dentro da relação, conforme demonstrado pelos estudos de Bastos e Szwarcwald (2000); Rodrigues-Júnior e Castilho (2004); Paiva et al. (2007); Santos et al. (2009).