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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Incentivos e barreiras para a realização do teste de HIV no nível

4.1.2 Barreiras para a realização do teste de HIV no âmbito estrutural

4.1.2.2 Barreiras que compõem a vulnerabilidade ao teste de HIV no âmbito

4.1.2.2.3 Baixa percepção de risco

A baixa percepção de suscetibilidade ao vírus foi relatada como uma das barreiras ao teste, pois segundo os entrevistados as pessoas não acreditam que podem contrair HIV, uma vez que não se identificam como pertencente a algum ‘grupo’ divulgado como de risco e, portanto, a Aids é uma doença distante da sua realidade. Ela pode acontecer com os outros, mas não consigo.

Um participante relata que nunca realizou o teste de HIV, pois não se percebe de risco, uma vez que não se inclui nas populações mais vulneráveis:

Não sou de risco, eu sempre me precavi bastante, então realmente eu nunca fiz questão de fazer o teste. Primeiro, não sou usuário de droga, geralmente uso camisinha e nunca apresentei nenhum sintoma que me falaram que as pessoas com HIV sentem, então nunca passou pela minha cabeça que eu poderia ter. Por isso, eu nunca tive essa questão de ter a preocupação de chegar até o local de fazer o teste pra poder saber se tinha contraído ou não (MICHEL, 31 anos, superior incompleto, bissexual, nunca realizou o teste de HIV).

É válido ressaltar novamente como a Aids não é reconhecida como uma doença de todos, de modo que a ideia de grupo de risco é bastante presente socialmente e são os “outros”, pouco havendo identidade e inclusão nos mesmos. Desse modo, os heterossexuais e os usuários de drogas pensam que a Aids é doença de gay, vistos como ‘promíscuos’; alguns gays não se percebem de risco, pois pensam que a Aids é doença de usuários de drogas ilícitas, que são culpabilizados duplamente, tanto por sua utilização quanto por contraírem HIV. Assim, a Aids é comumente vista como a doença do outro, distante de si.

O HIV, nesse caso, está associado a alguns comportamentos e grupo de risco e ao aparecimento de sintomas e não a vida sexual ativa. Como ele não se reconhece vulnerável ao HIV não tem motivos para buscar o teste. Além disso, Michel relata em sua entrevista que não tem o hábito de procurar os serviços de saúde, nunca tendo realizado um check-up, nem sabendo seu grupo sanguíneo. O raciocínio da invulnerabilidade de Michel está de acordo com o estudo de Gomes, Nascimento e Araújo (2007) e Gomes (2008) que demonstram como os homens se sentem fortes e por isso pouco frequentam os serviços de saúde, tendo como consequência o diagnóstico tardio das doenças se comparado com as mulheres. A falta de percepção da Aids como doença possível a todos que possuem vida sexualmente ativa e contato com fluidos corporais de terceiros produz pouca adesão às ações de saúde direcionadas à prevenção e assistência, tornando os indivíduos vulneráveis.

Somada à baixa percepção, estar assintomático mostra que não há algo de errado com sua saúde, contribuindo para não buscar o teste. As falas abaixo expressam como ainda a ideia de grupo de risco é presente nos dias atuais, contribuindo para a não realização do teste de HIV por quem não participa ou não se identifica com essa população:

Não sou de risco, não sou usuário de droga, nem transei sem camisinha, eu sempre me precavi bastante, então realmente eu nunca fiz questão de fazer o teste. Já sei que tem em determinados locais, mas às vezes tem aquela questão: “ah, estou me cuidando, estou bem, não acho que tenha necessidade”. Às vezes, é por comodismo, “hoje vou trabalhar, vou estudar, estou sem tempo, final de semana quero curtir”, então meio que você fica deixando. Eu não fiz por não pensar que fiz algo de errado, realmente nunca fiz por essa questão mesmo (Michel, bissexual, 31anos, superior incompleto, nunca realizou o teste).

A fala do entrevistado está de acordo com Ayres et al. (2008) e Bastos (2006) que mostram como o conceito epidemiológico de risco se transformou na noção

de grupo de risco associado a uma ideia de identidade, como se a pessoa só apresentasse duas possibilidades: ou é de risco ou não o é. Desse modo, o risco está relacionado a grupos específicos e é visto como uma unidade binária, não considerando a noção de gradação que mostra que todos estão vulneráveis em diferentes graus. Essa concepção produz estigma e preconceito em relação às populações mais vulneráveis ao HIV, além de afastar a possibilidade de os indivíduos se perceberem suscetíveis e buscarem o teste. Por meio dos temas supracitados, percebemos que são diversos os incentivos e as barreiras para a realização do teste de HIV e geralmente não há um aspecto isolado na decisão; ao contrário, os incentivos e as barreiras parecem interagir de forma sinérgica na motivação da testagem. Ademais, somam-se aos motivos citados, os fatores sociais, econômicos e políticos que, apesar de não relatados diretamente pelos entrevistados, sabemos que participam como panorama geral contribuindo para delinear os mais variados contextos de vulnerabilidade.

Concordamos com Parker (2000) que se esses incentivos e barreiras não forem considerados no planejamento de ações políticas de combate à Aids no Brasil entre os homens que fazem sexo com homens, seus indicadores continuarão os mais altos quando comparados com a população não homossexual.

Portanto, os gestores da saúde pública não deveriam encarar o teste de HIV como qualquer outro exame diagnóstico, pois os resultados desse estudo mostraram as diversas associações, estigmas, preconceitos e por que não dizer, acusações, associadas ao HIV e a Aids e consequentemente à testagem.

A seguir explanaremos sobre os incentivos e barreiras ao teste gerados em nível programático ou institucional.