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Estudos demonstram que os fungos, assim como todos os organismos eucarióticos, possuem uma via de reciclagem de nutrientes conhecida como autofagia (BABA; OSUMI; OHSUMI, 1995), que se define como um processo dinâmico e programado, envolvido em degradação de organelas danificadas e reciclagem de proteínas antigas em condições de crescimento normal ou em situações de estresse metabólico, para manutenção da homeostase celular (YANG;

KLIONSKY, 2009). Assim, este mecanismo desempenha um papel importante na diferenciação, adaptação e desenvolvimento celular de diversos eucariotos (ECKER et al., 2010; LOPEZ-BERGES et al. 2010; LIMA et al., 2014).

Existem três mecanismos distintos de autofagia denominados microautofagia, autofagia mediada por chaperonas (CMA) e macroautofagia (HUANG; KLIONSKY, 2002). Microautofagia consiste na direta imersão de componentes citoplasmáticos por lisossomos (SAKAI et al., 1998). A CMA degrada seletivamente proteínas citosólicas com sequências peptídicas específicas, que são

reconhecidas por chaperonas e enviadas até a membrana lisossomal, local em que são desenroladas e translocadas para o lúmen do lisossomo para serem degradadas (FERREIRA et al., 2013).

A forma de autofagia abordada no presente estudo é a macroautofagia, que compreende o engolfamento de componentes citoplasmáticos por uma dupla membrana para a formação do autofagossomo (YANG; KLIONSKY, 2009). A fusão entre as a membranas do autofagossomo e do vacúolo/lisossomo formam o vacúolo autofágico ou autofagolisossomo (KNÆVELSRUD; SIMONSEN, 2012), organela que promove a degradação do autofagossomo e do conteudo em seu interior por hidrolases residentes nos vacúolos ou lisossomas (KUMA; MIZUSHIMA, 2010). Essa degradação gera aminoácidos, nucleotídeos e ácidos graxos, que são translocados para o citoplasma, por meio de transportadores presentes na membrana do vacúolo autofágico ou autofagolisossomo (FENG et al., 2014).

Diversos fatores estimulam a autofagia nas células, como variação da temperatura, privação de nutrientes, estresse oxidativo (CEBOLLERO; REGGIORI, 2009; YANG; KLIONSKY, 2009) e, também, pela inibição da proteína cinase TOR (Target Of Rapamycin), uma das principais moléculas com papel regulatório no controle da indução da autofagia, que está ativada nas células crescidas em condições normais, inibindo a formação dos vacúolos autofágicos (POLLACK;

HARRIS; MARTEN, 2009; MORUNO et al., 2012; STEELE et al., 2013).

O mecanismo de sinalização que induz a macroautofagia é conhecido por funcionar na ausência de nova síntese proteica (ABELIOVICH et al., 2000), enquanto o tamanho dos autofagossomos ou a amplitude da resposta depende da regulação de proteínas, chamadas Atg’s (Autophagy-related proteins) (NAKATOGAWA; ICHIMURA; OHSUMI, 2007; ECKER et al., 2010). Em condições de crescimento normal a autofagia ocorre em nível basal nas células, contudo em condições de privação de nutrientes, há um aumento na produção de proteínas de membrana do autofagossomo, permitindo sua formação em maior número e aumento de seu volume (BACKUES; LYNCH-DAY; KLIONSKY, 2012).

Durante a privação de nutrientes, a autofagia promove a degradação de proteínas não essenciais, inicialmente, liberando aminoácidos livres que são utilizados para síntese de novas proteínas (POLLACK; HARRIS; MARTEN, 2009).

Em leveduras, a autofagia é afetada principalmente pela privação de nitrogênio, mas

na privação de glicose, também, desempenha um papel importante (MORUNO et al., 2012).

Os sinais necessários para ativação do processo autofágico devem ser altamente regulados, pois tanto o excesso quanto a diminuição da autofagia são prejudiciais às células (POLLACK; HARRIS; MARTEN, 2009). O envolvimento da autofagia na fisiopatologia de doenças neurodegenerativas tem atraído um interesse considerável porque o desequilíbrio do processo autofágico tem sido associado a algumas desordens neurodegenerativas. Este interesse é ainda mais acentuado pela demonstração de que as vias autofágicas estão implicadas na reciclagem de proteínas que são propensas à agregação em doenças celulares ou modelos animais (CHEUNG; IP, 2011).

Aung-Htut e colaboradores (2013) demonstraram a importância da autofagia para manutenção da estrutura mitocondrial em leveduras de Saccharomyces cerevisiae cultivadas em concentração elevada de glicose. A autofagia, também, se mostrou essencial para longevidade de leveduras de Saccharomyces cerevisiae frente à privação de aminoácidos (ALVERS et al., 2008).

Em Aspergillus nidulans privado de carbono a autofagia proporcionou a regulação das funções mitocondriais e a respiração aeróbica (KROHN et al., 2014).

Em Aspergillus oryzae, mantidos sob privação de nutrientes, a autofagia apresentou papel essencial para desenvolvimento das hifas (POLLACK; HARRIS; MARTEN, 2009) e em Magnaporthe oryzae foi fundamental para o crescimento de hifas aéreas, conidiação e diferenciação assexuada adequada (DENG; NAQVI, 2010).

Esses exemplos demonstram a importância da autofagia para a diferenciação, adaptação e desenvolvimento e reprodução de eucariotos (BABA; OSUMI; OHSUMI, 1995; LÓPEZ-BERGES et al. 2010).

Os carboidratos são a principal fonte de carbono metabólico para a maioria dos organismos e são usados para a geração de energia e para a produção de biomoléculas. Estudos demonstraram uma correlação entre a adição de glicose e o aumento subsequente nos níveis de ATP (adenosina trifosfato) intracelular. Por outro lado, quando a fonte de energia se esgota ocorre uma diminuição nos níveis de ATP, ativando a AMPK (AMP-activated protein kinase) que, por conseguinte inibe a proteína cinase TOR, promovendo a autofagia (NAZARKO et al., 2008; LIMA et al., 2014).

TOR é uma serina/treonina cinase, altamente conservada em organismos eucarióticos (INOKI; GUAN, 2006), importante na regulação do crescimento (WULLSCHLEGER; LOEWITH; HALL, 2006) e proliferação celular (RALLIS;

CODLIN; BÄHLER, 2013). Essa proteína atua promovendo diversos processos anabólicos, incluindo a biossíntese de proteínas, lipídios e organelas (LAPLANTE;

SABATINI, 2009), e limitando processos catabólicos como a autofagia (NODA;

OHSUMI, 1998). TOR foi identificada em Saccharomyces cerevisiae, por Heitman e colaboradores (1991), como sendo alvo do fármaco imunossupressor rapamicina.

Em leveduras há duas cinases Tor, Tor1p e Tor2p, envolvidas na formação de dois complexos multiproteícos, TorC2 e TorC1, respectivamente (RALLIS;

CODLIN; BÄHLER, 2013) TorC2 é insensível à rapamicina (LOEWITH; HALL, 2011) e contém Tor1p. Esse complexo está envolvido em respostas celulares relacionadas a danos no DNA, silenciamento de genes e comprimento dos telômeros (SCHONBRUN et al., 2009), além de estar envolvido na regulação da morfologia celular, possivelmente pela modulação da polimerização da actina (DÍAZ-TROYA et al., 2008; INOKI; GUAN, 2006). Tor2p é uma proteína essencial e está associada com TorC1, complexo sensível à rapamicina (KIM; GUAN, 2015), que regula diretamente a macroautofagia (NODA; OHSUMI, 1998), além de vários processos relacionados com o crescimento celular (WULLSCHLEGER; LOEWITH; HALL, 2006), tais como síntese proteica (SENGUPTA; PETERSON; SABATINI, 2010) e biogênese de ribossomos (PESTOV; SHCHERBIK, 2012).

A Tor é regulada por influência de fatores nutricionais, estresse, oxigênio, energia e outros sinais, como de drogas moduladoras (LAPLANTE; SABATINI, 2009). Ao ser inibida, TorC1 permite a desfosforilação de Atg1 que juntamente com Atg13 e o subcomplexo Atg17-Atg31-Atg29, formam o complexo Atg1 cinase, responsável por recrutar outras proteínas Atg’s para a formação do fagóforo no PAS (Phagophore Assembly Site). Atg13 pode ligar-se a Atg1 e ao subcomplexo Atg17-Atg31-Atg29 diretamente, porém não existe um sítio de ligação conhecido em Atg1 ao subcomplexo (YANAGISAWA; KIKUMA; KITAMOTO, 2013; REGGIORI;

KLIONSKY, 2013; WEN; KLIONSKY, 2016).

Uma proteína transmembranar, Atg9, desempenha um papel na orquestração dos lipídios das membranas de organelas e os encaminha ao PAS, atuando como um veículo lipídico para expansão do fagóforo. O complexo cinase Atg1, juntamente com os complexos Atg2-Atg18 e PtdIns3K (phosphatidylinositol

3-kinase), levam a Atg9 até as estruturas periféricas proximais às mitocôndrias. Com o auxilio de Atg11, Atg23, Atg27 e Atg41, a proteína Atg9 regride para o PAS. A quantidade de Atg9 é reflexo da atividade da autofagia, estando diretamente relacionada com a quantidade de autofagossomos presentes nas células (WEN;

KLIONSKY, 2016).

Ren e colaboradores (2017), estudando o fungo patogênico de plantas Botrytis cinerea, verificaram a superexpressão do gene relacionado à autofagia, BcATG1, em condições de privação de nitrogênio ou glicose. Mostraram, também, que a deleção desse gene inibiu a formação de vacúolos autofágicos, prejudicando o crescimento vegetativo e a conidiação do fungo. Além disso, observaram que a maioria dos conídios formados na ausência de BcATG1 era incapaz de formar a estruturas de infecção, não penetrando a epiderme de cebolas.

Para a expansão do fagóforo são requeridas duas proteínas do tipo ubiquitina, Atg8 e Atg12, envolvidas em dois sistemas separados de conjugação.

Ambas são ativadas por Atg7 (uma enzima ubiquitina de tipo ativadora - E1 homólogo) (YANG; KLIONSKY, 2009).

A proteína Atg8 ativada por Atg7 é conjugado por Atg3 (uma segunda enzima de conjugação de ubiquitina E2 Análogo) à fosfatidiletanolamina (PE), um dos principais fosfolipídios da membrana celular, por meio de uma ligação amida. A Atg8-PE pode ser encontrada no fagóforo e nos autofagossomos, pois atua no alongamento da vesícula como componente estrutural (INOUE; KLIONSKY, 2010).

A proteína Atg12 se liga a Atg5 por meio da ação de conjugação da Atg10 (uma enzima ubiquitina de conjugação - E2 análogo) e juntas se ligam a Atg16, formando o complexo Atg12-Atg5-Atg16, que funciona como revestimento do autofagossomo e também age como uma enzima tipo E3 (segunda proteína ubiquitina tipo ligase) para a formação de Atg8-PE, que atua no alongamento da vesícula como componente estrutural (WEN; KLIONKY, 2016).

Logo após a formação do autofagossomo, a maioria das proteínas envolvidas na formação de sua membrana se desliga da superfície da vesícula e pode ser reutilizada. O Atg8-PE presente na superfície exterior da vesícula é clivado pela protease Atg4, desconjugando Atg8 da PE; assim, o Atg8 na superfície do autofagosomo é liberado e pode ser reutilizado, enquanto o Atg8-PE que permanece ligado à superfície interna do autofagossomo é entregue ao vacúolo e degradado (YANG; KLIONSKY, 2009; INOUE; KLIONSKY, 2010; WEN; KLIONKY, 2016).

As proteínas responsáveis pela fusão dos autofagossomos com o vacúolo são as SNARE (Vam3, Vam7, Vti1 e Ykt6) e estão envolvidas em vários eventos de fusão de membranas (YANG; KLIONSKY, 2009).

Além da Tor, as leveduras têm outras duas vias complexas capazes de detectar e responder a alterações nos níveis de nutrientes: a via PKA (protein kinase A) (DECHANT et al., 2014) e a via Sch9 (proteína cinase da família AGC, ortólogo funcional da cinase S6 em mamífero) (CHEN; KLIONSKY, 2011). Essas vias ativadas inibem a macroautofagia (SAMPAIO-MARQUES et al., 2011).

Níveis elevados de glicose nas células promovem produção de cAMP (Adenosine 3',5'-cyclic monophosphate), que se liga e inativa a proteína Bcy1 (Bypass of CY

A via Sch9, que atua paralelamente a PKA, é um segundo sensor de glicose.

A atividade da quinase Sch9 é, parcialmente, dependente da fosforilação por Tor (MORUNO; PÉREZ-JIMÉNEZ; KNECHT, 2012). A fosforilação de Sch9 por TorC1 é sensível a alterações na disponibilidade de nutrientes (JORGENSEN et al., 2004). A fosforilação deste resíduo é perdida durante a privação de carbono (URBAN, 2007).

clic-AMP requirement), subunidade reguladora da PKA (REGGIORI;

KLIONSKY, 2013). PKA controla uma variedade de processos celulares, incluindo metabolismo (BERMEJO et al., 2013), ciclo celular (DECHANT et al., 2014), resposta ao estresse (SAMPAIO-MARQUES et al., 2011), fase estacionária (SANTOS; SOUSA; LEÃO, 2012) e esporulação (KROHN et al., 2014). A PKA fosforila diretamente a proteína Atg13, impedindo a sua associação com Atg1 e Atg17, reprimindo assim a autofagia (KIM et al., 2011).

Semelhante à PKA, Sch9 quando fosforilada inibe a macroautofagia (SAMPAIO-MARQUES et al., 2011). Sch9 é rapidamente desfosforilada em células privadas de carbono (BROACH, 2012), nitrogênio (SANTOS; SOUSA; LEÃO, 2012), fosfato ou aminoácido (LOEWITH; HALL, 2011; URBAN et al., 2007), bem como durante o tratamento com rapamicina (CHEN; KLIONSKY, 2011).

Um ortólogo de Sch9, FgSCH9, em Fusarium graminearum desempenha um papel importante na regulação da biossíntese de micotoxinas e na virulência do fungo. Além disso, FgSCH9 atua como mediador da via Tor e promove a regulação da diferenciação vegetativa, do metabolismo secundário e das respostas a diferentes estresses em F. graminearum. A deleção de FgSCH9 resultou em defeito no crescimento de hifas aéreas, na ramificação de hifas e na germinação de conídios. O fungo apresentou sensibilidade aumentada a estresses, osmótico e

oxidativo, aos agentes danificadores das paredes celulares e à rapamicina. Por outro lado, F. graminearum apresentou maior tolerância térmica (GU et al., 2015).

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