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Paracoccidioides é o gênero de fungos termodimórficos causadores da paracoccidioidomicose (PCM), uma micose sistêmica, confinada geograficamente à América Latina. O Brasil detém 80% dos casos registrados de PCM, sendo as regiões Sudeste (Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais), Centro-Oeste (principalmente nos Estados de Goiás e Mato Grosso do Sul) e Sul (do Paraná para o Norte do Rio Grande do Sul) as mais afetadas (MARTINEZ, 2015). Os outros países mais atingidos são Venezuela, Colômbia e Argentina (MARTINEZ, 2015). Segundo estudos, baseados em intradermorreação com paracoccidioidina, de 11 a 43,8% da população das áreas endêmicas já foi exposta a Paracoccicioides spp. (GÓES et al., 2014).

A ocorrência da PCM é da ordem de um a três novos casos por 100.000 habitantes a cada ano, sendo considerada a oitava causa de morte por doença infecto-parasitária crônica, com taxa de mortalidade de 1,45 casos/1.000.000 de habitantes. De 1996 a 2006, a PCM foi responsável por 51,2% dos óbitos ligados às micoses profundas no Brasil (PRADO et al., 2009), porém por não ser uma doença de notificação compulsória, os dados epidemiológicos relativos à PCM não são totalmente conclusivos (WANKE; AIDÊ, 2009; GÓES et al., 2014; TABORDA et al., 2015;).

A paracoccidioidomicose, também conhecida como blastomicose sul-americana e doenca de Lutz-Splendore-Almeida, foi inicialmente descrita por Adolfo Lutz em 1908, no Instituto Bacteriológico de São Paulo, que verificou, em lesões bucais de dois pacientes, a existência de fungos de natureza dimórfica, distintas do Coccidioiddes immitis. O P. brasilensis, até então frequentemente confundido com C. immitis, foi relacionado, por Lutz, como o patógeno de uma doença qualificada como micose pseudococcídica e, posteriormente, incluída em um grupo denominado de hifoblastomicoses americanas (LUTZ, 1908). O primeiro isolado do agente causal foi obtido em 1912 por Alfonso Splendore, o qual o classificou dentro do gênero Zymonema, propondo a denominação de Zymonema brasiliensis. A classificação definitiva e, consensualmente, aceita foi realizada por Floriano Paulo de Almeida, em 1930, após diversos estudos comparativos entre o agente etiológico da PCM e o C.

immitis. Assim, o gênero Paracoccidioides foi criado e a espécie brasiliensis, descrita anteriormente por Splendore, foi revalidada (ALMEIDA, 1930). A oficialização do termo paracoccidioidomicose só ocorreu em 1971 (MOREIRA, 2008).

À temperatura ambiente (25ºC), as espécies de Paracoccidioides se apresentam sob a forma de colônias brancas e algodonosas, denominadas saprofíticas ou miceliais. Microscopicamente, a essa temperatura, observam-se hifas delgadas, hialinas, septadas, multinucleadas e ramificadas, com produção de clamidoconídios terminais ou intercalares e conídios (SAN-BLAS; NIÑO-VEGA;

ITURRIAGA, 2002). Essa forma é preferencialmente encontrada em solos argilosos ou arenosos, ricos em matéria orgânica e ácido-úrico, entre outras fontes de nitrogênio, em ambientes úmidos, clima tropical e subtropical (BAGAGLI et al., 2008;

MOREIRA, 2008). No hospedeiro ou quando cultivado a 36ºC em meios enriquecidos, Paracoccidioides spp. desenvolvem colônias cremosas e cerebriformes, que microscopicamente apresentam pseudo-hifas e/ou leveduras, células arredondadas ou ovais, multinucleadas, com paredes celulares espessas e multibrotamentos, resultando num típico aspecto de “roda de leme” ou “cabeça de Mickey”. Esta fase do fungo, parasitária, é a encontrada nas lesões nos tecidos do hospedeiro (SAN-BLAS; NIÑO-VEGA; ITURRIAGA, 2002; MOREIRA, 2008).

Os hospedeiros definitivos de Paracoccidioides spp. são o ser humano (Homo sapiens) e algumas espécies de tatus como tatu-de-nove-bandas (Dasypus novemcitus) e, ocasionalmente, tatu-de-rabo-mole (Cabassus centralis), (THEODORO, 2010). O fungo, Também já foi isolado de lesões de cães domésticos (RICCI et al. 2004), bem como da ração desses animais (FERREIRA et al., 1990), em fezes de pinguim (GESUELE, 1989), em trato intestinal de morcegos (GROSE;

TRAMSITT, 1995) e em animais silvestres, como porquinho da índia (Cavia aperea) e porco-espinho (Sphiggurus spinosus) (BAGAGLI et al., 2008).

A infecção por Paracoccidioides spp. ocorre por meio da inalação dos conídios liberados pelo micélio do fungo, mas o estabelecimento da doença só ocorre se houver reversão para forma leveduriforme nos alvéolos pulmonares (MCEWEN et al., 1987). O local inicial da doença é, portanto, os pulmões, contudo o fungo pode se disseminar pela corrente sanguínea e/ou pelo sistema linfático para outras regiões do organismo como pele, baço, fígado, adrenais, linfonodos e medula óssea (PEREIRA et al., 2009). A PCM-infecção é detectada em pacientes com imunidade celular preservada, sem sinais ou sintomas da doença, mas, que

apresentam positividade em testes cutâneos frente à paracoccidioidina (MOREIRA, 2008; GÓES et al., 2014)

A PCM pode se apresentar, clinicamente, em duas formas: forma aguda/subaguda, conhecida como “tipo juvenil”, ou forma crônica, conhecida como

“tipo adulto”. Nesta classificação são consideradas as manifestações clínicas e os parâmetros imunológicos da patologia. Depois de inalar o fungo, o organismo hospedeiro pode resolver a infecção espontaneamente, mas, quando isso não ocorre, o indivíduo pode apresentar sintomas da PCM após algumas semanas, ou mesmo depois de muitos anos. Neste último caso, o fungo permaneceu quiescente nos alvéolos pulmonares e se reativou, principalmente, por imunidade deficiente do hospedeiro (SHIKANAI-YASUDA et al., 2006; MOREIRA, 2008; MARTINEZ, 2015).

A PCM-Doença de forma aguda é responsável por 5 a 35,5% dos casos de PCM e acomete crianças e adultos jovens de ambos sexos, com menos de 30 anos, na mesma proporção. Nesse caso, os indivíduos afetados apresentam acentuada depressão da resposta imune e a doença caracteriza-se por ter uma evolução rápida (4-12 semanas de instalação da doença) com acometimento de todas as vísceras, frequentemente, afetando a suprarrenal. Essa forma é rara e, quando ocorre, compromete o sistema fagocítico-mononuclear, que leva a disfunção da medula óssea. O indivíduo afetado apresenta linfoadenomegalia, acometimento digestivo e osteo-articular, hepatoesplenomegalia e lesões cutâneas. Mulheres que trabalharam ou tiveram contato com o solo, quando crianças ou até os 20 anos, podem desenvolver PCM na menopausa, ou em caso de imunidade reduzida (SHIKANAI-YASUDA et al., 2006; MOREIRA, 2008; BELLISSIMO-RODRIGUES; MACHADO;

MARTINEZ, 2011).

A PCM-Doença forma crônica acomete, principalmente, homens dos 30 aos 50 anos (90% dos casos) e está relacionada a dois fatores principais. Um deles é a ocupação dos infectados, normalmente por trabalhadores rurais, que geralmente são do sexo masculino. O outro é a reconhecida proteção natural que as mulheres possuem em função do hormônio 17-β-estradiol, capaz de afetar a transição da fase de micélio para levedura desses fungos e induzir os macrófagos a liberarem de óxido nítrico (NO), destruindo as leveduras por eles internalizadas (HONG; ZHU, 2004; SHANKAR et al., 2011). Deve-se ressaltar ainda que a ocorrência de paracoccidioidomicose entre as mulheres vem diminuindo (FABRIS et al., 2014). A forma crônica da PCM progride lenta e silenciosamente, podendo levar anos para

ser diagnosticada. Há acometimento do pulmão em 25% dos casos, podendo ser uni ou multifocal. Além disso, esta forma caracteriza-se pelo comprometimento dos linfonodos cervicais e submandibulares e acometimento perioral, podendo atingir o tecido cerebral (SHIKANAI-YASUDA et al., 2006; MOREIRA, 2008; FORTES et al., 2011; MARQUES, 2013).

A PCM requer tratamento prolongado, dependendo da droga e da gravidade da doença, levando normalmente, cerca de dois anos para se alcançar a cura. O abandono precoce do tratamento gera recaídas, complicações e sequelas anatômicas e funcionais, tais como a fibrose pulmonar e a insuficiência respiratória (GÓES et al., 2014; SAFE et al., 2014; MARTINEZ, 2015).

Taxonomicamente as espécies de Paracoccidioides pertencem ao Reino Fungi, Filo Ascomycota, Classe Pleomycetes, Ordem Onygenales, Família Ajellomycetaceae, que inclui os gêneros Blastomyces, Histoplasma e Emmonsia, com os quais compartilha um ancestral comum, Lacazia loboi (MOREIRA, 2008;

TEIXEIRA et al., 2014).

Por meio de estudos moleculares, como a análise de Multi Locus Sequence Typing (MLST), a PCM passou a ser vista como uma micose sistêmica causada por pelo menos duas espécies do gênero, P. brasiliensis e P. lutzii (MATUTE et al., 2006; TEIXEIRA et al., 2009; PIGOSSO et al., 2013). Os isolados de P. brasiliensis foram subdivididos entre quatro espécies crípticas diferentes (S1, PS2, PS3 e PS4).

S1 (Species 1) é um grupo monofilético, composto por isolados amplamente distribuídos na América do Sul e tem sido associados com a maioria dos casos de PCM detectados até o presente momento. PS2 (Phylogenetic Species 2) é um grupo parafilético, composto por isolados identificados até o momento apenas no Brasil e Venezuela. PS3 (Phylogenetic Species 3) é um grupo monofilético, composto por isolados exclusivamente colombianos. Devido à alta similaridade genética entre S1 e PS3, Matute e colaboradores (2006) atribuíram a especiação do grupo PS3 a um possível evento de migração, seguido de isolamento geográfico de isolados do grupo S1 para a Colômbia. PS4 (Phylogenetic Species 4) foi recentemente identificada e é composta de uma população monofilética de isolados clínicos da Venezuela (TEIXEIRA et al., 2014).

No ano de 2009, P. Lutzii foi descrito como sendo o mais divergente do gênero, composto apenas por um grupo monofilético, com isolados semelhantes ao Pb01, encontrados nas regiões, central, sudoeste e norte do Brasil e no Equador.

Essas espécies se diferenciam na cinética de crescimento, na expressão de proteínas, no grau de adesão, em relação à maneira que penetram em diferentes tipos de células e no tipo de doença que causam. Essas diferenças dão suporte à variação da virulência e da patogenicidade entre os isolados (TEIXEIRA et al. 2009;

THEODORO et al., 2012; OLIVEIRA et al., 2015).

Para obter sucesso em sua colonização, Paracoccidioides spp. precisam aderir à superfície da célula, por meio da interação de moléculas, tais como a Gp43 (VICENTINI et al., 1994; POPI; LOPES; MARIANO, 2002), 14-3-3 (MARCOS et al., 2015; SILVA et al., 2015; GARCIA-RODAS e NOSANCHUK, 2016), PbHAD32 hidrolase (HERNÁNDEZ et al., 2010), enolase (ENO) (DE OLIVEIRA et al., 2014), malato sintase (MLS) (DA SILVA NETO et al., 2009; DE OLIVEIRA et al., 2013;

COSTA et al., 2015), gliceraldeído3-fosfato desidrogenase (GAPDH) (BARBOSA et al., 2006) e 1,6 bisfosfate aldolase (ALD) ( MARCOS et al., 2014). Essas moléculas são capazes de interagir com diferentes componentes do tecido do hospedeiro como proteínas da matriz extracelular (ECM), incluindo colágeno, plasminogênio (NOGUEIRA et al., 2010), laminina, fibronectina, e fibrinogênio (GONZALEZ et al., 2005) e com células epiteliais e endoteliais (TAMAYO et al. 2013). Muitas dessas adesinas são secretadas ou estão associadas à parede celular fúngica e desempenham funções importantes, tais como a obtenção de nutrientes (WEBER et al., 2012; DE OLIVEIRA et al., 2015).

Para a adaptação ao novo ambiente, de algum modo, Paracoccidioides spp.

precisam superar os diferentes estresses metabólicos (PARENTE-ROCHA et al., 2015), como por exemplo, privação de nutrientes (LIMA et al., 2014), variação de temperatura (TIWARI et al., 2015), disponibilidade de íons metálicos (BAILÃO et al., 2012), hipóxia (LIMA et al., 2015) e pH (DECHANT et al., 2014).

A adaptação ao ambiente e invasão de células do sistema imunológico do hospedeiro (TAVARES et al., 2007) são a chave para a sobrevivência do fungo após a infecção, pois se bem sucedidos, permitirão que os micélios inalados se diferenciem em levedura e se instalem no hospedeiro (COONEY; KLEIN, 2008).

Nos pulmões, conídios e partes de micélio do fungo entram em contato com macrófagos e são fagocitados por essas células de defesa (SOARES et al., 2010), pobres em nutrientes, como glicose e aminoácidos (Lima et al., 2014). Essa internalização gera para o fungo uma situação de estresse nutricional que precisa ser superada para a instalação da doença. Desta forma, a adaptação ao estresse

metabólico representa vital atributo para o fungo conseguir se diferenciar em levedura, se manter e se replicar dentro dos macrófagos. Além disso, como nos pulmões a disponibilidade de nutrientes é limitada, os fungos buscam esses elementos em outros locais por meio da corrente sanguínea ou linfática (OLIVEIRA et al., 2014).

Parente-Rocha e colaboradores (2015) observaram que, durante a interação entre as leveduras de Paracoccidoides brasiliensis e os macrófagos, proteínas relacionadas a estresse oxidativo estão superexpressas no fungo e que, para se adaptar ao ambiente interno do macrófago, as leveduras reprogramam seu metabolismo para produzir glicose, além de inibir a síntese proteica. Nesse trabalho os autores sugerem, por análise de proteoma, que a glicose seja obtida por gliconeogênese, cujos precursores derivam da degradação do esqueleto de carboidratos liberados pela degradação de aminoácidos e que os lipídeos são os combustíveis para a sobrevivência do fungo dentro dessas células. Adicionalmente, estes autores indicaram a superexpressão de proteínas relacionadas à autofagia, mecanismo que seria utilizado pelo fungo na degradação de aminoácidos, entre outros componentes celulares.

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