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Autonomia das agências reguladoras

No modelo piramidal de Administração Pública, dominante no continente europeu desde o século XIX e transplantado para o Brasil, o chefe do Poder Executivo possui amplos poderes de intervenção sobre todos os órgãos administrativos.

Para Binenbojm (2008, p. 243),

a lógica de tal regime era baseada na responsabilidade política dos governantes, frente ao parlamento ou diretamente ao povo, pelas ações e omissões administrativas, na medida em que se encontravam habilitados a dirigir, orientar, supervisionar ou controlar as respectivas estruturas da burocracia estatal.

A unidade administrativa representaria “verdadeiro instrumento do princípio

democrático e em favor da legitimação da Administração Pública”, já que o chefe do Poder Executivo, eleito pelo povo ou pelo Parlamento, conforme o sistema de governo, exerceria controle político sobre os órgãos administrativos (BINENBOJM, 2008, p. 244).

Aragão (2006, p. 341) afirma que a idéia de independência de entes da Administração Pública frente ao chefe do Poder Executivo representa uma mudança de paradigma que possui reflexo na legitimação democrática da atuação desses entes.

A doutrina brasileira costuma apontar que a criação de agências reguladoras independentes representa um rompimento com o modelo piramidal de Administração Pública. Isso se daria por força do elevado grau de autonomia das agências em relação ao chefe do Poder Executivo – quando comparado com os órgãos administrativos e mesmo com as autarquias.

As autoridades ou agências independentes quebram o vínculo de unidade no interior da Administração Pública, pois a sua atividade passa a situar-se em esfera jurídica externa à de responsabilidade política do governo. Caracterizadas por um grau reforçado da autonomia política de seus dirigentes em relação à chefia da Administração central, as autoridades independentes rompem o modelo tradicional de recondução direta de todas as ações administrativas ao governo (decorrente da unidade da Administração). Passa-se, assim, de um desenho piramidal para uma configuração policêntrica. (BINENBOJM, 2008, P. 245).

De fato, as agências reguladoras normalmente gozam de independência orgânica frente à Administração central, que se caracteriza basicamente pela estabilidade de seus dirigentes e pela ausência de controle hierárquico.

No entanto, a ausência de controle hierárquico é uma característica das agências reguladoras enquanto autarquias, e não em razão da especialidade que lhes é atribuída pelo regime jurídico.

Celso Mello (2004, p. 140) anota que hierarquia é o vínculo de autoridade que une órgãos superiores e inferiores, em degraus, em relação de autoridade: “os poderes do hierarca conferem-lhe uma contínua e permanente autoridade sobre toda a atividade administrativa dos subordinados” 17.

A descentralização, por meio da criação de autarquias, já representa o rompimento da unidade da Administração Pública e significa que não há vínculo hierárquico entre a Administração Central e a autarquia.

Não existindo vínculo hierárquico, não se encontra presente, na relação entre Administração central e autarquia, a fiscalização hierárquica: “o que passa a existir, na relação entre ambas, é um poder chamado controle”, ou supervisão ministerial (MELLO C., 2004, p. 141).

A fiscalização hierárquica é um instrumento permanente, pode ser realizado de ofício e é inerente à organização administrativa tradicional.

O controle, ou supervisão ministerial, a sua vez, significa a interferência que a

Administração central deve-pode exercer na atividade da autarquia e, diferentemente da fiscalização hierárquica, não é presumido e só existe conforme a extensão e limite previstos em lei.

Para Di Pietro (2002, p. 643), o controle ou supervisão ministerial que é exercido sobre as autarquias é um meio atenuado de controle administrativo e se resumiria “ao controle finalístico da Administração que as instituiu”. Já a fiscalização hierárquica, que pressupõe subordinação, admite o controle pleno do órgão inferior.

Os objetivos do controle sobre a atividade das autarquias são basicamente fiscalizar o cumprimento de suas obrigações legais e enquadrar a sua atuação com as políticas traçadas pelo governo.

17

Celso Mello (2004, p. 141): “Tais poderes consistem no (a) poder de comando, que o autoriza a expedir determinações gerais (instruções) ou específicas a um dado subalterno (ordens), sobre o modo de efetuar os serviços; (b) poder de fiscalização, graças ao qual inspeciona as atividades dos órgãos e agentes que lhe estão subordinados; (c) poder de revisão, que lhe permite, dentro dos limites legais, alterar ou suprimir as decisões dos inferiores, mediante revogação, quando inconveniente ou inoportuno o ato praticado, ou mediante anulação, quando se ressentir de vício jurídico; (d) poder de punir, isto é, de aplicar as sanções estabelecidas em lei aos subalternos faltosos; (e) poder de dirimir controvérsias de competência, solvendo os conflitos positivos (quando mais de um órgão se reputa competente), e (f) poder de delegar competências ou de avocar, exercitáveis nos termos da lei”.

Assim, é correto afirmar que a autarquia dispõe de direitos oponíveis à Administração central, podendo ser controlada apenas conforme a extensão e os limites expressamente estabelecidos em lei, assim como obrigações de se desincumbir das atribuições atribuídas legalmente.

Para Di Pietro (2002, p. 368),

Esse duplo aspecto da autarquia – direito e obrigação – dá margem a outra dualidade: independência e controle; a capacidade de auto-administração é exercida nos limites da lei; da mesma forma, os atos de controle não podem ultrapassar os limites legais.

A propósito, atualmente se considera que as pessoas jurídicas de direito público são sujeito ativo de direitos fundamentais, notadamente daqueles de espécie procedimental (BRANCO, 2002, p. 165).

Portanto, as agências reguladoras, como autarquias que são, estão isentas de controle hierárquico a ser exercido pelo chefe do Poder Executivo.

Como afirma Celso Mello (2004, p. 160), a independência administrativa a que se referem as leis de criação das agências reguladoras são elementos naturais de todas as autarquias, “nada acrescentando ao que lhes é inerente. Nisto, pois, não há peculiaridade alguma; o que pode ocorrer é um grau mais ou menos intenso destes caracteres”, a serem definidos nas respectivas leis de criação.

Para Celso Mello (2004, p. 160), então, quanto à autonomia, o que diferencia as agências reguladoras das autarquias comuns é apenas o exercício de mandato pelos seus dirigentes, os quais não podem ser exonerados ad nutum.

Assim, o único ponto realmente peculiar em relação às generalidade das autarquias está nas disposições atinentes à investidura e fixidez do mandato dos dirigentes destas pessoas, e que se contém nos arts. 5º e parágrafo único, 6° e 9° da Lei 9.986, de 18.7.2000 (que dispõe sobre a gestão dos recursos humanos das agências reguladoras), alterada pelas inconstitucionais Medidas Provisórias 2.216-37, de 31.8.2001, e 2.229-43, de 6.9.2001, e Lei 10.470, de 25.6.2002. Na mesma linha, Di Pietro (2002, p. 400) defende que a inovação das agências reguladoras é muito menor do que possa parecer à primeira vista, “porque já existem, no direito brasileiro, muitas entidades, especialmente autárquicas, com maior dose de independência em relação ao Poder Executivo”, inclusive em algumas dessas entidades os dirigentes possuem mandato fixo, “não podendo ser livremente exonerados pelo Poder Executivo”.

A maior autonomia das agências reguladoras, então, se revela em face do Poder Executivo, já que se submetem aos mesmos controles legislativo e judicial a que se encontram submetidas as demais pessoas jurídicas de direito público. E essa autonomia se revela primordialmente no impedimento imposto ao chefe do Poder Executivo de exonerar os dirigentes das agências reguladoras.

Segundo Longo (1996, p. 14), o estabelecimento de mandatos para os dirigentes das agências teve a finalidade de buscar conferir blindagem da atuação regulatória às interferências político-partidárias, principalmente por parte da chefia do Poder Executivo.

É evidente que essa perda de poder por parte do Poder Executivo – relativa à livre exoneração dos dirigentes – não se deu exclusivamente na tentativa de se garantir um gerenciamento técnico da regulação.

Conforme a percepção de Manetti (2007, p. 10), a blindagem das agências se deu também com a finalidade de retirar da chefia do Poder Executivo a tomada de decisões controversas ou impopulares, como o são, por exemplo, os reajustes de tarifas dos serviços públicos regulados.