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Críticas da doutrina ao controle judicial

Apesar de serem muitos os posicionamentos doutrinários no sentido da necessariedade do controle judicial como forma de se buscar eliminar a irresponsabilidade das agências e lhes conferir legitimidade democrática, ainda assim não são poucas as reservas que esse controle suscita.

No contexto francês, La Spina e Majone (2000) mencionam que Austin sustenta que o controle judicial não se concilia com muitas das atividades das agências, as quais muito dificilmente podem ser valoradas simplesmente segundo a alternativa legítimo – ilegítimo.

O controle judicial seria incompleto, por mirar apenas aspectos de conformidade à lei, ao passo que o exercício do poder normativo pelas agências seria algo bem mais amplo, no qual os agentes regulados possuem bastante influência em sua formação.

Esses autores também registram os efeitos maléficos da suspensão cautelar de uma norma regulatória, impedindo a produção de seus efeitos por um longo período de tempo. Assim é que eles afirmam que “o controle pode ser demasiado incisivo, mas no sentido de

paralizar, quiçá apenas provisoriamente, a atuação da agência reguladora” (LA SPINA; MAJONE, 2000, p. 178, tradução nossa)22.

Além do mais, tais suspensões cautelares provocariam a instabilidade da regulação. Escrevendo sobre o chamado risco da regulação, Ortiz (2004, p. 646) defende que a regulação deve ser estável a ponto de que os agentes possam nela confiar com segurança, sem que haja risco de alterações bruscas, assim como uniforme para todos os agentes de um mesmo setor, os quais, no mais das vezes, concorrem entre si.

La Spina e Majone (2000) dão ênfase à escarsa familiaridade dos membros do Poder Judiciário com a complexidade fática e jurídica dos diversos setores econômicos regulados pelas agências.

Shapiro (1988) também critica o controle judicial ao defender que juízes conhecem apenas leis, sem, contudo, possuírem conhecimentos específicos sobre os setores econômicos regulados23.

Exatamente no mesmo sentido, ao criticar a impossibilidade de se dotar todos os membros do Poder Judiciário de conhecimentos técnicos suficientes para habilitá-los a processar e julgar questões regulatórias, Ortiz (1999, p. 613) defende a criação de um único órgão judicial tecnicamente habilitado para conhecer as impugnações aos atos das agências reguladoras24.

Fato é que, na Itália, segundo afirmam La Spina e Majone (2000), 90% dos atos das agências reguladoras (os quais não são necessariamente normativos) são impugnados na via judicial, com uma elevada probabilidade de que tenham a sua eficácia suspensa em sede liminar.

22

La Spina e Majone, 2000, p. 178: “Il controllo giudiziario può essere assai incisivo, ma nel senso di

paralizzare, sia pure ‘provisoriamente’, l’azione delle AR”

23

Shapiro (1988, p. 71): “Judges are not expert at anything except law, and law is just words. By virtue of

education and experience judges knew nothing about any of the technologies that had created the modern world. They knew no nuclear engineering or chemistry or even poultry science. And judges not only had the wonderful virtue of knowing anything, they were also wielders of government power who could wield that power to overcome technocracy, now seen as the tyranny of experts. Most importantly, judges traditionally performed the legitimate government role of judicial review of the agencies, a role that had been limited, but also consolidated, by the Administrative Procedures Act”.

24

Ortiz (1999, p. 613): “Naturalmente estos pronunciamentos exigen una competencia técnica de la que los

jueces, hoy, en general, carecen. Por ello hay que prever una Sala de revisión judicial de los entes reguladores que sea especialmente apta y tecnicamente capaz (en su caso, convenientemente asistida) para la realización de estas tareas. Piénsese que de lo que se trata casi siempre no es de aclarar la norma o principio de justicia, sino de que el juzgador entienda cuàl es el supuesto de hecho en cuya compleja valoración hoy es incapaz de entrar. Hay que preparar los Tribunales para las tareas que de ellos exigen, pues de lo contrario aún cuando admitan las demandas serán incapaces de dar una solución”.

Para Cassese (1996), esse alto percentual de impugnação dos atos das agências reguladoras (alto, inclusive, para os padrões de litigiosidade italianos) se deveria ao fato de que a sua atuação incide sobre interesses econômicos bastante fortes.

Assim, a impugnação de normas regulatórias, muitas vezes, pode trazer benefícios econômicos muito grandes, em relação ao custo do processo judicial.

La Spina e Majone (2000) visualizam quatro modalidades de exercício de controle judicial.

Em primeiro, se o controle judiciário é superficial, o máximo de independência das agências corresponderá ao mínimo de controle.

Em segundo, se o controle judicial é amplo, mas os juízes conhecem apenas vícios formais, haverá controle sobre as agências, mas não sobre o mérito técnico das decisões.

Em terceiro, se o juiz tende a sobrepor o próprio entendimento a respeito da matéria sobre o das agências, este seu entendimento está desprovido de conhecimento específico sobre a matéria e pode conduzir a situações indesejadas.

Em quarto, um controle eficaz seria o realizado por juízes especializados e não inclinados a invadir áreas de competência das agências. Nessa hipótese, uma redução da liberdade das agências corresponderia efetivamente ao aumento de sua responsabilidade, inclusive quanto ao conteúdo das normas.

Litan e Nordhaus (1983, p. 3, tradução nossa)25 criticam o controle judicial sob o argumento de que este seria pontual. Segundo esses autores,

Perder a noção do todo pelo particular causava pouco prejuízo quando as agências reguladoras eram poucas e suas missões modestas. Em anos recentes, no entanto, o escopo e impacto da regulação têm aumentado. Dependendo de como elas eram computadas, existiam menos de 10 agências com responsabilidades regulatórias antes de 1900: hoje o quantitativo ultrapassa 80. A atuação regulatória nacional evoluiu em uma série de estatutos editados por numerosas agências, cada uma promulgando grande número deles a cada ano. Quem fiscaliza toda essa atividade? Certamente não são os Tribunais, os quais possuem poder apenas para rever as decisões regulatórias em caráter individual trazidas perante eles.

25

Litan e Nordhaus (1983, p. 3): “Missing the forest by watching the trees caused little waste when regulatory

agencies were few and their missions modest. In recent years, however, the scope and impact of government regulation have proliferated. Depending on how they are counted, there were fewer than ten agencies charged with regulatory responsibilities prior to 1900; today the number stands at over eighty.

The nation’s regulatory effort has thus evolved into a diverse set of statutes managed by numerous separate agencies, each promulgating dozens of rules each year. Who oversees all of this activity? Certainly not the courts, which have the power only to review the individual regulatory decisions brought before them”.

Para eles, o controle judicial pode até ser importante, mas apenas para a defesa de interesses específicos do cidadão lesado, e não para manter a atividade regulatória em si sob fiscalização.

Em verdade, para esses autores, a fiscalização da atividade regulatória pode se dar em diferentes níveis: a primeira, e mais frágil, seria a revisão de regras individualmente consideradas, na qual se inseriria a revisão judicial; a última, e mais eficaz, seria a análise global da regulação editada por uma autoridade independente, a comparação do seu impacto no setor regulado face a outras alternativas de ação governamental, como a despesa pública e a tributação.

Daí o caráter incompleto (ou parcial) do controle judicial.

Além dessas críticas, um ponto extremamente controverso a respeito do controle judicial dos atos regulatórios – notadamente os normativos – diz respeito aos seus limites, o que será analisado no item seguinte.