• Nenhum resultado encontrado

2.3 Modelo dinâmico de desenvolvimento da autonomia como um fenômeno

2.3.4 Autonomia e contexto

Em uma concepção tradicional, aprendentes e contextos são considerados entidades dissociadas e compreende-se que geralmente os contextos agem sobre o aprendente em uma relação unidirecional, ao passo que, numa visão complexa, essa relação é bidirecional, na medida em que um exerce influência sobre o outro (USHIODA, 2015). Dörnyei (2009)

também afirma que os aprendentes não são simplesmente alocados em um contexto, mas o constituem, moldando e sendo moldados por ele. ―Através dessa mútua relação de coadaptação, emergem mudanças organicamente tanto no aprendente quanto no contexto ou ambiente‖65

(DÖRNYEI, 2009, p. 229).

Assim como a autonomização, o contexto também precisa ser entendido como um sistema dinâmico que engloba uma grande quantidade de componentes, representando um potencial latente até que os aprendentes interajam com ele (MERCER, 2012). Portanto, não é o contexto em si que promove ou inibe a autonomia, mas sim como os aprendentes interpretam o potencial oferecido pelos recursos presentes no contexto de aprendizagem (TATZL, 2016).

Nesse sentido, os elementos contextuais podem exercer um papel fundamental em repelir ou impulsionar o sistema para certo estado (WANINGE; DÖRNYEI; DE BOT, 2014). No modelo, os agentes e os propiciamentos, em interação com os aprendentes em contexto, podem contribuir para a emergência de comportamentos autônomos ou para a condução a estados atratores, como discutirei a seguir.

a) Agentes

Dentre os agentes que podem injetar energia no sistema de autonomização, pode-se citar professores, colegas, pares mais competentes, conselheiros, falantes nativos, alguém especial que inspira ou motiva etc. Vale ressaltar que a interação com cada agente ocorre de forma única, podendo gerar sinergia na relação com alguns aprendentes e entropia na relação com outros. Por exemplo, a relação com um professor que usa uma metodologia tradicional com foco em gramática e repetição de palavras pode gerar a perda de energia no sistema de alguns aprendentes e, paralelamente, impulsionar ações em outros, levando-os a compensar essa situação estudando de forma autônoma.

Compreende-se também a figura do conselheiro como um agente que estimula mudanças na trajetória dos aprendentes, podendo atuar em um ponto de bifurcação, ajudando o aprendente a desviar de rotas menos favoráveis para outras (MAGNO e SILVA, 2016). No entanto, tal relação também não representa uma garantia de sucesso. Para alguns aconselhados, a relação com o conselheiro não gera mudanças significativas.

65

No original: ―Through this mutually constitutive and co-adaptive relationship, changes emerge organically both within the learner and within the context or environment‖.

No que diz respeito às experiências de colaboração na aprendizagem de LA, Paiva (2006) acrescenta que pode emergir o fenômeno da ―autonomia distribuída‖, no qual o aprendente compartilha sua aprendizagem com outros pares e toma emprestado os resultados obtidos pelos colegas em um trabalho de interdependência e parceria. Espera-se que cada vez mais os estudantes possam se engajar em experiências em que a aprendizagem compartilhada e a autonomia distribuída possam ser potencializadas por meio da colaboração.

b) Propiciamentos

Considerando as contribuições da Abordagem Ecológica66, o conceito de propiciamento, cunhado por Gibson (1986), diz respeito a ―aquilo que está disponível para a utilização por uma pessoa‖67 ou ―algo com potencial para ação‖68 (VAN LIER, 2004, p. 91-92). Mas para que esse potencial se torne um propiciamento, o aprendente precisa perceber, interpretar e agir sobre ele.

Vale ressaltar que os propiciamentos podem fomentar ou restringir ações. Dessa forma, um seriado de TV em inglês pode representar um propiciamento para aprender a LAd para uma pessoa; para outras, significa apenas uma atividade de lazer; para outras ainda, que não têm o conhecimento da língua, o seriado em inglês poderá restringir ao invés de propiciar a ação de assisti-lo. Portanto, os aprendentes podem fazer uso dos recursos provenientes do contexto da forma como eles percebem ser mais relevante para si, o que demonstra que, mais importante do que as possibilidades disponíveis no contexto, é a forma como eles as percebem e as usam (VAN LIER, 2004).

No modelo, os propiciamentos são parte constitutiva do contexto, pois é no ambiente que os aprendentes poderão agir sobre os recursos disponíveis. Referindo-se ao contexto de aprendizagem de LAd, Paiva (2010) discute que, na visão dos estudantes, muitas vezes a sala de aula não oferece propiciamentos suficientes para a aprendizagem de línguas e por isso vão em busca de propiciamentos que os estimulem a agir no ambiente fora da sala de aula, seja pela interação com outros falantes, pela busca de informações, dentre outros. Considero como evidências de autonomia as ações assumidas pelos aprendentes em busca da interação com novos elementos e agentes no contexto, a fim de dinamizar a própria aprendizagem.

66

A abordagem ecológica foi desenvolvida na década de 1950 pelo psicólogo James Gibson, o qual estudou a percepção que podemos ter do ambiente que nos circunda.

67

No original: ―[...] what is available to the person to do something with‖. 68

A autonomia, portanto, pode mediar a relação entre os aprendentes e o contexto de uso e aprendizagem da língua, levando-os a agirem sobre os recursos disponíveis ao seu redor (MURRAY, 2017). Quando os aprendentes refletem e fazem escolhas dos propiciamentos mais significativos para sua aprendizagem, dinamizam o processo de autonomização.

c) Atratores

Como já discuti anteriormente, o processo de autonomização na aprendizagem de LAd é instável e flutua entre momentos de maior dinamismo e estabilidade dinâmica. Apesar do foco dos SAC ser as mudanças, também é importante observar os fatores que podem contribuir para estados de estabilidade típicos em sua trajetória. Neste modelo, sugere-se a reflexão acerca da relação entre os atratores e a motivação, as crenças, as identidades e as emoções, visto que esses são subsistemas aninhados que influenciam diretamente a autonomização. Por exemplo, um indivíduo que tem a crença de que o professor é o principal agente responsável pelo sucesso de sua aprendizagem pode estabilizar-se em um estado atrator ao deparar-se com uma metodologia com a qual não se identifique, perdendo a motivação para o estudo da língua.

Resultantes de processos de auto-organização, os sistemas podem se acomodar em estados preferenciais chamados estados atratores (WANINGE; DÖRNYEI; DE BOT, 2014). Em outras palavras, sistemas dinâmicos têm tendência a assumir determinados padrões de comportamento, nos quais geralmente se estabilizam.

Não se pode predeterminar se os estados atratores assumidos pelo sistema serão favoráveis ou desfavoráveis à autonomização. Uma vez que os atratores são neutros, somente a relação do indivíduo com o processo de aprendizagem pode definir a qualidade de seu comportamento.

Neste capítulo de fundamentação teórica, após debruçar-me sob os pressupostos do paradigma da complexidade e sob a autonomia na aprendizagem de línguas adicionais, apresentarei o quadro 1 (ver página seguinte), que reúne os processos de autonomização aqui discutidos.

Quadro 1 – Síntese dos modelos de processos de autonomização

Nunan (1997)

Conscientização Envolvimento Intervenção Criação Transcendência

Scharle E Szabò (2000)

Conscientização Mudança de atitudes Transferência de responsabilidades Benson ([2001], 2011) Tassinari (2010; [2012]) Borges (Nesta tese)

No quadro 1, as próprias representações dos modelos de Nunan e Scharle e Szabò demonstram a percepção da autonomização como um processo linear. As setas unilaterais indicam a sequência de etapas a serem percorridas pelos aprendentes nesse processo. O modelo de Benson é apresentado em círculo, indicando a interdependência e a influência que uma dimensão de controle pode exercer sobre a outra. O modelo de Tassinari demonstra a dinamicidade típica do processo de autonomização, abrindo-se à possibilidade de escolhas feitas pelos próprios aprendentes a respeito de qual aspecto priorizar, sem a necessidade de seguir uma ordem pré-definida de etapas, visando o gerenciamento da própria aprendizagem. Ao final do quadro, encontra-se o modelo dinâmico de desenvolvimento da autonomia como um fenômeno complexo. Nesse, o grande número de processos e subsistemas aninhados apresentados evidenciam a complexidade da autonomização. As linhas interligando todo o sistema demonstram a rede de relações caóticas existente entre seus diversos componentes. Além disso, ressalta-se a relevância do contexto, parte desse sistema, onde todas essas relações se desenvolvem, fomentando ou inibindo comportamentos autônomos.

A seguir, passarei ao capítulo de metodologia no qual explico minhas escolhas na condução dessa investigação.