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I. A EDUCAÇÃO NO MST

5.2.4 Autonomia

A autonomia foi uma categoria bastante mencionada, tanto no âmbito dos sujeitos para com a escola, quanto da escola para com a SEMED.

A noção de autonomia não é estranha ao ideário neoliberal com as suas políticas de descentralização de recursos, ou mesmo de relações no contexto escolar. Para Leher (2002, p. 165),

A autonomia pode ser facilmente incluída entre as palavras-chave do léxico neoliberal, na leitura dos documentos de política educacional do Banco Mundial, da UNESCO e da Cepal. (...) Toda interferência externa é vista como produtora de perturbações que estariam na origem dos desequilíbrios econômicos do presente. A autonomia defendida pelo neoliberalismo é equivalente à soberania do indivíduo no mercado.

Quando se trata de educadores o debate gira em torno das questões profissionais, trazendo à tona aspectos da profissionalização e proletarização com discussões acerca do trabalho docente. Outro aspecto discutido é a autonomia das escolas quanto ao currículo escolar e às práticas educativas. A devolução de competências às escolas públicas é a forma de encomendar-lhes o desenvolvimento e a concretização dos planos administrativos, de forma que possam ser adequados à diversidade social. Mas também, de acordo com as novas tendências da inovação educativa, espera-se que as escolas funcionem ainda como entidades com identidade própria, que gerem um sentimento de pertença nos professores (CONTRERAS, 2002, p. 240). É nesse contexto que se insere a autonomia discutida pelo MST, na qual os sujeitos possam assumir responsabilidades em relação à educação, envolvendo em seus princípios e práticas para que possam implementar a proposta de educação do Movimento.

Tratando da autonomia da gestão da escola pesquisada em relação à SEMED, de acordo com a coordenação,

A gestão tem “autonomia” para com a proposta pedagógica do MST porque nesse sentido existe um setor de educação do Movimento, onde a gente sempre discute o que deveria estar sendo implementado nas escolas, e a gente passa para a secretaria de educação uma vez que já existe uma conversa com a secretaria, no sentido de que a educação nas escolas de assentamento é diferenciada. (...) Eles não intervêm. A gente faz os planejamentos sem intervenção da secretaria. Agora não é nenhuma relação que a gente possa dizer que é 100%. Eles meio que olhando de lado. (IDAIANE SALES – COORDENADORA).

Observa-se que, mesmo havendo discussão dos órgãos oficiais para a descentralização da educação, o MST ainda tem certa dificuldade de mantê-la. Para o secretário de educação, essa autonomia é garantida, porém, com o controle da SEMED:

Nessa parte pedagógica nós sabemos que o Movimento tem atividades que próprias da sua dinâmica, de seu funcionamento. E também ele participa com a secretaria daquelas atividades como viagens, encontros, palestras que são realizadas e também essas atividades que são desenvolvidas dentro da proposta pedagógica, mas que existe uma concordância entre a secretaria e o Movimento de forma que é atendido aquilo que é determinado, que é proposta pelo município de uma forma que protege aquelas questões particulares do município (MARCOS VIANA, SECRETÁRIO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO)

Quando se trata da autonomia no contexto interescolar, os professores destacam a autonomia para realização dos planejamentos e atividades da escola. Nesse sentido a professora Kelly ressalta:

O planejamento é diferenciado das outras escolas porque aqui você vê realmente que nós não pegamos algo pronto, feito. Nós é que criamos. (...) Serve para estar passando o que aconteceu na escola, o que está acontecendo e algumas atividades para que a gente fique por dentro.

Apesar de que durante a realização da pesquisa de campo, não tenha sido notada a participação da comunidade na realização dos planejamentos coletivos das atividades, a coordenadora afirma que existe autonomia na realização dos planejamentos, e com participação da comunidade:

Não existe interferência da secretaria, só do Movimento. A gente sempre discute os eventos que vão estar acontecendo. O que deveria ser trabalhado nas escolas, como a questão da horta por exemplo. Então a gente leva para o planejamento, onde a gente discute com a comunidade externa e com a comunidade interna (IDAIANE SALES – COORDENADORA).

Outro aspecto de discussão da autonomia evidenciado na pesquisa, diz respeito a escolha dos funcionários para trabalhar na escola. Houve uma luta do MST junto à secretaria municipal de educação de Barra do Choça, onde fica a Escola pesquisada, para que lá, essa autonomia fosse garantida. Nesse sentido, destaca a observação da dirigente regional, Katiara Figueiredo:

Nessa questão a gente tem muita dificuldade. Por exemplo: a gente tem dificuldade na seleção de professores. Seria importante se a gente pudesse fazer indicações. Então assim, esse ano a gente teve que passar por um processo de seleção. A gente pediu que todos os professores que trabalhou com a gente o ano passado participasse dessa seleção. Participaram pessoas que a gente acreditava que passaria na seleção. Não passaram. Então assim, pessoas que eram aqui do município de Conquista, por exemplo, e que assim, o currículo é muito bom, a questão dos certificados, elas tinham muitos certificados, e ia contar a questão de horas. Ia ser por título, e as que fizeram tinha muito título. Não passaram por quê? E agora o próprio município de Barra corre o risco de participar de uma greve por conta dessa seleção. Então assim, a gente sente mais dificuldade nessa questão mais burocrática. Na questão mais pedagógica a gente tem mais autonomia, de elaborar projetos, de elaborar PPP, de elaborar atividades a gente consegue fazer isso bem (KATIARA FIGUEIREDO).

O fato de o Movimento querer fazer indicações, limitando a participação das pessoas no processo democrático torna-se contraditório uma vez que um dos objetivos do MST é lutar para a efetivação da democracia na sociedade. Ou seja, pela justiça e a igualdade de direitos sociais. Quando questionada sobre isso a dirigente respondeu:

O por quê que a gente indica os professores? Por que assim: nós do movimento, além da pedagogia que a gente diz, a gente tem os cursos de formação de educadores, desde o magistério, até a pedagogia, e a gente forma esses professores. Então, o por quê que a gente indica? Por que são pessoas do próprio movimento, filhos de assentados, alguns que já são filhos de assentados, ou já moram no assentamento com assentados. Então assim: são pessoas que se identificam com o aluno. Qual a nossa preocupação? É de qualquer pessoa, professor que não conhece nada do Movimento, aqui a gente teve várias experiências assim, de pessoas que não conhecem nada, que mal ficam, ficam um mês, dois e quer ir embora por que não conseguem se adaptar ao acampamento, por que não conseguem se adaptar à comunidade, e nem à própria escola, e nem à pedagogia nossa. Então aí a gente indica pessoas do próprio município também que a gente acaba fazendo indicação. Alguém que a gente percebe por exemplo, tem fulano de tal, que consegue se identificar com algumas propostas do Movimento, ou que se identificam com o assentamento. Então a gente faz essas indicações, mesmo, então assim na Barra do Choça, esse ano a gente não fez essas indicações, mas a gente quis participar do processo depois. Depois da seleção, a gente participou da seleção dos professores que iriam para as escolas, então assim, tinha professores que diziam pra gente: tem professores que visitam a secretaria de educação, que estão indo pra lá, mas vão ser professora que diz: “nem me invente nada, nem uma tarefa extra-escola, que eu não vou fazer?”

Observando a última frase dessa citação é possível compreender porque o MST prefere indicar os professores, contradizendo os princípios de igualdade, pois, para implementar uma pedagogia com base em valores socialistas, cujo objetivo seja a transformação social, é difícil ter, em seu corpo de educadores, pessoas que não estejam dispostas a realizar um trabalho coletivo e que se dediquem à questões político/ideológicas, como ele propõe.

Sobre as indicações, a fala do secretário municipal de educação do referido município assemelha-se à da dirigente, garantindo ao MST relativa autonomia:

Até o ano de 2009 a escolha foi feita exclusivamente pelo movimento com exceção de, como disse no início, com exceção de alguns professores que são convidados pelo município, e já são nomeados para a escola. Professores desses que alguns fazem parte do movimento também. E esse ano a gente realizou uma seleção para a contratação de professores e esses professores que já trabalhavam na escola puderam se inscrever neste processo seletivo, já com o resultado da seleção nós chamamos a coordenadora da escola e também do Movimento e permitimos a participação na escola, mesmo passando por um processo seletivo, das pessoas que fossem atuar o Movimento também sempre têm colocado aquelas pessoas que após o processo de avaliação tenham ou não um perfil para trabalhar. E a gente tem o observado e respondido nesses pontos e assim. Alguns profissionais foram chamados de acordo com o processo seletivo, mas, eles vão passar por um processo de avaliação de adaptação no Movimento e no período posterior a gente vai poder estar discutindo com o Movimento e atendendo dentro daquilo que a gente vai observar se vai corresponder ao nosso jeito (MARCOS VIANA, SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO).

Nesse sentido, fica evidente a luta do Movimento contra a burocracia estatal para garantir que a tão propalada descentralização prometida pelos órgãos oficiais aconteça in loco, não com o sentido de fazer com que aconteça o ideário neoliberal nos assentamentos, mas aproveitando essa oportunidade para fazer uma educação voltada para os interesses da classe trabalhadora.