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A autonomia e os mecanismos de regulação burocrática na formação e na educação dos Sem Terra

I. A EDUCAÇÃO NO MST

3.7.3 A autonomia e os mecanismos de regulação burocrática na formação e na educação dos Sem Terra

A categoria autonomia tem sido muito discutida pelos professores no país tendo em vista os aspectos que dizem respeito às questões profissionais. Nesse sentido os pontos que estiveram em pauta se relacionaram com o debate sobre proletarização53 e

profissionalização54. No que se refere ao primeiro, de acordo com Contreras (2002, p. 33), a

tese básica é de que o trabalho docente sofreu uma subtração progressiva de uma série de qualidades que conduziu os professores à perda de controle e sentido sobre o próprio trabalho, ou seja, à perda de autonomia. E o segundo, Rodrigues (2002, p. 20) se baseia em Wilensky (1964) para definí-la como

Uma ocupação que exerce autoridade e jurisdição exclusiva simultaneamente sobre uma área de atividade e de formação ou conhecimento, tendo convencido o público de que os seus serviços são os únicos aceitáveis. Os critérios de distinção são: 1) trabalho técnico – baseado no conhecimento sistemático ou em doutrina; 2) a adesão às normas do profissionalismo. (...) Tendo o autor verificado uma sequência de etapas: passagem de atividade amadora a ocupação o tempo inteiro; estabelecimento do controle sobre a formação; criação de associação profissional, cujas principais 53Outros autores que discutem a proletarização: Apple (1986, 1987, 1988, 1999); Enguita (1991); Ozga & Lawn (1981, 1988, 1991).

funções são a definição das tarefas essenciais, a gestão dos conflitos internos entre membros com diferentes recursos de formação e a gestão dos conflitos com outros grupos que desenvolvem atividade semelhante; proteção legal, definição do código de ética.

Entretanto, com base na teoria das profissões de Parsons a docência é considerada como uma ocupação em processo de profissionalização, uma vez que não se reveste de todos os atributos requeridos por uma atividade reconhecidamente caracterizada como profissional (COSTA, 1995, p. 225). Outro aspecto é que, mesmo que os professores sejam reconhecidos como profissionais, observa-se o incremento das responsabilidades devido ao aumento das competências técnicas necessárias para exercer uma profissão.

Nesse caso, a “autonomia profissional” é uma estratégia utilizada pelo Estado para ludibriar os docentes diante das reformas educacionais55, ou que os professores não tem total

autonomia para definir sobre a sua prática, pois cumprem as definições estatais quando se submetem as questões burocráticas externas de seu trabalho, demonstrando a falta de um conhecimento especializado e a falta de um código profissional56, podendo ser classificados,

de acordo com Contreras (2002, p. 57), como semiprofissionais. Ou seja, a desqualificação, a rotina, o controle burocrático, a dependência de um conhecimento alheio legitimado, e a intensificação conduzem à perda da autonomia, perda que é em si mesma, um processo de desumanização do trabalho. Ou ainda, “una autonomía regulada” que combina uma maximización de la libertad individual com la intensificaión de los mecanismos de dominación” (PALAMIDESSI, 1998).

No caso do MST, faz-se necessário definir, primeiro, quem é o profissional da educação que faz parte desse movimento, o qual, de acordo com a literatura57, surgiu,

inicialmente, do próprio processo de ocupação da terra, cuja tarefa era desenvolvida pelas mulheres dos assentados/acampados. Uma das especificidades da matriz educacional do MST é que o professor, geralmente, é também um sem-terra, que constrói o seu processo identitário de militante e educador dentro do próprio Movimento, como homem ou mulher do campo, atuando em uma escola de assentamento ou acampamento e participando de um movimento social reivindicatório dos direitos de igualdade, justiça e cidadania.

Observa-se de acordo com as leituras realizadas58 que o termo educador inclui outros

fatores como o amor, a sensibilidade, a vocação. E o termo professor está mais voltado para as

55 Ver também: Carlson, 1987; Grace, 1992. 56 Kimball (1988); Ortega (1987).

57

Caldart (2000); Martins (2008).

questões apenas profissionais. Por nascer dentro do aparato burocrático do Estado, o profissionalismo constitui-se numa certa barreira a práticas consagradas em que vigoram influências pessoais e artifícios personalistas de qualquer natureza. O trabalho é organizado segundo critérios técnicos que também estabelecem a hierarquia e a divisão de funções (HAGUETTE, 1991, p. 117).

Portanto, na tentativa de encontrar o termo para caracterizar a função educativa no MST, opta-se por profissionalidade, que, de acordo com Contreras (2002) é um modo de resgatar o que de positivo tem a ideia de profissional no contexto das funções inerentes ao trabalho da docência. Esse termo traz em si, implicitamente, elementos presentes nos princípios pedagógicos59 e filosóficos60 da proposta pedagógica de educação do MST, quanto

às suas três dimensões: 1)a moral, quando o ensino é realizado com compromisso moral; 2) o compromisso com a comunidade, quando permite a participação desta nas questões educacionais. No contexto do MST, a participação é entendida quando há disponibilidade individual para superar as deficiências e quando há liberdade e respeito entre os envolvidos. É um exercício de aprendizado constante, do saber falar, ouvir, propor, contrariar, complementar (SOUZA, 2006, p. 106); 3) a competência profissional, que se refere, não apenas ao capital de conhecimento disponível, mas também aos recursos intelectuais de que dispõe com objetivo de tornar possível a ampliação e desenvolvimento desse conhecimento profissional, sua flexibilidade e profundidade (CONTRERAS, 2002).

O processo de escolha desses professores deve levar em consideração o interesse em aspectos voltados para o campo e para as questões sociais, para que esses profissionais não desfaçam o trabalho do movimento propugnando o ideário neoliberal nas escolas do MST. Segundo Menezes Neto (2004, p. 00),

neste aspecto, o MST defende que os professores tenham uma formação especial, direcionada à realidade do campo, pois entende que o professor sem vínculos sociais e culturais com o campo, desvinculado das lutas pela reforma agrária, tenderia a reproduzir a “ideologia da desvalorização da cultura do campo”. Neste sentido,

59 Relação entre teoria e prática; 2) Combinação metodológica entre processos de ensino e de capacitação; 3) A realidade com base na produção de conhecimentos; 4) Conteúdos formativos socialmente úteis; 5) Educação para o trabalho e pelo trabalho; 6) Vínculo orgânico entre processos políticos e educativos; 7) Vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos; 8) Vínculo orgânico entre educação e cultura; 9) Gestão democrática; 10) Auto-organização dos/das estudantes; 11) Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/educadoras; 12) Atitudes e habilidades de pesquisa; 13) Combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais (CADERNO DE EDUCAÇÃO n º 08).

60 1) Educação para a transformação social; 2) Educação para o trabalho e a cooperação; 3) Educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana; 4) Educação com/para valores humanistas e socialistas; 5) Educação como um processo permanente de formação e transformação humana.

propõe como medida emergencial a qualificação de educadores vinculados às lutas e à cultura do campo.