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O recorte deste capítulo traz a perspectiva de autonomia das mulheres pelo viés dos movimentos sociais e da Educação Popular. Aprofunda os conceitos de opressão e cativeiros, bem como de autonomia e empoderamento, tendo como embasamento teórico a antropóloga mexicana Marcela Lagarde e o educador brasileiro Paulo Freire. Na sequência, trazemos algumas contribuições dos movimentos sociais feministas para a emancipação das mulheres. E, ao final, refletimos acerca da Educação Popular como um método, um caminho de construção da autonomia.

2.1. Da opressão ao empoderamento das mulheres: uma busca constante A reflexão que propomos a seguir está amparada em Lagarde e Freire, de modo que autora e autor nos auxiliam no entendimento mais aprofundado dos conceitos de opressão/cativeiros e de empoderamento/autonomia/ser humana/autoestima. Nesse viés, salientamos que as temáticas, embora desenvolvidas por autorias diferentes, se relacionam entre si. Isso quer dizer que ao falarmos de empoderamento ou autonomia estamos dando uma mesma conotação de significado.

2.1.1. Cativeiros e opressões em Marcela Lagarde

De acordo com Marcela Lagarde (2011), as mulheres estão naturalmente presas a cativeiros. Viver em cativeiros significa o contrário da liberdade, ou seja, cumprem suas obrigações sociais e culturais conforme a sociedade patriarcal orienta. As mulheres estão, assim, oprimidas pelo simples fato de serem mulheres. Nascer mulher as coloca em uma situação de inferioridade em relação aos homens. Enquanto para algumas mulheres a vivência em cativeiros significa sofrimento e dor, para outras é somente um modo de seguir "naturalmente" o destino de ser mulher.

Há uma condição social e cultural imposta, um habitus que orienta os modos de ser e de agir das mulheres.

Lagarde (2011) nomeia cinco categorias de cativeiros: madresposas, monjas, putas, presas e loucas. As madresposas são mães e esposas ao mesmo tempo; os cativeiros estão na sua sexualidade procriadora e na dependência conjugal. As monjas são aquelas que preservam a sua sexualidade, elas não têm filhos nem cônjuges. Estão dependentes e servem a um divino e estão ligadas a instituições religiosas; negam a madresposa e a condição de putas. As putas assumem a poligamia feminina e se sujeitam à poligamia masculina dominante. As prostitutas são, na linguagem usual, conforme Lagarde (2011), a designação para elas. As presas simbolizam a prisão de vários modos: a casa é presídio, é privação de liberdade. As loucas transgridem a feminilidade, ou seja, são consideradas as bruxas, as estéreis, as abandonadas, as políticas, etc.

A sociedade e a cultura patriarcal fazem com que as mulheres ocupem um lugar de cativeiros e de um corpo-para-outros. Por serem seres para os outros consideram-se pessoas incompletas, subordinadas a um território que demarca e delimita as suas ações e as coloca em uma situação de dependência vital pelos outros em um contexto de mundo patriarcal. Ser um corpo-para-outros significa posse e domínio. Significa sujeitar-se ao outro, à superioridade. (LAGARDE, 2011).

Para melhor compreender a opressão sofrida pelas mulheres na sociedade, a autora atenta para o ciclo cultural da vida que se encontra estruturado no corpo vivido (a sexualidade) e as relações com os outros (o poder). O corpo vivido é, desse modo, um espaço de cativeiros das mulheres: "as madresposas sintetizam o cativeiro do corpo na maternidade (corpo procriador para os outros) e na submissão do erotismo (corpo para o prazer erótico dos outros)." (LAGARDE, 2011, p. 197, tradução nossa).49

Isso implica retomar a discussão que trouxemos no capítulo 1 de que historicamente as mulheres foram oprimidas pela sociedade patriarcal. As mulheres, nesse contexto, são associadas à sua sexualidade e ao âmbito doméstico, da casa,

49 "las madre-esposas sintetizan el cautiverio del cuerpo en la maternidad (cuerpo procreador para los

otros) y en la subsunción del erotismo (cuerpo para el placer erótico de los otros)." (LAGARDE, 2011, p. 197).

do cuidado com as crianças e com os homens ao trabalho, ao sair de casa, ao mundo dos negócios. A sexualidade se caracteriza como uma questão biológica, natural. Já o trabalho atinge a esfera social, o público. Ao nascer, as mulheres carregam uma marca histórica em função de sua situação de gênero. Essa marca traz a inferioridade e as mulheres passam a ser reduzidas ao corpo. Conforme Lagarde (2011), nascer mulher implica um futuro pré-fixado, assim como nascer em uma determinada classe, ou então, em um mundo agrário ou urbano, ser alfabetizada ou não, tudo isso é um fator determinante da vida das mulheres. São esses fatores que vão auxiliar na determinação de as mulheres serem monjas, putas, madresposas, loucas, presas, por exemplo.

A opressão das mulheres pode ser determinada por vários fatores: a) a divisão sexual do trabalho; b) a divisão que ocorre nos espaços sociais como produção-reprodução, público-privado; c) a existência da propriedade privada; d) as relações de classe; e) as instituições hierárquicas de poder; f) as formas de opressão de origem racial, étnica, religiosa, erótica, etc.; g) a definição do ser mulher em função de sua sexualidade e de seu corpo. As opressões se expressam, nesse contexto, por fatores econômicos, políticos, sociais e culturais. (LAGARDE, 2011).

A questão central, de acordo com Lagarde (2011), é que a opressão se fundamenta no corpo cultural das mulheres, ou seja, sobre o seu corpo vivido. A cultura molda, assim, atributos, qualidades e disposições de poder que sujeitam as mulheres e as reduzem ao corpo e à sexualidade e as mantêm em cativeiros. Desse modo, as mulheres vivem em cativeiros como indivíduos e como gênero. Elas, ao incorporar esses artifícios da sociedade patriarcal, também reproduzem esse poder, algumas vezes, de forma inconsciente. Há uma naturalização social e cultural do gênero mulher que atribui características que a elas são inerentes. É por isso que na sociedade patriarcal "as mulheres estão oprimidas de um lugar na sociedade, de um espaço, de um território, ou seja, de possibilidades escassas e limitadas para elas." (LAGARDE, 2011, p. 186, tradução nossa).50 As possibilidades apresentadas para

as mulheres que se encontram em cativeiros são diminuídas. Isso quer dizer que suas vidas giram em torno da sexualidade, da procriação, da negação de suas

50 "las mujeres están cautivas de un lugar en la sociedad, de un espacio, de un territorio, es decir, de

qualidades enquanto sujeito, da sua dependência em relação aos homens, pela renúncia e subordinação à sociedade.

A condição de oprimidas faz com que tenham medo da liberdade e de mudanças de vida social e cultural. Não veem luz além dos cativeiros em que se encontram e veem que há somente uma forma de vida para o gênero feminino, atrelado aos ditames da sociedade patriarcal. As mulheres oprimidas estão em um mundo que não as pertence. São identificadas pela sua beleza, pelo seu corpo e não pela sua alma, sua forma de pensar e reivindicar o cuidado de si e lutar pelos seus direitos como cidadã. A dificuldade está em ter coragem de modificar algo que sempre foi assim, como se o destino das mulheres fosse naturalmente servir a outrem e permanecer inferiorizada.

Lagarde (2011) também faz menção às instituições religiosas, estruturas responsáveis pela manutenção da ordem e da normatização social e cultural. Nessa perspectiva, faz referência à Igreja Católica e às reproduções de um patriarcado que se manifesta prioritariamente pelo seu conteúdo conservador, principalmente no que diz respeito à sexualidade. A Igreja é responsável por produzir e reproduzir valores e normas em torno da sexualidade de acordo com códigos morais e éticos que contemplam os interesses dominantes do sistema patriarcal. Há, por parte da Igreja tradicional, uma concepção religiosa de mundo que sujeita os seres humanos a uma divindade, a um ser superior hierárquico.

Além das estruturas religiosas, vale destacar também as influências políticas, as instituições educacionais, as instituições familiares, a mídia, etc. Instituições essas que primam em manter a ordem social e o controle sobre o corpo das mulheres e a sua sexualidade e seus direitos civis, culminando em uma condição social e cultural naturalizada, opressora e subalterna.

Pode-se constatar, dessa forma, que a ação das diferentes estruturas constituintes da sociedade patriarcal faz com que haja um poder autoritário que consiste em reduzir as mulheres em objeto de uso e de troca. Há assim instalada uma superioridade, há alguém que domina e inferioriza, oprime tanto economicamente quanto socialmente. Oprimir significa o contrário de autonomia, de empoderamento, é permitir que existam espaços de exclusão para com as mulheres, e, muitas vezes, como já citamos anteriormente, elas sentem-se confortáveis em

permanecer na situação de cativeiros em que se encontram. A mudança assusta e quebra paradigmas, principalmente no quesito cultural. A opressão tem o poder de coibir as mudanças e de impor valores e formas de comportamento ditas como corretas. Quando estamos imersos nesse mundo cultural que dita as normas e nos faz crer que as coisas ao nosso redor sempre foram assim e assim devem continuar sendo, incorporamos as imposições como modos de vida naturais e não passíveis de modificação. Transformamo-nos, aos poucos, em objetos e não em sujeitos.

É importante salientar, contudo, que de acordo com Lagarde (2011), que, embora a sociedade patriarcal tenha se utilizado de vários mecanismos para inferiorizar as mulheres, há de se reconhecer que existe e continuam existindo imposições que limitam a autonomia das mulheres. Entretanto, é fundamental reconhecer que como são imposições culturais e sociais elas também são históricas e, por isso, são passíveis de modificação. Por mais que as mudanças tardem a aparecer, houve avanços significativos na construção de uma sociedade mais justa e igualitária para as relações de gênero. O desafio é caminhar para relações mais humanas, em que as mulheres sejam considerada sujeitos, em vez de objetos. É dessa relação oposta à opressão que trataremos a seguir, ao introduzirmos o pensamento de Lagarde (2000, 2005, 2011) sobre o empoderamento feminino.

2.1.2. Ser humana, empoderamento, autonomia e autoestima em Marcela Lagarde

Lagarde (2000, 2005, 2011) utiliza-se dos termos “humana”, “empoderamento”, “autonomia” e “autoestima” para construir uma teoria que se opõe à opressão e aos cativeiros. Com base em uma antropologia das mulheres, a autora tece formas e jeitos de constituição das mulheres como sujeita, como ser humana. A questão é constituir uma antropologia em que não existam culturas e sociedades opressoras.

A autora inicia sua tessitura em torno da discussão sobre o conceito de antropologia, que na etimologia da palavra designa “o estudo do homem”. Aí está a primeira crítica, já que falar em homem não é a mesma coisa que falar em ser humano. O conceito “homem” não é uma referência neutra, pois se assimila somente aos homens e as mulheres não se encontram em uma linguagem inclusiva.

Ademais, a designação “homem” não representa a mulher, pois carrega um semblante patriarcal. A autora sustenta a sua argumentação ressaltando que a única designação que representa as relações de gênero é “ser humano”, ou então, “ser humana”. Ser humana é uma condição para a igualdade de gêneros, pois o conceito se (re)significa, (re)define e (re)humaniza a partir de princípios éticos feministas. "Humana é a palavra que contém com paixão o desejo das mulheres de serem reconhecidas como humanas na sociedade, nas instituições, em cada evento, em cada passo, em cada encontro." (LAGARDE, 2000, p. 205, tradução nossa).51

A perspectiva de ser humana remete à mulher sujeito, com conotação de protagonismo histórico, em contraponto à visão de cativeiros em que as mulheres eram simples objeto. É por isso que entra em cena o conceito de empoderamento que significa alcançar o poder para denunciar toda e qualquer forma de opressão para com as mulheres. A questão é conquistar empoderamento no nível pessoal e coletivo para modificar as pautas políticas que limitam a vida e, ao mesmo tempo, criar condições para eliminar os poderes pessoais e coletivos que oprimem as mulheres. Ao estarem empoderadas, elas estão aptas a defender seus interesses, seus direitos e o direito ao seu corpo como cuidado de si e não de um corpo para os outros.

A autora destaca poderes positivos para as mulheres e aprofunda a sua reflexão em torno da autoridade e do poder. Segundo Lagarde (2005), há uma relação complexa das mulheres com o mundo patriarcal, pois historicamente elas foram submetidas ao autoritarismo. Por isso, ao adquirir consciência crítica, ao empoderarem-se, muitas vezes, elas desenvolvem mecanismos autoritários e creem que estão auxiliando outras mulheres. A questão é que ao mudar de posição em relação ao poder, contudo, elas conservam a mesma estrutura de poder já que há um autoritarismo interiorizado que se manifesta, na maioria das vezes, inconscientemente.

51 "Humana es la palabra que encierra con pasión el deseo de las mujeres de ser reconocidas como

humanas en la sociedad, en las instituciones y en cada hecho, a cada paso, en cada encuentro." (LAGARDE, 2000, p. 205, grifos da autora).

O que se busca, entretanto, não é um simples poder, mas um poder diferenciado. Um poder que não sirva para dominar, mas sim um conjunto de poderes positivos para modificar a visão de mundo das mulheres e alcançar a cidadania plena.52 Para alcançar esse empoderamento é necessário, conforme a autora: a) reconhecer nas mulheres a legitimidade e a autoridade. A cultura patriarcal não reconhece uma autoridade legítima das mulheres. Trata-se de reconhecer o poder como algo positivo, que não se aproxime do autoritarismo e nem de dicotomias entre superior e inferior; b) construir a sororidade entre as mulheres. Essa palavra se aproxima do conceito de fraternidade que propõe sermos irmãs e irmãos na luta. Seu fundamento está em um reconhecimento mútuo da autoridade das mulheres, seja no nível individual ou coletivo. A autoridade é vista aqui como um bem simbólico de enfrentamento às justiças cometidas contra as mulheres ao longo da história. A questão é se unir, não para pensar da mesma forma, mas simplesmente para pensar. De igual forma, para lutar, para utilizar a palavra, para se manifestar. Para a autora, sem autoridade não há condução da própria vida, das organizações ou dos movimentos sociais. A autoridade está, assim, baseada no princípio de respeito à experiência vivida que reconhece a biografia e a etnografia de grupos; c) especificidade e tolerância. Significa que a especificidade de cada mulher ou de cada grupo não gera problemas com a unidade, mas, sim, permite reconhecer a diversidade. Permite reconhecer um empoderamento coletivo para enfrentar demais poderes em uma sociedade. Já a tolerância nos ensina a respeitar as diferenças. Tolerar é reconhecer e tolerar a diferença quando não estamos de acordo com ela. A autora se aproxima do conceito de democracia, de respeitar opiniões diferentes; d) a capacidade de representação das mulheres. Implica reconhecer a força simbólica das mulheres, que elas têm vida própria e podem assumir cargos políticos e representar as mulheres em processos de disputa e de voto. É exercer cidadania, eleger uma representante que lute pelos direitos das mulheres. Conceito de cidadania se aproxima do conceito de sociedade civil, como um espaço de participação democrática frente ao Estado. (LAGARDE, 2011).

A autonomia também caminha em direção similar ao empoderamento. Lagarde (2005) refere-se à autonomia como uma parte da alternativa feminista de

52 É importante frisar que em Lagarde (2011) o conceito de cidadania e de autonomia apontam para

libertação. Autonomia é sinônimo de liberdade, também é histórica e deve ser analisada a partir das condições sociais, culturais e simbólicas de cada sujeito. Estamos construindo a autonomia ao mesmo tempo em que nos identificamos, em que nos reconhecemos como mulheres, como sujeitos. Ademais, quando há o reconhecimento e a decisão acerca da necessidade das mulheres terem autonomia, modificam-se as estruturas identitárias históricas nas relações de gênero. Desse modo, pode-se dizer que a autonomia não é uma questão natural, mas ela vai se constituindo nos movimentos sociais.

Lagarde (2005) também faz um alerta e ressalta que há diferenças entre independência e autonomia. De acordo com a autora, podemos ser mais ou menos dependentes, contudo, isso não significa sermos autônomas. A autonomia modifica culturas simbólicas e estruturas sociais de poder. Significa ser humana, com poder de decidir sobre o corpo, alcançar direitos civis, estar em um patamar de igualdade com os homens. Autonomia caminha na direção de libertar-se dos estereótipos impostos pela sociedade patriarcal, libertar-se das amarras que a moral e os valores impõem, é ter liberdade para decidir sobre a própria vida. É ser atriz, protagonista de sua própria história! Significa, conforme Lagarde (2005, p. 88, tradução nossa), ser autora de sua própria vida.

Ser autora da própria vida significa ter e, se não temos, devemos adquirir recursos para compreender a vida desde um outro lugar que não seja a cultura dominante; desde um outro lugar que está distante das ideologias que legitimam a opressão, de modo que se possa reinterpretar a nossa própria vida. Esse outro lugar é a cultura feminista.53

O feminismo, na visão da autora, é um conceito que significa movimento, que está em constante transformação e reconstrução. Por isso, construir a autonomia das mulheres passa por algo que não conhecemos e também não se trata de recuperar algo que tínhamos. O método de construção da autonomia passa, necessariamente, por processos de desconstrução. Desconstruir significa ter um olhar crítico acerca das questões culturais e sociais que contribuíram historicamente

53 "Ser autoras de la propia vida significa tener y, se no tenemos, debemos adquirir los recursos para

comprender la vida desde otro lugar que no sea la cultura dominante; desde otro lugar que es fuera de las ideologías que legitiman la opresión y que nos permitan reinterpretar nuestra propia vida. Ese otro lugar es la cultura feminista." (LAGARDE, 2005, p. 88).

para a construção de uma identidade opressora do gênero feminino. Nesse sentido, concordamos com Lagarde (2005, p. 109, tradução nossa) ao discorrer sobre o método de construção da autonomia:

O método feminista para construir o poder e a autonomia das mulheres implica todos os dias desaprender o que já sabemos ser e como deve ser, o que as coisas querem dizer. Perpassa por desaprender a nossa visão tradicional do mundo e das habilidades incorporadas em nós para viver tradicionalmente.54

A autonomia, o empoderamento, o ser humana, também perpassa pela vertente da autoestima. Entretanto, a visão trazida por Lagarde (2000) sobre autoestima vai além de uma atribuição natural a problemas de segurança ou confiança de ordem pessoal, ou então, sobre o fato de precisar de autoestima para alcançar metas ou algo nesse sentido. O conceito apresenta-se em uma perspectiva feminista, ou seja, a reflexão gira em torno das condições de vida das pessoas. Ao melhorar as condições, melhora-se também cada ser humano em nível pessoal e coletivo. É provocar mudanças que afetam o nível da subjetividade, construindo novos jeitos de ser mulher, desse modo, compreende-se a autoestima como um modo de vida. Conforme Lagarde (2005, p. 30, tradução nossa): "Como prática de vida, a autoestima é o modo em que vivemos e convivemos e também onde experimentamos a nossa existência, nossa corporalidade, nossa forma de reagir e de nos relacionarmos."55

A autoestima também se vê afetada pelas opressões de gênero uma vez que historicamente as mulheres depositaram a sua autoestima ao conformarem-se em seres para os outros. O modo de vida, a maneira de ser, estava afetada pela discriminação, pela subordinação e pela violência. É por isso que na perspectiva feminista o termo “autoestima” aproxima as mulheres do cuidado de si, da valorização do corpo e do exercício de seus direitos como cidadã.

54 "El método feminista para construir el poderío y la autonomía de las mujeres implica – todos los

días – desaprender lo que ya sabemos ser y cómo debe ser, lo que las cosas quieren decir. Pasa por desaprender nuestra visión tradicional del mundo y las habilidades desarolladas en nosotras para vivir tradicionalmente." (LAGARDE, 2005, p. 109).

55 "Como práctica de vida, la autoestima es la manera en que vivimos y convivimos, y también en la

que experimentamos nuestra existencia, nuestra corporalidad, nuestras formas de reaccionar y de relacionarmos." (LAGARDE, 2000, p. 30).

Lagarde (2000) ressalta que a autoestima requer abordar o seu reconhecimento em dois sentidos: o primeiro deve englobar a dimensão de autoidentidade; o segundo deve considerar que faz parte de um cotidiano de vida. Cada mulher, contudo, necessita criar suas próprias formas de autoestima, revisitando a sua autoidentidade por uma perspectiva feminista. A autora sugere que é possível utilizar-se de métodos de participação coletiva, de seminários e de oficinas de Educação Popular. A autoestima se fortalece, no entanto, quando cada mulher luta pelas causas igualitárias e vislumbra esperanças e utopias de um sonho possível de mudança.

Nessa perspectiva, ao falarmos em ser humana, em empoderamento, em autonomia e em autoestima estamos falando também em espaços de luta coletivos de desconstrução da opressão, da feminização da pobreza, da violação dos direitos

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