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EFEITOS DA RELIGIOSIDADE NA VIDA EM COMUNIDADE E NA CONSTITUIÇÃO DE IDENTIDADES CULTURAIS E RELIGIOSAS

O terceiro capítulo desta tese evidencia aspectos da colonização alemã, sua relação com a religiosidade e com os movimentos sociais, relacionados com o município de Santo Cristo. Inicialmente, esboçaremos de que forma a religiosidade teve influência na colonização alemã e como esteve presente na organização e na constituição das identidades da comunidade e das mulheres migrantes alemãs. Após, elencaremos os laços de cooperação e organização comunitária estabelecidos por meio da ligação religiosa entre as pessoas. Na sequência, será abordada a importância da religiosidade e da Teologia da Libertação nas lutas e no sindicalismo local, contextualizando, assim, o Movimento de Mulheres Agricultoras de Santo Cristo. Por fim, apresentamos a pesquisa empírica a partir das entrevistas realizadas para tentar evidenciar os efeitos da religiosidade na vida das mulheres agricultoras.

3.1. Aspectos da vida comunitária no município de Santo Cristo e efeitos da religiosidade na organização de entidades coletivas

A vida em comunidade é um dos marcos da organização do município de Santo Cristo. Com influência da Igreja Católica e da colonização alemã59 foram se

constituindo as identidades culturais e religiosas de um povo que teve na organização comunitária, desde o seu início, a inspiração para a vida e para as lutas. Nesse contexto de colonização da referida cidade e, diante das precariedades encontradas neste processo, algumas características foram ressaltadas na vivência coletiva. A primeira delas que merece destaque foi a união em torno da religião católica, uma vez que as pessoas que colonizaram esse espaço eram desta origem religiosa. Outro fator de fundamental importância foi a dedicação ao trabalho, tendo em vista que os habitantes vieram para o Brasil com o intuito de construir uma vida

melhor do que tinham em seus países e, ao chegarem, tudo era floresta. Isso demandou que essas pessoas precisassem trabalhar muito e as famílias estarem permanentemente unidas. Diante dessa situação, a organização da comunidade como um espaço coletivo de vivências e ajudas mútuas se fazia extremamente necessária. Por isso, de acordo com Büttenbender (2011, p. 53) "Santo Cristo construiu sua história com base na fé em Deus, no amor ao trabalho e à família e na organização da comunidade."

A religião, por sua vez, exerceu influência na organização de uma comunidade originada da imigração alemã. Foi por meio do Projeto de Restauração da Igreja Católica60 que se deu início à implantação das pequenas comunidades

rurais.Santo Cristo foi um exemplo de criação dessas comunidades rurais. Relatos históricos apontam que nesse local reuniram-se em torno de 120 a 150 famílias de migrantes que possuíam pequenas extensões de terras. No centro dessas propriedades foram criadas uma capela, uma escola e um clube social. (KREUTZ, 1991). O objetivo principal era a socialização da vida e o convívio cultural e religioso entre as pessoas. De acordo com Büttenbender (2011), a fé e o espírito de organização impulsionou a vinda das primeiras famílias de origem alemã, oriundas de municípios da Colônia Velha.61 Os migrantes mudaram então para a Colônia

Nova,62 onde Santo Cristo estava incluída. Essa corrente migratória deu-se em

virtude do aumento do número de famílias e do baixo poder aquisitivo para comprar terras.

Os colonos que acorreram às novas terras eram na maioria absoluta de descendência étnica alemã, caracterizando-se por uma forte tradição religiosa do credo católico. A referência à tradição e religiosidade do povo faz sentido, neste contexto, uma vez que se constituíram fatores determinantes na organização e desenvolvimento da referida região. (SCHALLENBERGER; HARTMANN, 1981, p. 84).

60 De acordo com Kreutz: "[...] os jesuítas se apoiaram basicamente em três núcleos de ação: a) na

acentuada difusão da imprensa; b) no associativismo, isto é, numa ampla rede de organizações e associações religiosas e culturais, de Assembléias Gerais e Regionais de Católicos, da criação dos órgãos de assistência para integrar a vida sociocultural e econômica no prisma religioso; c) na escola e no professor paroquial." (1991, p. 65).

61 Denomina-se Colônia Velha os municípios que receberam os primeiros imigrantes alemães por

volta de 1824, tais como no Rio Grande do Sul, os municípios de São Leopoldo, Novo Hamburgo, Lajeado.

62 Colônia Nova designa a migração que houve após a chegada nas primeiras Colônias (Velhas).

Vários municípios da Região Fronteira Noroeste foram ocupados por famílias migrantes das Colônias Velhas, inclusive Santo Cristo.

Essa população migratória teve atuação nas "associações Volksverein e Bauerverein, sensíveis aos interesses individuais, espirituais e materiais dos colonos germânicos." (RUEDELL, 2011, p. 72, grifos da autora). Desse modo, fortaleceram- se as associações populares (Volksverein)63 e as associações de agricultores

(Bauerverein) com influência direta da Igreja Católica. De acordo com Werle (2000, p. 20, grifos do autor):

A referência à “boa identidade do povo”, ao Volkstum e a religiosidade católica se faziam freqüentemente presentes nos discursos e nas práticas da Volksverein. A importância de se preservar a língua alemã dos colonos, a necessidade de seus filhos freqüentarem a escola para não perderem sua religiosidade e “regredir à superstição", a importância de participar das associações como forma de manter “o espírito comunitário” e o cooperativismo como fórmula de desenvolvimento econômico, eram os principais pensamentos sociais que norteavam as práticas dos jesuítas (....) Isto permite pensar que as práticas dos agentes religiosos, bem como as representações acerca do mundo social, mobilizadas em seus discursos, visando atender um grupo social específico, cuja fronteira baseava-se num princípio étnico.

Sem dúvida, nesse contexto, um personagem típico da colonização alemã no Sul do Brasil necessita ser citado e conjunturado, dada a sua importância na organização das comunidades. Trata-se do professor paroquial. "Ele foi um elemento de unificação, um agente de síntese e promoção das percepções do grupo humano na qual se inseria ativamente, seja no campo social, político, religioso e cultural." (KREUTZ, 1991, p. 7). Tinha como missão ensinar, educar e também manter vivos os valores religiosos e culturais com a finalidade de fortalecer a comunidade em que estava inserido. Era uma espécie de mediador entre Deus e comunidade, sua função era tida como uma vocação.

O professor paroquial é investido de uma missão sagrada, é portador da salvação e do bem-estar para a comunidade à qual serve. Sendo que sua missão não lhe é delegada pelo Estado, mas recebe-a de Deus através da Igreja, então, somente a ela deve prestação de contas. (KREUTZ, 1991, p. 94).

A vida nas comunidades originadas da imigração alemã girava em torno de um coletivo, de uma comunidade que primava pelo fortalecimento da conexão

63 De acordo com a entrevistada 6, as organizações Bauerverein e Volksverein tinham, em Santo

escola64 e Igreja. É a partir de um coletivo que se impulsionava o sentido da vida e

da convivência nessas localidades. Conforme a entrevistada 6, havia uma relação intrínseca entre a religiosidade e a vida em comunidade:

Pra mim a religiosidade e a vida social estavam tão interligadas que quase não daria pra separar. Isso era um trabalho tão conjunto, a vida da comunidade praticamente se organizou na questão religiosa, porque a própria colonização para o pessoal poder se organizar pras colônias no estatuto estava que era necessário ter um pastor ou um padre e no caso aqui em Santo Cristo por ser católica tinha que estar presente o padre. Assim, eram constantes os trabalhos voluntários de construção (escola, Igreja, salão de festas, etc.), a limpeza de espaços como o cemitério e a conservação das estradas. "O centro desta organização física de uma comunidade rural era a vila, planejada para concentrar a administração, o comércio, as atividades artesanais, e especialmente a escola e igreja (tendo um cemitério em anexo) e, mais recentemente um salão de festas." (KREUTZ, 1991, p. 58).

No quesito de organização familiar, as mulheres desempenhavam um papel dentro e fora de casa. Conforme Kreutz (1991), seus afazeres davam conta da criação e da educação dos filhos e também garantiam sua participação no trabalho da roça e no cuidado com os animais. Rohde (1996, p. 192, tradução de Gisela Lermen) faz referência às diferentes jornadas de trabalho a que as mulheres eram submetidas. Desde o trabalho pesado na roça até a dedicação com a família e o trabalho no lar. De acordo com a autora:

Eu as via ajudar cortar de traçador (Trummsäge), os troncos mais grossos, tábuas e vigas para suas casas, até na montagem e construção dos seus casebres eu as via botar mão. E quando terminava a jornada pesada, e no silencioso casebre colonial toda a família já fora descansar, muitas vezes perto do fogão ainda ardia a luzinha de banha e a incansável mãe se debruçava sobre a roupa a ser remendada da sua família, porque não podia sacrificar para isso o seu precioso dia de trabalho.

A realidade da vida das mulheres agricultoras migrantes alemãs também foi retratada por Herwig (1984, p. 78-79, tradução de Gisela Lermen), que constata

64 Geralmente eram os filhos dos agricultores migrantes alemãs que frequentavam a escola. De

acordo com a entrevistada 6: "O padre juntamente com os moradores fizeram os estatutos escolares. E o professor tinha que fazer uma profissão de fé na Igreja antes de assumir as aulas na escola paroquial".

certa indignação com o excesso de trabalho e com as obrigações diárias impostas às mulheres.

Ela é a primeira que se levanta de manhã, faz o café, prepara as crianças para ir à escola, cuida das galinhas e dos porcos, leva o leite para fora e quando os pequenos serviços da casa são terminados, ela segue o marido para a roça e o ajuda na plantação, para, depois, outra vez, sair correndo, para preparar o almoço, lavar louça, controlar as tarefas de casa das crianças, para logo depois ir com o marido para a plantação.

Além da divisão de trabalho, neste caso a agregação da atividade braçal, havia também a definição de atributos às mulheres, ou seja, ela estava mais próxima da emoção do que da razão. Isso nos faz crer que existia uma relação mais intrínseca das mulheres com a religiosidade, o que, entretanto, ficou visível com mais destaque pela relação afetiva e emocional. Dessa forma, "o simbolismo do coração assim como, em particular, a idéia de desagravo, fizeram com que o culto ao Coração de Jesus correspondesse ao perfil do gênero feminino." (LERMEN, 2004, p. 180). Essa proximidade do ser feminino com a religiosidade faz com que as mulheres incorporem a missão de transmitir aos filhos(as) os valores e ensinamentos da fé cristã.

A manutenção e a propagação da fé cristã nas comunidades dependia essencialmente da participação das mulheres, pois elas se constituíam como a maneira mais eficaz de sua sustentação. Diante do exposto, Gierus (2006, p. 49), afirma que a religião "carrega a natureza e a essência do ser mulher, do feminino, e por isso é tão mais complexo romper, soltar, mudar. [...] Então, além de mães da nação, de trabalhadeiras e de guardiãs da cultura, são, também, as propulsoras da fé cristã."

Nesse contexto de participação e espaços destinados às mulheres vale destacar a criação da Associação Católica de Mulheres, uma espécie de espaço de honra cedido pela escola do Volksverein. A justificativa era que o homem precisava de uma auxiliar ou, então, de uma acompanhante para participar da associação.

A posição que a mulher deve ocupar no mundo, Deus mesmo a determinou na criação da mulher, quando disse: Não é bom que o homem esteja sozinho. Vou fazer pra ele uma auxiliar. Pois, ser auxiliar do homem, isso é a destinação da mulher. E em geral, as nossas mulheres de colonos estão cumprindo essa vocação, fielmente. [...] Somente na vida associativa, as nossas mulheres de colonos e as moças estão um pouco atrasadas. Embora o Volksverein apresente entre seus membros, também, certo

número de mulheres, a participação das mulheres no Volksverein até agora foi fraca demais, para que pudesse ter tido influência especial. (PAULUS, 1926, p. 1.2).

Assim, também, conforme as normas e valores expressos pela Igreja Católica, "a família foi um espaço de rastreamento da conduta, do poder paternal e da mulher piedosa, do ascetismo ao sexo e do culto aos santos." (EIDT; SILVA JÚNIOR, 2011, p. 21). Por outro lado, a Igreja desempenhava um papel fundamental na vida e no cotidiano das mulheres, de modo que celebrações e preparações para o advento ou, então, para a quaresma "marcavam a vida na família camponesa e nas comunidades rurais de maneira não menos expressiva que as estações da natureza." (LERMEN, 2004, p. 2). Outros momentos que cercearam a vida das mulheres de origem alemã e nos quais destaca-se a presença da Igreja são os rituais e sacramentos, tais como o batismo, a primeira eucaristia, a crisma e o casamento. Lermen (2004) chama a atenção ainda ao sacramento da confissão que ajuda a manter as esferas familiar, religiosa, política, comunitária, matrimonial e sexual. Isso, claro, sob um viés de controle moral e social. A vida e o cotidiano das mulheres estão, assim, permeados pelos valores e modos de ser que a religião constitui. Isso tem a ver diretamente com a sua organização familiar que, a partir das influências religiosas de manter a família unida, prima pela educação dos filhos baseada nos princípios religiosos que almeja serem sujeitos honestos e trabalhadores.

As famílias, de modo geral, procuravam se estabelecer nessas pequenas comunidades levando em consideração uma vida de trabalho e de esforço para a sobrevivência, mas, também, uma vida conforme o ritmo da natureza. No campo, “Hábitos e costumes seguem uma cadência diferenciada, na qual as transformações estão atreladas às possibilidades apresentadas pela natureza.” (BAGLI, 2010, p. 83). Além disso, constituía-se nesse ambiente social um espírito de fraternidade e solidariedade embasado na ajuda mútua.

Numa comunidade podemos contar com a boa vontade dos outros. Se tropeçarmos e cairmos, os outros nos ajudarão a ficar de pé outra vez. Ninguém vai rir de nós, nem ridicularizar nossa falta de jeito e alegrar-se com nossa desgraça. Se dermos um mau passo, ainda podemos nos confessar, dar explicações e pedir desculpas, arrepender-nos se necessário; as pessoas ouvirão com simpatia e nos perdoarão, de modo que ninguém fique ressentido para sempre. E sempre haverá alguém para nos dar a mão em momentos de tristeza. (BAUMAN, 2003, p. 9).

Percebe-se, assim, a força de uma comunidade organizada e estruturada com objetivos comuns constituídos pela influência da Igreja e dos mecanismos sociais e culturais. Isso mostra que "todos nos entendemos bem, podemos confiar no que ouvimos, estamos seguros a maior parte do tempo e raramente ficamos desconcertados ou somos surpreendidos." (BAUMAN, 2003, p. 8). Não há de se negar também que eventualmente há situações conflituosas, porém elas são resolvidas na própria comunidade. Brüggemann e Riehle (1986, p. 195, tradução nossa) retratam um pouco de como normalmente se age nesse caso:

As contradições são visíveis, mas não estão articuladas e nem são discutidas. Pelo contrário, entra-se em acordo entre si, cada qual à sua maneira de forma semelhante. [...] Resolver conflitos na aldeia exclui a repressão ou tudo que vem do exterior da mesma, isso confirma que tudo que vem deveria ter vindo mesmo, como uma obrigação. Os conflitos não são percebidos, porque simplesmente eles não existem. [...] Oficialmente os conflitos mais conhecidos na aldeia familiar são em função da inveja em torno da propriedade, o que pode gerar discórdia.65

Isso nos faz afirmar novamente a força existente nas comunidades rurais. É a experiência de cada um que forma um grupo social. Por intermédio da socialização de vivências é que as identidades vão se constituindo socialmente e culturalmente. "Na convivência e na troca com o/a outro/a, estabelecem-se relações, que alimentam o espectro do que caracteriza um sujeito, do que o identifica." (GIERUS, 2006, p. 31). Desse modo, muitas vezes, os conflitos são ocultados, porque são resolvidos no próprio espaço e não há o mínimo interesse de que eles sejam externados. A unidade familiar está acima de tudo, inclusive dos interesses econômicos externos, pelo menos até onde o embate é possível por meio da resistência. Isso é refletido na convivência e nas formas de organização da vida de homens e mulheres que ali residem e convivem.

A vida do agricultor foi assim caracterizada pela unidade da vida familiar e da produção. Os limites econômicos da economia camponesa tradicional obrigaram o alinhamento de todas as áreas essenciais da vida rural no que

65 "Widersprüche werden zwar gesehen, aber nicht artikuliert, geschweige denn diskutiert. Vielmehr

arrangiert man sich mit ihnen, und zwar jeder für sich, alle in ganz ähnlicher Art und Weise. (...) Konflikte lösen heißt also im Dorf, sie ausklammern bis zur Verdrängung oder bis zu irgendeiner Lösung, die von außen vorgegeben wird, die dann auch wieder bestätigt, dass alles so kommt, wie es kommen muss. Da Konflikte nicht wahrgenommen werden, gibt es eben keine. (...) Öffentlich bekannte Konflikte im Dorf entzünden sich immer wieder am Besitz und dem daraus entstehenden Neid bzw. Streit." (Brüggemann; Riehle, 1986, p. 195).

diz respeito às condições e necessidades de produção. Esta organização estrutural foi fundamental para a vida em comunidade dos agricultores. (ROSENBAUM, 1982, p. 58, tradução nossa).66

É perceptível que, nessa forma de organização de vida, em sua grande maioria, os valores e formas de ser e de agir passam a ser condicionados pela família, pela Igreja e pela escola, instituições centrais que constituem as identidades das pessoas. "Assim, o mundo, limitado e restrito, limitou possibilidades e serviu como ponto de estrangulamento, gerações inteiras foram vítimas do silêncio e do debate impermeável." (EIDT; SILVA JÚNIOR, 2011, p. 22). Esses espaços de legitimação cultural e social foram apresentados como únicos e detentores da verdade. Desse modo, no início da imigração alemã no Brasil, "a Igreja se constituía numa unidade poderosa em torno da qual tudo se ramificava." (EIDT; SILVA JÚNIOR, 2011, p. 25). Esse isolamento social ocasionado pela formação dessas comunidades fez com que houvesse uma aglutinação em torno da família e da vida em comunidade, mas também intensificou a força religiosa nesse meio.

A religiosidade dos colonos parece mesmo ter aumentado, em virtude, sem dúvida, da coesão familiar e do controle exercido pela comunidade dentro do relativo isolamento de sua vida pioneira. A importância da vida religiosa nas colônias assinala-se, pois, pela profunda piedade individual e até mesmo pelo misticismo, assim como pelo papel das comunidades culturais do lugar e pelo vínculo da religião com a consciência étnica. (ROCHE, 1969, p. 671).

Essa dita "harmonia" existente nas comunidades impulsionada pelos valores cristãos com vistas a manter a família unida nem sempre prevaleceu. O novo sistema produtivo e de organização de trabalho estimulado pela mecanização e pelos ditames da competitividade trouxe um novo cenário na organização da vida e do cotidiano dessas famílias. O processo de industrialização da agricultura fez com que os filhos de agricultores migrassem para a cidade e se tornassem operários. A partir de então, o cenário passa a ser outro: "Os hábitos, normas, conduta e comportamento são ditados pelas empresas hegemônicas e pela sociedade de

66 "Das bäuerliche Leben war mithin charakterisiert durch die Einheit von familienleben und

Produktion. Die ökonomische Enge der traditionellen bäuerlichen Wirtschaft erzwang die Ausrichtung aller wesentlichen Bereiche des bäuerlichen Lebens auf die Bedingungen und Bedürfnisse der Produktion. Diese strukturierten infolgedessen grundlegend das Zusammenleben der Menschen auf dem Bauernhof." (ROSENBAUM, 1982, p. 58).

consumo, e antigos valores são vistos com estranheza pelos mais jovens." (EIDT; SILVA JÚNIOR, 2011, p. 49).

Isso significa que os valores e costumes tão propagados pela religião cristã, que antes estavam introjetados na comunidade, passam a ser ressignificados pelos novos valores da economia e da globalização. "A submissão às novas regras da economia desarticula identidades e cria outras, submetendo as pessoas, o seu trabalho, a sua vida social, religiosa e a sua cultura, com tradições novas e inventadas em torno do grupo constituído." (EIDT; SILVA JÚNIOR, 2011, p. 49). Essa mudança de conjuntura na organização dessas comunidades rurais fez com que, entretanto, surgissem movimentos de resistência, seja pela imposição da Igreja, ou em contraponto à nova ordem capitalista de uma nova economia que, aos poucos, se instaurava.

Se analisarmos, por exemplo, pelo viés das mulheres, elas passaram a se organizar na luta por direitos e mudança de concepções culturais e sociais impostas principalmente pela religião patriarcal. Isso fez com que a visão tradicional de religião (como ir à missa, participar da leitura da Bíblia e de grupos de orações), também fosse ressignificada. Isso não quer dizer que tenha sido abandonada totalmente a visão da tradição, contudo, novas possibilidades passaram a fazer parte do cotidiano das mulheres. Ou seja, elas passaram a identificar na religiosidade um instrumento de força para as suas lutas, ao mesmo tempo em que serviu como propulsora para o seu empoderamento pessoal, como uma

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