• Nenhum resultado encontrado

Autonomia para aprender: o papel dos professores na formação da autonomia

4. Estudo I – satisfação, autonomia e competências digitais dos estudantes que usam as plataformas

4.1.3. Autonomia para aprender: o papel dos professores na formação da autonomia

Investigar sobre a autonomia dos estudantes que fazem uso das ferramentas de

elearning das plataformas LMS é uma tentativa de compreender as novas formas de aprender e ensinar, instauradas na cultura digital, que por ampliar e diversificar as fontes legítimas de construção dos saberes, faz uso de outros discursos e aos poucos estabelece outras práticas, pautadas em modelos pedagógicos mais progressistas e mais comprometidos com a formação de competências para um domínio do conhecimento de forma independente e ligado à

capacidade de reflexão.

É importante ressaltar, como explica Nóvoa (1991), que as expressões do discurso educacional, como competências, estratégias, objetivos - importadas do universo da gestão - são conceitos que impõem novas formas de pensar e novas práticas pedagógicas, pautadas no aproveitamento educativo de todas as situações do cotidiano escolar, não apenas antecipando- se às imprevisibilidades, mas sabendo tirar proveito delas.

Nóvoa (2007) defende a prática pedagógica que legitima os saberes e autonomia docente e coloca os professores na condição não só de executores, mas também de criadores e inventores de instrumentos pedagógicos, e entende o fazer docente como uma atividade constante de produção e invenção. O autor diz que é a partir de uma intervenção autónoma dos professores que se forma uma autonomia nos estudantes.

Assim sendo, a análise da autonomia neste trabalho é pautada na crença que, como defende Nóvoa (2007), no século XXI os professores reaparecem como elementos

insubstituíveis não só na promoção da aprendizagem, mas também no desenvolvimento de métodos apropriados de utilização das tecnologias.

Nóvoa (2009) defende ainda que a autoridade do professor constitui o ponto central de qualquer debate pedagógico e que esta autoridade conquista-se através do esforço continuado na construção de um espaço educativo como um lugar de diálogo e de trabalho.

Como o professor pode revestir-se desta autoridade para ensinar, sendo capaz de se tornar criador e inventor de instrumentos pedagógicos? E mais do que isso, como pode contribuir para a construção da autonomia dos estudantes?

Inicialmente, importa definir o conceito de autonomia que estamos tratando e, a partir dele, refletir sobre modelos pedagógicos que tem como base este conceito e as possibilidades de uso da plataforma LMS que favoreçam a construção da autonomia dos estudantes.

Autonomia é um termo de origem grega αὐτόνομος autonomos de αὐτο- auto- "de si mesmo" + νόμος nomos, "lei", "aquele que estabelece suas próprias leis". O termo que foi introduzido na filosofia por Kant que define: "Servir-se da sua própria razão é ser autónomo e, portanto, livre”. Kant indica que a autonomia da vontade é a propriedade mediante a qual a vontade constitui uma lei por si mesma. Em contrapartida, a heteronomia da vontade

constitui, no entender do dito autor, a origem dos princípios inautênticos da moral (Mora, 1952).

Theodor Adorno (1903-1969), filósofo e sociólogo alemão, um dos fundadores da Escola de Frankfurt, amparando-se nas ideias de Kant, defende que a educação demanda pessoas autónomas e emancipadas, preparadas não apenas para se adaptarem ao mundo e se orientarem nele, mas também para resistir e transformá-lo (Adorno, 1986).

Para Adorno, o ponto central da construção da autonomia é o esclarecimento. Ele diz que a formação da autonomia intelectual é fundamental nas sociedades democráticas, mas que infelizmente a educação para a dependência segue dominando no mundo.

O autor defende que o indivíduo autónomo não é aquele que não está sujeito a nenhum tipo de autoridade, que se rebela contra todo tipo de autoridade, ao contrário. Apresentando um estudo feito por Else Frenkel-Brunswik com crianças americanas, o autor argumenta que indivíduos mais submetidos à autoridade de pais e professores tornaram-se adultos mais autónomos e críticos (Adorno, 1986).

Para Adorno, a autoridade é um pressuposto necessário no processo de

amadurecimento para a autonomia, ressaltando que esta autoridade não pode ser pautada no autoritarismo. Adorno defende que a educação não é a mera transmissão de conhecimentos, mas a produção de uma consciência verdadeira. O autor advoga ainda que a educação deve evitar a barbárie e buscar a emancipação humana, criando condições para que os indivíduos, socialmente, conquistem a autonomia (Adorno, 1966).

Manuel Castells, sociólogo espanhol que na atualidade discute as mudanças na

sociedade a partir da inserção das novas tecnologias de comunicação em rede, também critica a ação educativa pautada na transferência de conhecimento. Defende que o papel da educação na sociedade em rede é o de formar o indivíduo para o empoderamento intelectual, a

capacidade de mobilizar a informação disponível na internet para produzir conhecimentos a partir da interação e cooperação.

Em seu livro Redes de Indignação e de Esperança, dedica um capítulo à autonomia (Castells, 2013) tratando de como as formas de comunicação da sociedade em rede

instaura o espaço da autonomia, um híbrido do ciberespaço e do espaço urbano, criado recentemente a partir do uso das tecnologias e das práticas de apropriação.

Castells salienta a necessidade de uso da comunicação em rede por professores e estudantes, ampliada significativamente nos tempos atuais a partir dos dispositivos móveis, que viabilize a construção do conhecimento com base na interação e colaboração. A partir da análise dos movimentos sociais recentes no mundo, o autor chama a atenção para as

mudanças de mentalidade sobre a sociedade, a política, a educação e a autonomia dos indivíduos, ressaltando que tais mudanças nos podem conduzir para o surgimento de novas formas de representação da democracia.

Paulo Freire (1921-1997), educador e filósofo brasileiro, defensor da Pedagogia Crítica, traz igualmente nos seus estudos a autonomia, a humanização e consideração da autoridade do professor como critérios importantes para a emancipação humana. Freire discute a necessidade de autonomia, tão presente nos atuais discursos, não como mecanismo para o individualismo e a competitividade, mas fundamentada na formação docente e na reflexão do professor sobre a sua prática educativa.

Em um dos seus livros, Pedagogia da Autonomia, Freire (1999) apresenta princípios para a ação docente na construção da autonomia com os estudantes, elencando alguns saberes que considera fundamentais.

Freire analisa a autonomia no contexto educativo, indo além do conceito e dos seus aspetos subjetivos, observando os reflexos da autonomia na prática pedagógica e apontando caminhos para a ação docente condizente com a autonomia que defende, alicerçada na ética, na competência do professor e na solidariedade. Por estes motivos, neste estudo, optou-se por refletir de maneira mais aprofundada, sobre a construção da autonomia dos estudantes, a

partir de estratégias de ensino dos professores, relacionando os fundamentos de Freire com as possibilidades de ação docente nas plataformas LMS.

Figura 10: Pedagogia da Autonomia: princípios necessários à prática educativa.

Freire, em Pedagogia da Autonomia, estabelece princípios sobre os quais a autonomia deve ser construída (Figura 10):

1º Não há docência sem discência;

2º Ensinar não é transferir conhecimento; 3º Ensinar é uma especificidade humana.

O autor deixa claro que na sua discussão sobre a autonomia, a formação docente e a reflexão sobre a prática educativa progressista em favor da autonomia dos estudantes são temas centrais. Ancorados em cada um dos princípios, Freire estabelece algumas exigências necessárias para ensinar e conduzir os estudantes para a construção da autonomia. Em cada uma das exigências o autor apresenta argumentos que justificam a sua necessidade na prática docente, e deixa claro que as exigências não surtem efeito isoladamente, mas que estão intimamente relacionadas e que se complementam.

No primeiro princípio, “Não há docência sem discência”, o autor argumenta que aprender precede ensinar e que ensinar inexiste sem aprender.

Figura 11: Primeiro princípio para a construção da autonomia segundo Paulo Feire.

Freire enfatiza a necessidade de formação permanente do educador e de compromisso deste com a reflexão crítica sobre a prática. Ao afirmar que “não há docência sem discência”, Freire discute aspetos mais diretamente relacionados à ação do professor e suas estratégias de ensino, apresentando algumas exigências necessárias para a prática educativa comprometida com a formação da autonomia (Figura 11).

O segundo princípio para a construção da autonomia é dedicado a um dos

fundamentos do pensamento freireano: Ensinar não é transferir conhecimentos mas criar as possibilidades para a sua construção ou a sua produção.

Para este princípio, o autor estabelece exigências mais diretamente relacionadas com a postura do professor em relação aos estudantes e com a sua capacidade de mudança (Figura 12). Freire alerta para a necessidade de bom senso no exercício da autoridade do professor que respeite a autonomia dos estudantes, sua dignidade e sua identidade. Também defende que os estudantes participem da avaliação da prática educativa dos professores e chama atenção para a necessidade destes terem condições favoráveis para o trabalho.

Não há docência sem discência Rigorosidade metódica Pesquisa

Respeito aos saberes dos educandos Estética e ética

Criticidade

Corporificação das palavras pelo exemplo Risco, aceitação do novo e rejeição da

discriminação

Reflexão crítica sobre a prática

Reconhecimento e assunção da identidade cultural ensinar

Para Freire, a aprendizagem dos estudantes deve ser a favor não apenas da adaptação destes à sua realidade, mas sobretudo de transformação e intervenção na mesma.

Figura 12: Segundo princípio para a construção da autonomia segundo Paulo Freire.

Por último, no terceiro princípio (Figura 13), Freire afirma que Ensinar é uma especificidade humana. Fundamenta o seu discurso na crença de que a autoridade do professor deve revelar-se na relação entre a liberdade dos estudante e sua segurança, competência profissional e generosidade.

Freire diz que ensinar exige disponibilidade para o diálogo, para a escuta do educando no sentido de ajudá-los a reconhecerem-se como arquitetando as suas próprias práticas de aprendizagem. O autor também alerta sobre a necessidade de discussão das condições anteriores e atuais das diferentes economias, ensinando que os avanços científicos e

tecnológicos não podem nos conduzir para a desesperança e defende que a prática educativa não se separa da afetividade, alegria, capacidade científica e domínio técnico a serviço da mudança.

Freire diz: “A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada… A autonomia vai se construindo na experiência de várias, inúmeras decisões que vão sendo tomadas... A pedagogia da autonomia tem de estar centrada

Ensinar não é transferir conhecimento

Consciência do inacabamento Reconhecimento de ser condicionado

Respeito à autonomia do educando Bom senso

Humildade, tolerância e defesa dos direitos dos educandos

Apreensão da realidade Alegria e esperança

Convicção de que mudar é possível Curiosidade

em experiências estimuladoras de decisão e de responsabilidade...em experiências respeitosas de liberdade” (Freire, 1999 p. 67).

Figura 13: Terceiro princípio para a construção da autonomia segundo Paulo Freire.

4.1.4. Autonomia segundo Paulo Freire e possibilidades de implementá-la através do uso