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Em Pirenópolis, desde o século XIX existiu um movimento local em torno de espetáculos de teatro que aconteciam na cidade, principalmente na ocasião das festas. Um indício desse movimento foram os artigos específicos dos códigos de posturas da cidade os quais, além de estabelecer normatizações para esses eventos, previam o pagamento de licença prévia à Câmara.50 Durante as primeiras décadas do século XX, a Câmara Municipal previa essas licenças em torno de 15$000 por noite de espetáculo de cinema ou de teatro, sendo que, se esses espetáculos fossem com fins religiosos, sem fins lucrativos ou em benefício de obras públicas, estariam isentos de taxas. Não verificamos altas arrecadações de espetáculos nos balancetes da Prefeitura de Pirenópolis: em alguns

anos não ultrapassaram os 30$000 anuais. Contudo, entendemos que esse movimento em torno do teatro e demais apresentações existia, embora não fosse com fins lucrativos. Essa dinâmica de questões esteve ligada à iniciativa de párocos e principalmente de famílias locais. Um exemplo disso é o primeiro teatro da cidade, que foi fundado em 1860 pelo comendador Manuel Barbo de Siqueira e que já no final do século XIX estava em ruínas. O segundo teatro, fundado em 1899, era propriedade de Sebastião Pompeu de Pina;51 como era localizado no largo da matriz, transformou-se em importante espaço de sociabilização local52. No início do século seguinte, em 1919, foi fundado por um pároco local, Pe Santhiago Uchôa, o terceiro teatro local, que depois recebeu o nome de Cine- Teatro Pireneus53, adquirido anos mais tarde por um particular. Foi palco de muitas peças locais, especialmente na ocasião de festejos religiosos.

Essas iniciativas particulares revelam que esses eventos eram importantes oportunidades de sociabilização, principalmente da seleta sociedade com a qual esses grupos familiares estiveram relacionados. O diário de Inhazinha mais uma vez nos oferece pistas dessas questões levantadas. Em vários relatos, afirmou gostar de ir a Meia Ponte para assistir a peças de teatro. Uma das vezes em que visitou a cidade, disse que voltou, depois de ter estado lá a menos de um mês atrás, para assistir a umas óperas. Na oportunidade, foi visitar o major Teodoro Baptista e à noite assistir um drama chamado de Ignez de Castro o qual considerou bem representado. No dia seguinte, 7 de junho, foi à ópera assistir a um drama de um monge, o qual julgou muito engraçado. No dia 8 assistiu novamente ao drama de Ignez de Castro.

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Art. Nº 75 do código de posturas de 1888.

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JAYME, Jarbas. Esboço Histórico de Pirenópolis. Pirenópolis, 1971 p. 152-153

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Este teatro tornou-se propriedade do patrimônio do Município, nos anos 70, e anos depois do tombamento da cidade como monumento nacional foi completamente restaurado; hoje é palco de um importante auto que acontece durante os festejos do Divino: As Pastorinhas.

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Outros aspectos que nos revelam essa dinâmica em torno do teatro são as várias apresentações durante os festejos do Divino. Entre tantas peças e autos podemos citar o drama “Demofonte”, representado em maio de 1837, em junho de 1878 e em 24 de maio de 1896. Outros dramas também foram representados, como “Aspásia”, em 3 de junho 1837, o “Fantasma Branco”, em 9 de junho de 1867 e em 24 de maio de 1885, juntamente com a “Estátua de Carne,” “O poder de Ouro” e “Graças a Deus”, em 24 de maio de 1874, para citar apenas alguns.54

Quase um século depois, o jornal o “Mensageiro”, que circulou em 1976, com matérias especiais sobre a festa do Divino, trouxe informações que demonstraram a importância dessas peças de teatro para a seleta memória histórica local, a partir de uma específica, julgada a mais famosa do lugar e que, por sua vez, era representada “nos tempos antigos”, por ocasião dos festejos do Divino, e inclusive o seria naquele ano.:

“ ARTAXERXES VOLTA AO PALCO

A ópera de Artaxerxes foi encenada em Pirenópolis, então Meia Ponte, no ano de 1846, com partituras e diálogos escritos por José Ignácio Nascimento. Em 1850 voltou a ser apresentada, tendo sido acrescentadas outras 3 árias ao conjunto, escritas pelo pe. João Gomes, durante a festa do Imperador capitão José Gomes de Siqueira.

Depois de longo tempo a peça voltou a ser apresentada ao público pirenopolino em 1891 e depois em 1916, no início deste século. Quando foi Imperador da festa, no ano de 1936, o Dr. Braz Wilson Pompeo de Pina voltou a apresentar a Ópera de Artaxerxes repetindo em 1952, quando a festa foi comandada por seu filho Pompeo Christovam de Pina.”55

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JAIME, Jarbas. Esboço Histórico de Pirenópolis p.p. 610-617

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O costume de representar peças e autos e de exibir filmes por ocasião dos festejos do Divino, difundiu-se por todo o século XX. No Programa de 195756 anunciavam-se sessões corridas e gratuitas com filmes especiais no Cine Pireneus, que tinha sido arrendado pelo Imperador. Nos dias 9 e 11 de junho, apresentação da revista as “Pastorinhas” e nos dias 10 e 12 apresentação da comédia “A família Linhares”, sob direção técnica de Benedito Pompeo de Pina.

Em 1969, além das “Pastorinhas” anunciava-se a apresentação do drama “O mundo não me quis” para os dias 26 e 28 de maio, sob a direção do Dr. Edgar Jayme57. Em 197258as “Pastorinhas” eram anunciadas sob a direção da professora Neves Bárbara Brandão. Em 197959 foi a vez da peça “Ópera Joco-Seria” em dois atos: “Guerras do Alecrim” e “Mangerona”, de Antônio José da Silva (judeu) além de tardes esportivas, inúmeras serenatas pela cidade e desfiles de danças típicas na porta da Matriz. Essas danças, tal como o programa apresentava, compreendiam Contradança, Catira, Lundu, Vilão, Súcia, Congada, Congos & Tapuias.

A apresentação de danças compôs a programação de muitas dessas festas. Nos anos 70 e 80, vários Imperadores promoveram verdadeiros festivais de danças “folclóricas”. Em 1979, todos os dias de festa tiveram danças “típicas” na casa do Imperador. Em 198060, além das inúmeras danças anunciadas nos anos anteriores, o Imperador prometia também catira na casa dos juízes da novena. Porém, já a partir dos anos 80, retiraram-se do programa as danças de Vilão e Súcia, conservando-se apenas as outras citadas.

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Ver anexo II

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Ver anexo III

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Ver anexo V

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Ver anexo VI.

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Em 198561, a programação anunciava, além das “Pastorinhas”, um torneio de catira e a peça “O Santo e a Porca” em vários dias. Neste ano, os grupos chamados de “folclóricos” se apresentariam no campo das cavalhadas, fazendo abertura daquele evento. Inúmeros fogos, mascarados e barraquinhas de leilões também eram esperados. Muitos outros eventos fizeram parte dos festejos do Divino de Pirenópolis e, como a maior parte deles foi e ainda é de iniciativa de grupos particulares, variaram muito de ano para ano62. Até uma revoada de pombos fez parte da programação de uma dessas festas63. A música e o teatro foram elementos chaves desses festejos; sem eles possivelmente, aos olhos de muitos, a festa não teria o brilho e o prestígio necessários.

Entre todos esses autos e danças, o que conseguiu definir o seu espaço na festa como legítimo foi o drama “As Pastorinhas”.

A obra de Jarbas Jaime, publicada nos anos 70, apresenta a versão de que, no início dos anos 20, um telegrafista nordestino que visitava Pirenópolis encenou a peça “As Pastorinhas”64: auto próprio do Natal e muito difundido no Nordeste. Porém, como não quis emprestar o texto para os artistas locais, que muito se interessaram pela novidade, Joaquim Propício de Pina irá copiar o auto (às escondidas) que até os dias atuais é encenado durante os festejos do Divino.65

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Ver Anexo XII

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Nos anos de 1983 e 1984, a programação divulgada da festa foi apenas a religiosa, e quem assinou o respectivo programa foi o pároco local da época: Frei Primo Carrara. Isto só confirma a hipótese de que a promoção das peças teatrais e das danças típicas estava sob o controle dos grupos familiares e artísticos locais.

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Ver Anexo XVI

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De acordo com a definição de Frade, as Pastorinhas, ou Pastoril; são um auto natalino que fora comum em todo o Brasil, sendo que nos dias atuais tem existência precária e difícil, principalmente no Norte e Nordeste. Distinguem-se dos bailes pastoris por ser um auto completo, com danças e loas, partes denominadas “jornadas”. As pastorinhas exibem-se em tablados ou teatrinhos próprios, e frequentemente em seu enredo cantam-se jornadas alheias ao espírito votivo. No Nordeste, Alagoas e Pernambuco rivalizavam os cordões azul e encarnado. Por vezes, eram interpretados por adultos ( e até meretrizes no Recife), ao contrário dos bailes pastoris, que preservaram a tradição do elenco infanto-juvenil. In: FRADE, Cáscia et alli. BRASIL; Festa Popular. Rio de janeiro; Livroarte, 1980 p.p. 19

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As pastorinhas de Pirenópolis, que parecem ser as únicas que em Goiás acontecem durante os festejos do Divino, acabaram por se tornarem “tradição” desses festejos. Nas festas a cujos programas tivemos acesso esse auto esteve presente em todas elas, e em torno de sua organização muitas pessoas se envolveram e se envolvem intensamente. A família Pina se envolveu na organização dela pelo menos até os anos 70, e nesses eventos também congregaram-se muitas outras pessoas que tinham as suas filhas adolescentes participando do ritual e que faziam desses eventos uma grande festa de exibicionismo e afirmação social.