• Nenhum resultado encontrado

Auxiliares vs. Aspectualizadores: Wachowicz (2007)

3. O papel de acabar nas sentenças em estudo nesta pesquisa

3.1 Literatura sobre auxiliares e aspectualizadores

3.1.3 Auxiliares vs. Aspectualizadores: Wachowicz (2007)

Nesse artigo, Wachowicz analisa perífrases verbais e os papéis que os verbos constituintes desempenham nessas perífrases com o intuito de apresentar critérios semânticos, sintáticos e diacrônicos para a distinção entre duas categorias de verbos: a dos auxiliares e a dos aspectualizadores. A autora busca diferenças entre os verbos estar/ter, que ela acredita ter menos semântica e chama de auxiliares, e os verbos começar/acabar de, que ela considera mais lexicalmente carregados e chama de aspectualizadores. Os verbos ficar/continuar ela chama de intermediários. As hipóteses desse trabalho são:

i) “os verbos auxiliares estão em processo de gramaticalização em perífrases do PB; os aspectualizadores não;

ii) os auxiliares perdem transitividade e capacidade de atribuição temática, mantendo, por persistência semântica, os traços de accionalidade, enquanto os aspectualizadores, especialmente os de accionalidade pontual, não perdem transitividade, e a capacidade de atribuição temática é mantida por um complemento direto com denotação eventiva ou de intervalo de tempo; e,

iii) sob a perspectiva teórica, os auxiliares denotavam eventualidades, e a relação entre os intervalos correspondentes aos dois verbos na perífrase é de inclusão. Os aspectualizadores, por sua vez, denotam operadores sobre eventualidades, que, por sua vez, são denotadas pelo complemento direto; a relação aqui é de restrição”.

(Wachowicz, 2007, p. 2)

A autora aponta que, em uma teoria sintático-descritiva, “Perini (1989, p. 228-239) associa a categorização do verbo auxiliar à estrutura de voz passiva. Perífrases com auxiliar movem-se em bloco na transformação para passiva..., enquanto outras locuções não aceitam a passiva...” (Wachowicz, 2007, p. 3), como nos exemplos abaixo:

(172) a. João tem pintado casas no centro.

Casas no centro tem sido pintadas pelo João. b. João mandou pintar casas no centro.

? Casa no centro foram mandadas ser pintadas por João.

(Wachowicz, 2007, p. 4)

Wachowicz aponta três testes de natureza sintática para a verificação de um auxiliar: i) o teste dos sujeitos diferentes, como em (173); ii) o teste do escopo da negação, como em (174); e, iii) o teste de alterações semânticas de V1 com intercalações de locativos, como em (175):

(173) a. João mandou seu irmão entrar. (mandar não é auxiliar)

b. ? O aluno tinha seu irmão saído. (ter é auxiliar) (Wachowicz, 2007, p. 4)

(174) a. Ele acabou não comprometendo a mulher. (acabar não é auxiliar) b. ? Ele estão não comprometendo a mulher. (estar é auxiliar)

(Wachowicz, 2007, p. 4)

(175) a. José começou aqui em Curitiba a nadar em piscina fria. (começar continua com o seu significado)

b. José está na janela parado olhando o desfile passar. (estar resgata seu sentido

de verbo pleno) (Wachowicz, 2007, p. 4)

Dos três testes apresentados, o teste dos sujeitos diferentes e o teste do escopo da negação já foram apontados na subseção 3.1.1, critérios ii) e iii) (Lunguinho, 2009). A autora considera esse terceiro teste apontado acima o mais interessante, pois mostra que “os auxiliares estão em processo de gramaticalização, que pode exibir diferentes fases num mesmo corte sincrônico, enquanto os aspectualizadores não” (Wachowicz, 2007, p. 4). A intercalação de locativos ajuda a retomar o sentido de verbo pleno do auxiliar estar, por exemplo.

A autora discute que, de acordo com Squartini (1998), os verbos auxiliares têm aspecto e é o traço aspectual persistente no auxiliar que vai contribuir para sua produtividade em uma língua.

Ela mostra a distinção de Verkuyl (1999: 82-92) para os verbos aspectualizadores e auxiliares. Aquele autor assume que os aspectualizadores “por promoverem uma restrição na predicação da sentença: begin, stop, finish, complete, keep, continue são verbos que operam sobre do (sic) intervalo de tempo denotado pelo verbo principal. Sobretudo os aspectualizadores de valor pontual (begin, stop, finish, complete) serão verbos que ‘diminuem’ o tamanho desse intervalo” (Wachowicz, 2007, p. 4). Ainda, ela aponta que não é necessário que os aspectualizadores estejam em perífrases para promover essa restrição, como em (176):

(176) John began a book. John começar pass. um livro.

Ela conclui essa seção assumindo que os auxiliares eram verbos plenos, mas perderam semântica lexical e agora entram em gramaticalização em perífrases; já os aspectualizadores “denotam mais operações sobre outras eventualidades e não estão em processo de gramaticalização” (Wachowicz, 2007, p. 5).

Para detectar as diferenças entre verbos auxiliares e verbos aspectualizadores, Wachowicz propõe os seguintes testes:

i) Os vebos auxiliares, como ter e estar, apresentam comportamento algumas vezes como verbo pleno, outras como verbo auxiliar, como nos exemplos abaixo:

(177) Aquelas cousas que tem aparelhadas. (Matto-e-Silva, 1989, apud Wachowicz, 2007, p. 5) / João tem a casa pintada (Cardoso e Pereira, 2003, apud Wachowicz, 2007, p. 5).

(178) João tem pintado a casa todos os anos. (Wachowicz, 2007, p. 5)

ii) Os vebos auxiliares, como estar e vir, recuperam seu sentido como verbo pleno quando junto de locativos, como em (179) e (180):

(179) As crianças estão sempre em volta me pedindo pra contar historinhas. (180) Muitas pessoas vêm pra cá tentando abrir postos.

iii) Tanto os verbos auxiliares como os verbos aspectualizadores ocorrem como verbo pleno quando em estruturas mono-sentenciais, mas os aspectualizadores apresentam alternância causativa, como vemos nos exemplos a seguir:

(181) a. João tem muitos amigos./ * Muitos amigos tem com o João. b. O compositor está no palco./ * No palco está com o compositor. c. João começou o livro./ OK O livro começou com o João.

d. O professor acabou a aula./ OK A aula acabou com o professor.

(Wachowicz, 2007, p. 5)

iv) Os verbos auxiliares que perderam transitividade não permitem perguntas recuperando seu complemento, mesmo que circunstancial. Os verbos aspectualizadores permitem perguntas que resgatam sua transitividade, como nos exemplos abaixo:

(182) a. Maria está pensando nisso.

? Onde Maria está?/ OK Em que Maria pensa? b. João tem pintado casas.

? O que João tem?/ OK O que João pinta? c. João começou a pintar casas.

OK O que João começou?/ OK O que João pinta? d. Maria acabou de escrever o livro.

OK O que Maria acabou?/ OK O que Maria escreve? (Wachowicz, 2007, p. 6)

(183) a. ? João tem não comprado livros.

b. ? Maria está não concorrendo ao prêmio. c. João acabou não comprando o livro.

d. Maria começou não aceitando o prêmio. (Wachowicz, 2007, p. 6)

Finalizando, a autora distingue entre os auxiliares, que:

a) “denotavam eventualidades estativas e entram em gramaticalização; b) mantém por persistência semântica os traços de accionalidade...; c) perdem transitividade e atribuição temática; e,

d) denotam intervalos de tempo durativos dentro dos quais se inclui o(s) intervalo(s) do verbo principal (Wachowicz 2005)”. (Wachowicz, 2007, p. 7)

E os aspectualizadores, que:

a) “não denotam eventualidades, nem tampouco as pontuais (achievements) (Vendler 1967, Dowty 1979) e não estão em gramaticalizão;

b) não perdem transitividade e selecionam complemento eventivo ou temporal; c) a atribuição temática é feita pelo evento denotado pelo complemento direto; e, d) denotam operadores sobre os eventos denotados pelo complemento direto,