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AVALIAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE ACESSO AO ENSINO SUPERIOR: O PONTO DE VISTA DOS JOVENS

17 JOVENS DE ORIGEM AFRICANA NO ENSINO SUPERIOR

2. AVALIAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE ACESSO AO ENSINO SUPERIOR: O PONTO DE VISTA DOS JOVENS

Os jovens entrevistados identificaram um conjunto de aspetos processuais que constituem um entrave à mobilização dos jovens para o sucesso escolar e para o seu ingresso no ensino supe- rior. Consideram que estes bloqueios se situam tanto a nível escolar como societal, sugerindo algumas mudanças ou melhorias em ambos os domínios.

Dos seus discursos, destacam-se 4 necessidades maiores para uma melhor integração escolar e social: (i) promover a capacitação dos jovens das minorias (ii) informar os jovens de contextos so- ciais mais desfavorecidos sobre o ensino superior, (iii) melhorar as condições de acesso às bolsas no ensino superior e (iv) potenciar a integração das populações com origem na imigração. No que se refere à capacitação dos jovens de origem imigrante, indicam 2 necessidades que têm de se desenvolver concomitantemente: a autoconfiança e a heteroconfiança nas suas capacidades e po- tencialidades. Reconhecem que muitos dos que abandonam a escolaridade estão predispostos a fa- zê-lo, como que num processo de reprodução social automatizado, e que para que esse processo se interrompa precisam de que outros adultos (fora do contexto familiar) os orientem, apoiem e exijam.

“Não existe ninguém nem nada a falar com esses alunos, principalmente alunos africanos, que todos os dias já vêm vários amigos deles a deixarem aquilo completamente de lado e a abandonarem o ensino, já estão à espera de um… ou então estão só mesmo a completar aquilo e depois “olha, vou arranjar algum trabalho algures aí”, e essas pessoas precisam de saber que nós podemos não ter a melhor cultura, não temos uma cultura assim tão rica, não temos uma historia assim tão rica, mas continuamos a ter capacidades para chegar muito longe e isso já foi provado por muitas pessoas, e depende um bocado de cada um, mas mesmo assim, todos precisam de apoio ou de qualquer tipo de guia, de um guia qualquer, nem que seja só para aparecer de vez em quando e dizer “isso que estás a fazer, é uma estupidez, vai mas é estudar, tem de ser.” (Santiago, origem cabo-verdiana,

Arte Multimédia).

“Quer dizer, eu também sempre fui uma pessoa muito pacífica, muito…não levantava ondas. Muito querida. Eu via que às vezes porque eles eram pessoas com mais presença, mais vivas e dão luta ao professor. Não é a questão de serem mal-educados ou assim, mas respondem e falam. Os professores também às vezes não são os mais corretos. Às vezes podiam ter mais calma, explicar ou assim. Mas não, não têm sensibilidade, não sei.”

– Para os miúdos africanos?

“Para os miúdos africanos. Acham que à partida eles vão ser mais burros. É verdade, faz-se logo a diferença, faz-se logo a distinção.”

– Para ti isso condiciona o acesso dos miúdos ao ensino superior ou não?

“Claro! Não se sentem apoiados. Mesmo o meu pai teve um professor que era um bocado assim. Não sentia

apoio, não sentia nada. Não sentia incentivo. Era a despachar e vá, isto é assim porque sim, vá adeus. Então a pessoa…ele diz que desmotiva.” (Ana, origem angolana-moçambicana, Engenharia Biológica).

“(…) na universidade somos uma minoria porque os jovens perdem-se, muitos alunos africanos vão-se perdendo,

os rapazes estão no grupo, e eu acho que temos que fazer um bocadinho por nós e no bairro cria-se um ciclo vicioso e como somos tão poucos na faculdade, dentro da nossa comunidade já somos vistos como uma elite. (…) eu gostaria que mais jovens como eu pudessem estar no ensino superior e que isso não fosse olhado como jovens da elite, mas como uma coisa natural e normal.” (Lucas, origem angolana, Estudos Europeus).

“(…) que sejam mais exigentes, no ensino mesmo, no próprio ensino, dizerem às pessoas… porque as pes-

soas andam ali por estar, as pessoas ficam… as únicas referências que têm são os pais e os pais também não têm grande… não são grande exemplo, então a coisa vai-se repetindo, parece que é propositado. (…) vamos lutar, que é para chegarmos ali, eles têm uma posição mais privilegiada, mas eles não são intelectualmente melhores do que nós, à partida porque eles também estão a aprender, apesar de partirem de uma posição privilegiada, mas nós também podemos chegar, a questão é que nós temos que perceber, as pessoas dos bairros sociais, digamos assim, partem de uma posição já de desistência, as pessoas vão para escola sem saber porque é que vão para a escola, as pessoas vão para escola porque os pais têm que trabalhar, há uma posição já de desistência, um dia temos que ser alguém, alguém quem? “O meu pai não foi ninguém, o meu pai trabalha, então pronto, então pronto, para que é que eu estou a estudar se eu também posso trabalhar para ter o meu dinheiro?” (Nuno, origem angolana e santomense, Ciências da Comunicação).

Outro aspeto que se associa a esta necessária resistência e persistência é a construção de um objetivo a atingir, de dar um sentido para a escolarização, o que passa por esclarecer estes jovens sobre os apoios que podem vir a ter se conseguirem chegar ao ensino superior. Os jovens entrevistados mostraram-se surpreendidos com os apoios que conseguiram e admiram-se de

ninguém os ter esclarecido previamente. Esta informação não tem de ser dada necessariamente em contexto escolar, como aliás aconteceu com a Cíntia, em que foram fonte de informação programas e projetos de âmbito local. A Natacha, que só veio viver em Portugal no final do ensino secundário, não teve quem a esclarecesse e só acidentalmente foi descobrindo os recursos disponíveis e, por isso mesmo, sugere que os bairros onde residem estes jovens imigrantes tenham estruturas de apoio à informação e orientação dos mesmos.

“Deve-se passar a informação de que é possível ir para a faculdade, que existem bolsas, acho que passa muito

por aí”.

– Há alguma instituição que tenha sido fundamental no teu percurso de vida?

“A Geração C. Porque na Geração C, mesmo informações sobre faculdades, bolsas, soube tudo através deles,

acho que havia haver uma Geração C em todos os concelhos, ajudaram-me bastante.” (Cíntia, origem angolana,

Línguas e Literatura).

“Mais informação em relação às bolsas. Eu tinha a ideia que tinha que trabalhar para aceder ao ensino superior,

sentia-me limitada porque achava que não tinha facilidades. E saber isso dá outra força porque não é preciso irem trabalhar para ter acesso à faculdade.” (Paula, origem angolana, Psicologia).

“Mais incentivos, criar programas para incentivar os jovens a ir para a universidade. Quando vamos para a uni-

versidade podemos ser alguém na vida. (…). Acho que deviam criar postos para ajudar os jovens nestes bairros sociais, principalmente, para termos mais sucesso escolar, darem apoio (…) acho que deviam fazer publicidade a universidades, como é que se entra, mostrar que não é difícil e que há apoios. Deviam dar as informações nestes espaços sociais, para incentivar os jovens porque quando cheguei não sabia de nada, não estava informada de nada e nem sequer sabia andar no autocarro. (Natacha, origem cabo-verdiana, Geografia).

Os jovens foram unânimes em considerar decisivo para muitos jovens na sua situação a exis- tência de bolsas de estudo, sugerindo, no entanto, algumas melhorias em relação às mesmas, sobretudo no que se refere aos requisitos legalmente exigidos para o acesso às mesmas e aos calendários praticados. Na opinião da Bruna, a limitação à posse da nacionalidade portuguesa também deveria ser ponderada.

“Acho que em termos da bolsa de estudo, acho que podiam… É assim, eu percebo que haja maioritariamente

para os nacionais, mas nos dias em que vivemos hoje, eu acho que podemos dizer que não há ninguém 100% nacional, acho que já há uma interculturalidade muito maior, acho que não devia haver esse tipo de restrições. (…) Há um número limitado para alunos estrangeiros, mas acho que de certa forma não deveria haver essa limitação, o processo podia ser muito mais facilitado. (…) O processo de candidatura demora muito tempo até obtermos os resultados, eu acho que não devia ser assim. Eu percebo que seja muita gente e que sejam muitos papéis para analisar, mas eu acho que o processo podia-se iniciar mais cedo, do que depois a pessoa entra e depois ficas ali a meio, quer dizer…” (Bruna, origem angolana e guineense, Tradução).

Em relação aos calendários, tanto deveria poder-se fazer a candidatura à bolsa logo que os alunos ficassem colocados, como se poderia fazer a mesma em período posterior, nas situações em que se é colocado em fases posteriores. De acordo com os procedimentos atuais, o aluno só vê concretiza- do o acesso à bolsa, quando esta lhe é atribuída, passados 3 a 4 meses depois das aulas terem co- meçado e este facto obriga a que muitos passem sérias privações durante estes meses de espera.

– E não pudeste ter acesso a uma bolsa do SAS?

“Infelizmente não, também é verdade que eu acabei por procurar os serviços académicos da tesouraria e da se-

cretaria, conversei uma vez com uma das responsáveis do gabinete de ação social, mas lá está, elas já estavam numa fase posterior em que não poderiam dar uma bolsa para além da outra que pudesse ser da faculdade por exemplo. Lembro-me que foi uma fase em que eu até coloquei essa questão e não havia essa bolsa. Ou tinha aquela da DGES ou não tinha nenhuma.” (Júlia, origem angolana, Ciências da Comunicação)

A Carolina só conseguiu concretizar o seu desejo de tirar um curso superior pois conseguiu obter uma bolsa especial (U CAN), que tem ainda a vantagem de prever um processo de tutoria: o processo de acesso foi muito simplificado e esta tutoria garante um apoio extra que, em seu entender, se revelou de importância decisiva.

“Na bolsa U-CAN nós temos um mentor, que nos instrui, que nos ajuda: estás no bom caminho, estás no mau

caminho, aconselho-te a fazer isto, e se realmente essa bolsa acabar vai ser uma pena. Por aquilo que eu estive a ver maioritariamente quem está a beneficiar dessas bolsas são os descendentes de africanos ou mesmo os africanos, porque como não conseguem uma bolsa do Estado. Ou tens de ter uma residência permanente, ou uma residência X ou Y não conseguem ter acesso a estas bolsas. Ao nível de provas, porque ao nível burocrático para se ir buscar papéis tem que se pagar. Eu vejo por mim que para conseguir essa documentação toda para a bolsa U-CAN foi um processo tão simples, tão simples. É bom que continue com esse financiamento porque dá oportunidade para que muitos não desistam e não fiquem a meio do caminho. Pessoas como eu que têm um estágio e que têm a faculdade, as aulas e que não consigam trabalhar possam prosseguir os seus estudos e não sejam discriminados por isso”. (Carolina, origem angolana, Serviço Social).

Alguns dos jovens entrevistados destacaram, ainda, a importância da integração dos descen- dentes de imigrantes na sociedade portuguesa, de modo a que estes se sintam mais incluídos, ou seja, como fazendo parte. Em seu entender, ao verem-se mais representados no quotidiano, tanto nos media como nos manuais escolares ou nas posições profissionais mais prestigiadas, pode alterar-se a imagem desvalorizada e o desconhecimento da maioria sobre os grupos liga- dos à imigração, com benefício para a sociedade no seu todo.

“Nós africanos discutimos muitas vezes que em Portugal a presença africana não é sentida, a multiculturalidade

fica na periferia e não sai de lá, quando ligamos a televisão não nos sentimos representados no jornalismo, não nos sentimos representados nas séries…” (Lucas, origem angolana, Estudos Europeus).

“(…) rever os livros de história. Representatividade é muito importante, é preciso rever-me em algum lado. Eu não

me revejo nas caravelas, não me revejo no D. Afonso Henriques, não me revejo nisso. A minha irmã não se revê.”

– Mas porque é que isso é importante para a integração escolar desses jovens?

“Porque eles não se sentem … estão só ali a pairar. As pessoas antes deles fizeram alguma coisa, né? Sinto que

isso é muito importante. E também é para os outros saberem que os antepassados delas não foram só escravos.”

“(…) tem de haver mais professores negros. Por exemplo, eu agora faço parte da SOS Racismo, no outro dia nós

fomos a uma escola e eu entrei na sala e a professora era negra e eu fiquei espantada. Isso não devia acontecer. Eu não devia entrar e ficar espantada porque a professora é negra. As crianças precisam de representatividade, isso é mais importante. É preciso rever os livros de história, é preciso o diálogo, estas coisas precisam de ser faladas, seja de que forma for.”

– As coisas históricas?

“Sim, porque as coisas históricas influenciam os dias de hoje. (…) É importante também para os brancos. Eles

precisam de saber. (…) E dar formação aos professores. Dar formação como deve ser. No sentido de formação cívica. Ah, os Direitos Humanos. Os Direitos Humanos são balelas. Sim, dar formação aos professores, dar forma- ção aos políticos. Não só aos polícias. Isso tudo volta à educação. Se a educação for revista todos nós seremos melhores.” (Vanda, origem guineense, Estudos Africanos).