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4 ANÁLISE

4.4 Avaliação de desempenho como diagnóstico

Em análise das alternativas viáveis ao incrementalismo, a linha de pensamento que surge logo de início é a que parte da pergunta: “o que está dando certo e o que precisa melhorar?” Ou seja, qualquer iniciativa de reforma costuma partir de um correto e preciso diagnóstico da realidade atual, do status quo, no que não difere a trilha de reforma da gestão por meio do orçamento. Assim, a obtenção de informação sobre performance e a avaliação de desempenho se apresenta como uma das primeiras medidas a serem tomadas em uma sequência lógica, uma espécie de ponto de partida – daí sua inegável importância.

Porém, desde logo é essencial reconhecer que há esferas em que a eficiência não é sinônimo de correção. Tome-se, por exemplo, a questão das compras públicas: por vezes, os procedimentos licitatórios se mostram desvantajosos sob o prisma financeiro, em razão do custo de publicação de editais, da dedicação de funcionários, do lapso temporal exigido etc. Tal fato vem sendo menos frequente com a adoção do pregão eletrônico e a possibilidade de compras coletivas pelos entes estatais, mas, ainda que venha a ser inevitável o maior custo pela realização da licitação, seria simplista chegar à conclusão de que o melhor para a Administração Pública seria, então, comprar diretamente do mercado. Isso porque a Administração Pública é informada por uma série de princípios que devem mover a sua ação e as decisões dos gestores, sendo a eficiência apenas um deles.

O procedimento licitatório visa a garantir não apenas a adjudicação da melhor proposta para a Administração Pública, em homenagem aos princípios da eficiência e da supremacia do interesse público etc. A licitação visa também a garantia da moralidade administrativa – a lisura nas compras públicas; da impessoalidade – a certeza de que não haverá favorecimento a algum vendedor, ainda que com preço condizente com o praticado no mercado; da publicidade – a garantia de ciência pelos potenciais interessados em participar da oportunidade de negociar com a Administração Pública, e ciência por todos os cidadãos de que as compras públicas são feitas às claras. Tais princípios são assegurados pela realização de um procedimento licitatório regular, o que é inegociável para a Administração Pública (salvo as exceções expressamente previstas em lei), ainda que, em um eventual caso concreto, seja mais custoso.

Assim, pelo exemplo apresentado, fica claro que a racionalidade econômica, fortemente calcada na busca pela eficiência, não é a única lógica a ser considerada na gestão dos órgãos públicos em geral, e da PR/RJ em particular. Tal fato não deve ser esquecido e nem diminuída a sua importância.

Feitas tais considerações, porém, é preciso reconhecer o potencial de contribuição da mensuração, gestão e avaliação da performance como ferramentas aptas a dar maior vitalidade às instituições públicas, por meio de um diagnóstico mais preciso de como as atividades têm sido desenvolvidas. E volta-se ao reconhecimento do orçamento de tais instituições como uma plataforma pronta para ser utilizada com esse fim, já que disponibiliza os dados quantitativos de recursos destinados para cada iniciativa, o que pode ficar ainda mais claro com a adoção de uma estrutura programática de orçamento, como já exposto.

Nesse ponto, é preciso observar que há ainda um longo caminho à frente, até mesmo para um melhor diagnóstico das ações na PR/RJ. Como se pode observar do modelo de tabelas constantes do Anexo 16, os dados coletados pela Seção de Estatística, setor interno responsável pela captação e análise de dados da unidade, estão limitados aos quantitativos de entrada de demanda nos gabinetes e de saída em forma de manifestações, dados esses condensados por gabinete de Procurador da República e por área de atuação, sem uma maior

preocupação com o objetivo que motivou a coleta de tais informações e em como analisá-las criticamente para apontar possíveis mudanças cabíveis quanto a novas especializações desejáveis, necessidade de treinamentos por contingentes de novas demandas, realocação de pessoal etc.

Como ressaltou o entrevistado Procurador 1 (Anexo 3) a respeito do trabalho que vem sendo desempenhado pelo Seção de Estatística, “é recorrente a reclamação dos Procuradores de que ela não é qualificada, que é uma simples compilação de dados quantitativos”. É essa a percepção do entrevistado Procurador 3 (Anexo 5), quando afirma: “Os dados que existem são mais quantitativos, não há uma análise feita a partir do mero quantitativo de tarefas cumpridas por cada gabinete”.

É bem verdade que tal realidade já não reflete o presente da instituição, mas sim seu passado recente. A partir do ano passado, vem sendo empreendido um esforço concentrado em todas as unidades descentralizadas do MPF no sentido da implantação de um novo sistema de cadastro, movimentação e informação de dados: o Único. Tal sistema vem sendo aperfeiçoado em sua padronização de alimentação de dados para que possa funcionar na totalidade de seu potencial como ferramenta de diagnóstico e análise de dados para o próprio planejamento da instituição.

De qualquer forma, pelo menos até o momento presente, o Único não tem possibilitado o acesso a dados quantitativos e informações sobre entrada e saída de procedimentos, e menos ainda permitido a análise de tendências a partir de tais subsídios. Com os dados hoje ainda coletados, seguindo a lógica do modelo da Seção de Estatística (Anexo 16), e o nível de análise adotado, a discussão que se apresenta não pode passar da percepção de crescimento de uma ou outra demanda específica, além da inevitável comparação de produtividade entre os gabinetes de Procuradores da República.

Sendo assim, o exemplo proposto a seguir, além da intenção de esclarecer os conceitos apresentados no referencial teórico, contextualizando-os com o objeto da presente pesquisa; pode indicar um norte para as aspirações de mensuração de desempenho na PR/RJ. O exemplo toma as categorias conforme Hatry (1999, p. 11 e seguintes):

A PR/RJ destina parte de seus recursos (inputs) para a atividade-fim denominada área criminal, que tem por escopo a investigação e o processamento judicial de crimes de competência da Justiça Federal no Estado do Rio de Janeiro. O processo de desempenho de tal atividade exige a dedicação de tempo de pessoal especializado na análise de processos e de pessoal de apoio para expedições, protocolos, cadastramentos e movimentações, pelo que todos são remunerados, além dos custos fixos de manutenção da própria estrutura da unidade do MPF para que se possa cumprir essa função, o que também se caracterizaria como recurso empregado. Após essa soma de trabalhos acrescidos pela PR/RJ, em uma atuação em diversas fases, um dos possíveis finais a que se pode chegar com a atividade criminal é a condenação de um cidadão pela prática de um crime, o que, na classificação aqui adotada, seria o produto (output) da atuação da PR/RJ (em uma simplificação didática, já que não se pode ignorar que tal produto depende da atuação do Poder Judiciário e, muitas vezes, de uma anterior investigação policial).

De posse de dados suficientes e confiáveis a respeito do número de condenações obtidas a partir das ações criminais iniciadas pela PR/RJ, é possível calcular a razão do número de ações promovidas (tomado como um indicador dos recursos mobilizados), pelo número de condenações, o que seria uma das possíveis medidas de eficiência da PR/RJ.

Para o presente exemplo, não faria sentido falar em produtividade já que não se obtém mais condenações por cada ação criminal em razão de maior ou melhor trabalho, sendo necessário escolher, para tal fim, um outro índice aglutinador dos recursos mobilizados. Além disso, a medida da eficiência considerada no exemplo seria a chamada “eficiência técnica”, já que calculada com base nos produtos (outputs) entregues pela PR/RJ.

A dimensão seguinte seria a análise dos impactos de tais condenações criminais na sociedade, como resultados (outcomes) da atuação da PR/RJ. No exemplo, um resultado que se pode inferir, tomando-se um lapso temporal mais alongado, seria o incremento da credibilidade da PR/RJ perante a sociedade. Como tal resultado, embora sem dúvida desejável, não é o que justifica a existência da PR/RJ nem o que motiva sua ação, pode ser considerado um resultado intermediário (intermediate outcome).

Na continuidade do mesmo exemplo, é possível sugerir a ocorrência do resultado final (end

outcome) diminuição do número de crimes pela percepção social de que existe retribuição

estatal pela prática de delitos, provocando o genuíno receio da punição como materialização da função de prevenção geral da pena, este sim um resultado mais próximo dos objetivos da instituição.

A partir daí, seria possível chegarmos à chamada “eficiência alocativa”, à mensuração da eficiência pela relação dos recursos (inputs) com o impacto da sua atuação, o resultado (outcome) alcançado. Porém, nesse caso, a concepção de índice de “eficiência alocativa” carrega a dificuldade inerente à mensuração de redução de condutas ou à medição de fatos que se quer evitar, como já exposto. De todo modo, permanece a utilidade do exemplo para fins de esclarecimento dos conceitos.

Nas palavras do entrevistado Chefe 3 (Anexo 14), ter tais dados à disposição seria um “sonho de consumo” para um planejamento das ações da PR/RJ, ainda que com a consciência das limitações dos dados em si, conforme ressaltou o entrevistado Procurador 5 (Anexo 7):

“[...] estatística é essencialmente quantitativa. É difícil você perquirir qualidade, a questão de dificuldade, de você entrar no mérito do dado pelo dado. [...] e não se consegue nem pela incidência penal, porque você pode ter um crime contra o Sistema Financeiro Nacional em que a denúncia é muito simples, e ter um crime de descaminho em que a denúncia é muito complicada, muito grande. Você pode ter vários réus e a denúncia ser simples, você pode ter um só réu e a denúncia ser complexa... então eu acho que quanto a isso não tem sistema que consiga indicar a questão da qualidade... cada caso é um caso.”

No mesmo sentido, o entrevistado Chefe 2 (Anexo 13) parte das dificuldades constatadas nessa fase inicial de implementação do novo sistema para afirmar que:

“[...] mesmo que nós tivéssemos um sistema que conseguisse expressar com clareza esses quantitativos e esses indicativos, são muitas variáveis que influenciam, né? Você saber da demanda do setores e o número de funcionários, se está sobrecarregado ou não, quem está mais onerado com relação ao quantitativo de servidores... é sempre muito complicado. A gente vai distribuindo pelo nosso feeling, pelo que a gente conhece dos setores.”

Ou seja, é preciso compreender que os dados quantitativos são apenas o ponto de partida e que a análise da performance carecerá de descrições qualitativas e narrativas, como já

apontado por Arvidsson (1986, p.631) em sua defesa da multidimensionalidade da avaliação de desempenho: “Elementos subjetivos são inevitáveis”.

O próprio nível de análise proposto também só seria possível a partir da maior e melhor disponibilização de dados. Como bem observou o entrevistado Procurador 4 (Anexo 6), a PR/RJ sequer é conhecedora do seu nível de sucesso tomado a partir do índice de deferimentos, que certamente não seria o índice ideal, mas nem mesmo isso é sabido pela administração da unidade. A melhor concepção da análise a ser feita a partir dos dados a serem colhidos é uma esfera em que ainda cabe boa margem de desenvolvimento.