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4 ANÁLISE

4.5 Centralização e padronização

A já apontada centralização do orçamento parece ser um reflexo do próprio modelo de gestão do MPF, indicando que há pequena margem de atribuições delegadas pelo órgão central às unidades descentralizadas, o que é confirmado pela padronização de estrutura para as Procuradorias da República nos diferentes Estados da Federação. Na previsão abstratamente concebida, é respeitada uma variação de tamanho, de acordo com a demanda prevista para cada unidade, que condicionará o número de Procuradores da República ali lotados. A partir do quantitativo de Procuradores da República estabelecido em conformidade com o tamanho dos desafios encontrados em cada unidade, reproduz-se a estrutura condizente com tal número de gabinetes a serem formados.

Tal padronização da estrutura parece ter a intenção de evitar distorções e desproporções na lotação de servidores e na alocação de recursos, diminuindo a margem de negociação no caso a caso, que poderia desvirtuar o critério para um favorecimento de quem melhor defenda seus interesses. É fato que essa iniciativa privilegia a suposição de que a administração central do órgão seria dotada de uma percepção suficientemente abrangente para conceber qual o modelo ótimo para as unidades descentralizadas, observando as peculiaridades e antevendo as tensões específicas, o que pode não ser inteiramente verdadeiro para todas as circunstâncias. Porém, o maior perigo observado na padronização da estrutura das unidades do MPF está na pouca permeabilidade a mudanças, na dificuldade de fazer o modelo se repensar.

Embora a padronização da estrutura do MPF seja reflexo de uma escolha consciente em direção ao afastamento de desvios e incertezas, o modelo efetivamente institucionalizado acabou sendo a cristalização do que já ocorria à época, que se naturalizou por inércia ou mimetismo, e não o resultado de um esforço específico e estudado para se encontrar o modelo ideal. É o que relatou o entrevistado Procurador da República 3 (Anexo 5), quando explicou: “Sobre o reflexo da centralização na estrutura das unidades, existe uma padronização […] Na verdade, tal normatização é anterior, ela regulamentou o que já existia [...]”.

Tal fato aumenta a importância da verificação do que vem funcionando bem e do que poderia ser melhor desenhado ou dimensionado para o aprimoramento de cada atividade. Ou seja, como o modelo não é o fruto de um pensamento em busca do ideal, e sim a formalização do que era observado, com mais razão deve estar aberto a avaliações e propostas para que seja repensado.

Um ponto que precisa ser revisto no modelo estrutural institucionalizado é o da vinculação do quantitativo de servidores da carreira de nível superior da área jurídica ao número de Procuradores da República, partindo da premissa de que a função daqueles é exclusivamente o assessoramento destes, não prevendo a conveniência de seu aproveitamento nos níveis gerenciais como ocorre com qualquer categoria de servidor público. Tal fato traz, como repercussão da estrutura imposta, o afastamento de tais servidores da possibilidade de assumirem as chefias de seções, divisões e coordenações dos órgãos internos.

Ou seja, haverá sempre o mesmo número de analistas jurídicos que de Procuradores da República na PR/RJ, e aqueles estarão sempre vinculados a estes nessa proporção de um para um, em assessoramento à atividade-fim do órgão. Tal fato faz com que as chefias sejam sempre entregues aos detentores de cargos de nível médio, já que há a previsão de um contingente maior de servidores de tal carreira, possibilitando a existência de um “exército de reserva de mão-de-obra” que viabiliza sua movimentação interna sem prejuízo para a atividade-fim.

que traduz uma maior qualificação, mantém esses servidores de nível superior alijados da esfera decisória do órgão, gerando, além da evidente insatisfação destes, um flagrante prejuízo para o interesse público, já que a Administração Pública não pode contar com os servidores mais preparados para ocuparem os postos em que o órgão é pensado nos níveis operacional e estratégico.

Ainda que se entenda que a aprovação em concurso público que exija curso superior em Ciências Jurídicas não é um indicativo de uma melhor qualificação para o exercício de funções gerenciais, certamente não pode ser tida como indicativo de sua ausência ou de uma depreciação em face dos aprovados em concurso público de nível médio, para que se justificasse a preferência destes em face daqueles, como se constata.

Servidores com uma melhor qualificação são sistematicamente “esquecidos” quando do levantamento das opções para cargos gerenciais porque sua falta será sentida no apoio direto à atividade-fim. E as chefias acabam sendo concedidas a pessoas que não se mostram imprescindíveis em setores mais ligados à atividade-fim do órgão, fazendo com que carreiras inteiras fiquem alijadas da possibilidade de ascender profissionalmente.

Tal quadro faz lembrar a fragilidade inerente ao modelo fatalista de gestão, apresentada por Hood (1998, p. 44), em que se instaura uma espécie de desmotivação crônica e um certo descompromisso com o atingimento de objetivos por parte daqueles preteridos pelos critérios pouco meritocráticos de ascensão profissional.

Tal momento se mostra propício para um novo olhar sobre a estrutura do MPF como um todo e a estrutura interna de suas diversas unidades descentralizadas. Uma vez elaborado o planejamento estratégico do órgão para o período de 2011 a 2020, de acordo com a sequência lógica de pensamento estratégico (estratégia – estrutura – processos), a fase atual deveria ser precisamente a de concentração de esforços para se repensar a estrutura do MPF e, posteriormente, repensar seus processos internos. O próprio mapa estratégico do MPF (Anexo 15) traz, dentre as orientações para os processos internos, a previsão de que a estrutura seja adequada a uma atuação eficiente e segura. E esse seria o momento adequado para isso.

Nesse contexto, é importante ouvir as diversas unidades a respeito do que vem funcionando a contento e o que poderia ser aprimorado. E, em qualquer caso, deve ser reavaliada a conveniência do surgimento de incentivos para que os servidores mais qualificados ocupem os postos gerenciais, trazendo seu conhecimento e talento para os desafios operacionais e, eventualmente, contribuindo até mesmo com a esfera estratégica.

Além disso, não se deve deixar de aproveitar esse mesmo momento de reavaliação de modelos institucionalizados para que se repense a onipresente centralização do MPF como escolha política do órgão. Segundo Fukuyama (2004, p. 104), o problema central a ser enfrentado pelas organizações é a “delegação de discrição”, que seria melhor traduzido por “grau de delegação de discricionariedade”. Realmente, a decisão de o que e o quanto delegar aos níveis inferiores de comando é questão que reflete em inúmeras outras do funcionamento cotidiano das organizações.

Porém, ainda que uma questão digna de profunda discussão, é de se observar que, na realidade contemporânea, as organizações mais eficazes são as dirigidas por pessoas altamente capacitadas, que recebem um alto grau de discricionariedade para suas decisões e enfrentam poucos controles institucionais formais. “O bom julgamento não pode ser formalizado porque depende da ponderação de fatores contextuais complexos em relação a uma base de experiência que provê modelos generalizados de comportamento humano” (idem, ibidem, p. 101).

Segundo Fukuyama (ibidem, 97), tal fato é especialmente verdadeiro para os casos em que o trabalho do agente é complexo ou envolve alto grau de discricionariedade, não sendo possível sua transformação em “rotinas weberianas” e nem sua padronização por regras e procedimentos formais, descrição que se amolda com grande similitude ao cotidiano da atuação do MPF.