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1 O PROBLEMA

2.12 Orçamento Público e planejamento estratégico

Na prática, porém, a adoção do PPBS não atingiu as previsões mais otimistas de seus defensores. Arvidsson (1986, p. 630) levanta a hipótese de que a visão programática no âmbito do orçamento público (na qual se insere o PPBS) não teria alcançado os benefícios que se esperava fora da esfera militar por duas principais razões: o comportamento observado de

políticos e gestores não se adequava ao modelo; e os objetivos, resultados, produtos e processos não podiam ser mensurados e analisados de acordo com os quesitos do PPBS. Porém, ressalta que muitos dos elementos de tal sistema foram importantes no passo seguinte de desenvolvimento, citando o exemplo bem sucedido da Suécia em que tal discussão levou a um conceito mais amplo de efetividade.

Sob outra ótica, Schick (1996, p. 59) sugere que tal decepção com os modelos “racionais” pode ser fruto de uma aproximação imperfeita entre o planejamento e a esfera orçamentária, onde esta acaba sendo apenas o financiamento das ações previstas naquele. Schick defende que a concretização do planejamento estratégico, transformado em ação e deixando de ser mera carta de intenções, deve repercutir diretamente na formulação de um orçamento sensível aos resultados que se deseja e voltado para as políticas que corporifiquem o caminho até lá. O planejamento com horizonte temporal alongado deve se tornar fundamento para a tomada de decisões inseridas em um contexto maior, diminuindo a margem de escolhas arbitrárias e fugindo da lógica do curto prazo.

De acordo com Schick (ibidem, p. 53), capacidade de planejamento estratégico é a habilidade do governo ou órgão de antecipar e planejar com base nas mudanças futuras, reformular seus objetivos e programas conforme tais mudanças, definir e especificar os produtos e resultados desejados, realocar os recursos para atingi-los, avaliar os resultados e medir o progresso alcançado. Assim, em sua perspectiva, tal capacidade está intimamente ligada ao processo de mudança provocada, orientada aos propósitos.

Trazendo a questão para o nível organizacional, Rezende e Cunha apontam para a importância de que se desenvolva a capacidade de pensar e agir estrategicamente, em sintonia com as diretrizes de governo e com uma maior interação com as populações beneficiárias das ações desenvolvidas no nível local, “de forma que a gestão orçamentária incorpore uma prática de envolvimento e solidariedade" (2005, p. 21).

Segundo Cunha (2010, p. 50), o planejamento estratégico é excelente método para o contínuo desenvolvimento de estratégias e muito útil para a fixação – e constante revisão – de objetivos e metas, sempre com o horizonte temporal estendido. E acrescenta que sua prática se torna

fonte de influência para duas decisões de grande importância para a vitalidade da gestão: qual a estrutura organizacional a ser adotada e como deve ser feita a alocação de recursos – orçamento.

Quando não se ocupa de tal importante tarefa, o Estado permite que a conjugação das diversas forças políticas seja o fator de assentamento das escolhas no orçamento, o que importará em inevitável ausência de coordenação dos programas. Rezende e Cunha lembram a expressão usada por Dror (1999 apud REZENDE; CUNHA 2005, p. 16) – “omissão trágica” – quando se refere à inércia governamental frente ao seu papel de garantir uma direção às políticas públicas “em consonância com as necessidades e interesses maiores da sociedade, numa perspectiva de longo prazo, isto é, muito além do calendário eleitoral ou de um mandato político”.

Uma sugestão de Dror (1999, apud REZENDE; CUNHA 2005) é o assentamento de instituições permanentes na estrutura governamental que se ocupem das questões de interesse de longo prazo. Tal formato traz a vantagem de não subordinar as preocupações perenes à lógica da urgência e dos prazos da conveniência eleitoral. Em tal ponto, esse autor se aproxima da percepção de Fukuyama (2004, p. 19-23), para quem o fortalecimento das instituições estatais (e a criação de novas instituições) foi uma variável esquecida pelo consenso de Washington em sua cartilha de recomendações para o Estados em desenvolvimento.

A partir de sua bem sucedida experiência na Nova Zelândia, Schick (1996) propõe que o governo apresente sua estratégia de política orçamentária para os três anos subsequentes e, embora não esteja vinculado a tal proposta, deve explicar qualquer posterior desvio e adaptar sua estratégia em cada orçamento anual, sempre sob a ótica de longo prazo. Tal descrição não se distancia muito do modelo brasileiro, em que há a previsão de elaboração de um plano plurianual (PPA) para os quatro anos seguintes, com a elaboração da lei de diretrizes orçamentárias (LDO) e a lei do orçamento anual (LOA).

Porém, as semelhanças parecem ficar no campo abstrato, já que, no Brasil, o PPA não tem a capacidade de planejamento estratégico que poderia corporificar. De fato, a prática da

elaboração do orçamento anual não parece tomar em consideração as diretrizes de longo prazo constantes do PPA, mantendo-se em horizontes mais curtos. Rezende e Cunha (2005, p. 18) ressaltam que seria necessário definir as prioridades orçamentárias a cada ano sob a orientação da ótica estratégica “derivada das projeções plurianuais das políticas públicas e, portanto, menos sujeita à consideração de questões fortuitas, que tomam muito tempo e desfocam o debate”.

A falta de uma direção clara para onde convergem as políticas públicas governamentais e a instabilidade orçamentária daí decorrente, com escolhas pontuais e arbitrárias das ações a serem priorizadas, têm como expressão marcante na atualidade brasileira a utilização do contigenciamento de créditos orçamentários como forma de assegurar a compatibilidade entre a receita efetivamente arrecadada (por vezes inferior à prevista, em razão da inscrição de receitas condicionadas e de receitas incertas no orçamento), e as despesas fixadas na lei orçamentária anual (idem, ibidem, p. 17-18). Tal fenômeno acarreta a falta de confiança dos agentes públicos e privados no orçamento como referência para suas tomadas de decisão, enfraquecendo mais uma das potenciais contribuições do orçamento público.