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Avaliação de eficiência no setor de abastecimento de água e esgotamento

Hodiernamente, o uso e a gestão eficiente e sustentável dos recursos hídricos tornaram- se foco de um vasto debate, tanto na literatura acadêmica quanto no campo prático e regulatório, devido à importância e à escassez dos recursos hídricos, especialmente em regiões sob estresse hídrico (MARTINEZ-ESPINEIRA; GONZÁLEZ-GÓMEZ, 2015; ROMANO; GUERRINI; VERNIZZI, 2013). Corroborando essa visão, Romano, Salvati e Guerrini (2018) asseguram que os determinantes do desempenho das empresas de água são uma questão atual em todo o mundo.

Nesse contexto, apresenta-se como uma questão atual e relevante compreender como é possível melhorar a eficiência operacional das empresas que prestam serviços de abastecimento de água ou esgotamento sanitário.

Na visão de Soukopová e Malý (2013), definir e medir a eficiência, ou em outras palavras, um processo de usar recursos e sua transformação em produtos e resultados, parece ser um dos maiores problemas da teoria econômica contemporânea.

A eficiência econômica tem componentes técnicos e alocativos. O componente técnico refere-se à capacidade de evitar desperdícios, seja produzindo no nível máximo que a tecnologia e o uso de insumos permitem ou usando-se o mínimo de insumos requeridos pela tecnologia, dado o nível de produção desejado. Assim, a análise da eficiência técnica pode ter uma

orientação ao aumento da produção ou uma orientação para otimização dos insumos (BOENTE, 2016; BRUNEKREEFT, 2004; FRIED; LOVELL; SCHMIDT, 2008).

A eficiência alocativa e a eficiência técnica se complementam, e juntas, se traduzem em eficiência econômica. Esta última envolve a seleção dos níveis e as combinações ótimas de insumos e produtos, baseados nas relações dos preços de mercado (BAUER et al., 1998).

Por outro lado, Fried, Lovell e Schmidt (2008) relatam que é possível definir o melhor em termos do objetivo comportamental do produtor. Nesse caso, a eficiência é medida pela comparação do custo, receita, lucros observados, ou qualquer objetivo que o produtor deseja alcançar, sujeito, é claro, a quaisquer restrições apropriadas sobre quantidades e preços. O referido autor destaca que, nessas comparações, o ótimo é expresso em termos de valor e a eficiência é econômica.

A eficiência técnica não considera os preços dos inputs e outputs, algo fundamental em uma decisão sobre produção. Nesse sentido, a decisão da empresa em produzir sob eficiência técnica leva ao menor vetor de insumos capaz de produzir certa quantidade de produto, entretanto, desconsidera os efeitos de realocação destes insumos ponderados pelos seus preços (BAUER et al., 1998).

De acordo com Fried, Lovell e Schmidt (2008), por eficiência de um produtor, temos em mente uma comparação entre valores observados e ótimos de seus outputs e inputs, onde o exercício pode envolver a comparação da saída observada com a saída potencial máxima obtida da entrada ou a comparação da entrada observada com a entrada potencial mínima necessária para produzir a saída, ou uma combinação das duas. Ainda de acordo com Fried, Lovell e Schmidt (2008), nessas duas comparações, o ótimo é definido em termos de possibilidades de produção e a eficiência é técnica.

Não obstante o conceito de eficiência econômica ser mais abrangente que o de eficiência técnica, a dificuldade de se obter informações sobre os preços dos insumos faz com que a eficiência econômica se torne, em muitos casos, de difícil investigação empírica.

De acordo com Boente (2016), a ineficiência ocorre quando a entidade não consegue alcançar o mesmo nível de eficiência em comparação a uma referência, definida por uma fronteira onde se localizam as entidades que adotam as “melhores práticas” (benchmarking).

Em uma indústria regulada, como o setor de abastecimento de água, a ineficiência técnica implica que uma empresa está usando uma quantidade excessiva de insumos para produzir os níveis de produção fixos. Ineficiência alocativa, em vez disso, implica que uma empresa pode utilizar uma combinação de insumos economicamente subótima e, portanto, não minimiza os custos. Embora a ineficiência técnica possa ser atribuída a gerentes ineficientes, a

ineficiência alocativa pode ser causada por restrições ambientais externas sob as quais os gerentes operam (ANWANDTER; OZUNA, 2002).

Em vários países, os governos estão obrigando as empresas de serviços de água a melhorarem sua eficiência e produtividade por meio de reformas e ferramentas regulatórias mais rígidas. Assim, apesar das diferentes estratégias e abordagens, os objetivos permanecem os mesmos: tornar todo o setor mais eficiente, reduzir os lucros e a “vida tranquila” das empresas que operam os serviços e repassar os ganhos de produtividade aos usuários por meio de preços reduzidos, proteção ambiental e qualidade dos serviços (CRUZ et al., 2012).

Na avaliação de Carmo (2003), na tendência de identificar soluções para tornar as empresas mais produtivas, o estudo da eficiência é de extrema importância para ajudar na escolha de uma conduta ótima para as empresas e oferecer ao governo meios de regulamentar o setor.

Ao discorrer sobre a existência de vários métodos para avaliação de eficiência, Farsi, Filippini e Greene (2006) advertem que esse problema é especialmente importante porque, na maioria dos casos, não existe um critério claro para a escolha de um método exclusivo entre vários modelos legítimos e que, além disso, as estimativas de eficiência podem ter grandes consequências financeiras para as empresas reguladas e, portanto, sua confiabilidade é algo crucial para um sistema de regulação eficaz.

Destaque-se que, na avaliação de Oliveira (2017), os ganhos de eficiência devem ser apropriados e distribuídos de forma a garantir o equilíbrio econômico-financeiro dos serviços no longo prazo e preços adequados aos usuários e, sendo que, para que sejam aplicados com sucesso, os indicadores (que o regulador utiliza para mensuração de desempenho) devem ser comparados em processo de benchmarking composto por prestadores de serviço no âmbito global, dado que uma comparação realizada somente com dados históricos da empresa não envolve adequados incentivos regulatórios.

Por outro lado, Pinheiro (2012) defende que aos incentivos baseados no desempenho de serviços deveriam permitir que uma empresa que fornece maior qualidade em relação às outras empresas seja autorizada a aumentar o seu preço por um valor que reflita o valor social da maior qualidade. Noutro sentido, uma redução do preço seria imposta às empresas de baixo desempenho.

Da mesma forma, Molinos-Senante, Maziotis e Sala-Garrido (2016) advertem que a qualidade do serviço aos clientes é um aspecto que não pode ser ignorado na avaliação de desempenho das empresas de água. Sendo que, hoje em dia, os reguladores da água introduzem

prêmios ou penalidades ao definirem os preços, para incentivar as empresas a melhorarem a qualidade do serviço prestado.

Em contraste, de acordo com Picazo-Tadeo, Sáez-Fernández e González-Gómez (2008), a inclusão de questões de qualidade na medição da eficiência tem sido negligenciada, apesar de sua relevância para os cidadãos, os reguladores e o meio ambiente.

Não obstante o reconhecimento de que a qualidade na prestação dos serviços deve ser levada em conta, Marques (2005), ao discorrer sobre a regulação da qualidade de serviço, chama atenção para o fato de que esta é sempre uma atividade complicada, dadas as suas múltiplas dimensões, acompanhadas de reduzida informação disponível sobre a disposição dos consumidores em pagar pela mesma.

Na percepção de Marques (2005), os mecanismos de controle da qualidade de serviço, em particular nos países menos desenvolvidos, com legislação e normatização mais incipientes, deverão ser contemplados no processo regulatório.

Entretanto, Marques (2005) menciona que poderão ocorrer duas situações antagônicas da variação na qualidade de serviço, que são, por um lado, o decréscimo da qualidade de serviço quando esta não é integrada, pelo menos de modo direto, ao processo regulatório (conhecido com quality shaving ou crowding effect) e, por outro, a situação contrária, designada por gold

plate, onde haveria a prestação de um serviço com uma qualidade muito elevada, injustificável

ou, no mínimo, dispensável, com custos incompatíveis, com vista ao incremento da sua remuneração.

Desse modo, importante salientar que o ponto central que se deve observar no tratamento da questão inerente à análise e à precificação dos aspectos de qualidade dos serviços regulados, é o fato de que é desejável que o regulador envide esforços no sentido de buscar, de um lado, o equilíbrio entre o nível de qualidade exigido para atender de forma adequada as necessidades e as expectativas dos usuários e, do outro, a disposição dos usuários em pagar pelos respectivos serviços.

Assim, percebe-se a necessidade de que haja incentivos adequados para que os prestadores de serviços de saneamento busquem continuamente elevar o nível de eficiência em que operam, sem, contudo, deixar de zelar para pelo fato de que o nível de preços deve ser compatível com a disposição a pagar dos usuários e que seja observado que a qualidade dos serviços deve ser adequada ao atendimento das necessidades dos mesmos.

Marques (2005), por sua vez, alerta que a promoção da eficiência pode suscitar alguma tensão no seio da regulação, dado que o regulador quer induzir a entidade regulada a ser mais eficiente, mas se encontra limitado pela informação imperfeita disponível.

Na concepção de Ohira e Marques (2012), um dos principais objetivos da regulação, quiçá o principal, consiste em tornar as entidades reguladas eficientes com vistas a fornecerem o adequado value for money.

No mesmo sentido, Possas, Ponde e Fagundes (1997) asseveram que o objetivo central da regulação de atividades econômicas não é promover a concorrência como um fim em si mesmo, mas aumentar o nível de eficiência econômica dos mercados correspondentes.

Na avaliação de Souza (2003), quando altos níveis de eficiência são objetivos desejados pelas empresas, torna-se importante definir e realizar sua mensuração de acordo com a teoria econômica. Assim, é possível gerar informações úteis para administradores e formuladores de políticas.

Importante utilidade informacional que se pode obter na mensuração da eficiência das empresas é anotada por Souza (2003, p. 3), da seguinte forma:

A estimativa de eficiência é útil, ainda, para fins estratégicos (comparação com outras empresas), táticos (permitir à gerência controlar o desempenho da empresa pelos resultados técnicos obtidos), de planejamento (comparar os resultados do uso de diferentes combinações de fatores) ou para avaliar o desempenho de fatores relacionados à administração interna.

No entanto, cabe enfatizar que a mensuração de desempenho dos prestadores de serviços regulados precisa ser acompanhada da efetiva utilização dessas informações para subsidiar o processo regulatório do setor.

Em termos práticos, para se mensurar a eficiência de um conjunto de entidades, de acordo com Boente (2016), a medida de eficiência de certa entidade pode ser dada pela mensuração da distância da prática observada em relação à fronteira eficiente, definida por uma função das maiores taxas de conversão de x insumos em y produtos, dada uma tecnologia T.

Por outro lado, Honkapuro (2008) esclarece que os efeitos econômicos da avaliação do desempenho são fortemente dependentes da metodologia que é utilizada para se realizar os cálculos regulatórios.

Nesse cenário, percebe-se que o desempenho e a eficiência dos prestadores de serviços de abastecimento de água ou esgotamento sanitário merecem ser objeto de processo de avaliação sistemática, de forma que os resultados reportados possam contribuir para subsidiar a tomada de decisão dos gestores públicos e das entidades reguladoras do setor.