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CAPÍTULO 2: O PROGRAMA SÃO PAULO FAZ ESCOLA E O CONTEXTO DA

2.4. Instrumentos de currículo e a busca pela utilização dos materiais prescritivos

2.4.2. A avaliação externa

Uma segunda maneira que o Estado de São Paulo utiliza para que as escolas apliquem o currículo integrador elaborado para o Estado é o sistema de avaliação externa, representado pelo SARESP (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo)25, e pelas AAPs (Avaliação de Aprendizagem em Processo)26.

Para compreender a forma com que as avaliações externas, em especial o SARESP, no caso do Programa São Paulo Faz Escola, tem influenciado a construção dos currículos e a forma com que o conhecimento escolar tem sido construído, elaborarei uma breve problematização

Não é de hoje que existe o desejo pela mensuração de como caminha a Educação Básica. Gatti (2009), pontua que, no Brasil, a década de 1960 foi bastante significativa devido a grande preocupação existente em elaborar processos avaliativos que eram construídos “baseados em critérios mais claramente enunciados e instrumentos que poderiam garantir, até certo ponto, que a avaliação do nível de realização obtido estivesse mais objetivamente garantida”. (GATTI, 2009, p. 8). Para isso, foram elaborados questionários socioeconômicos buscando compreender a situação dos alunos, bem como quais eram as suas aspirações. Posteriormente, na década de 1970 novos questionários socioeconômicos foram aplicados aos alunos visando compreender qual a relação entre o contexto dos alunos, sua situação socioeconômica e a forma com que eles compreendiam as leituras e as ciências que eram trabalhadas com eles durante as aulas.

Bonamino (2012), divide as políticas de avaliações do Brasil em três gerações, sendo a primeira delas marcada pelo caráter diagnóstico da educação, e as outras duas gerações associadas a um caráter de culpabilização pela situação em que se encontra a educação brasileira.

Quero caminhar na construção de uma reflexão sobre a compreensão de que as avaliações de rendimento, assim como são desenvolvidas atualmente, não foram pensadas e

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O SARESP é alicado uma vez ao ano para os alunos do 3º, 5º, 7º e 9º anos do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio. Apesar de no site do programa < http://www.educacao.sp.gov.br/saresp> aparecer uma apresentadção da prova como sendo de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Redação, apenas as duas primeiras disciplinas são avaliadas diretamente. Após a correção da prova, as escolas, e toda a sociedade, tem acesso ao IDESP (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo), classificando o rendimento da escola e apresentando, posteriormente, um sistema de bonificação às escolas que alcançaram as metas estabelecidas.

26 As AAPs são provas enviadas pela SEE-SP referentes a disciplina Língua Portuguesa e Matemática, para serem aplicadas bimestralmente, como uma forma de treinar para a prova do Saresp.

elaboradas para compreender a complexidade das condições no contexto das escolas brasileiras. Lendo sobre alguns resgates temporais a respeito do processo avaliativo do Brasil (BONAMINO, 2012; GATTI, 2009; ZÁKIA & SOUSA, 2003) é possível perceber que a avaliação externa tem um histórico associado a verificação da qualidade do ensino voltada aos testes de rendimento escolar. Embora admita-se que em alguns momentos houve negociações que trouxeram possibilidades de avaliações mais complexas, o que se nota é que a avaliação externa no Brasil sempre esteve distante de uma avaliação complexa e próxima da realidade das escolas brasileiras. Entendo que durante as disputas e negociações, algumas forças com maiores influências a levaram por esse caminho. Essas forças estão, na atualidade, associadas às políticas neoliberais adotadas no Brasil principalmente na década de 1990. Longe de restringir-se a Educação, essas políticas fazem parte de um conjunto de ideologias associadas a um projeto de nação, onde há uma propaganda de um Estado falido e as funções que deveriam ser asseguradas por esse Estado acabam sendo privatizadas, ou seja, fornecidas por empresas a um custo específico. É dentro desse pacote que as políticas neoliberais afetam a Educação, sendo considerada como uma mercadoria, a ser ofertada por uma empresa, a educação passa a ser reformulada, tem seus padrões de qualidade e excelência visando garantir a competitividade, como acontece nas políticas de mercado.

As avaliações externas27 pautadas em ideologias neoliberais, como é o caso do Saresp, adotado pelo Estado de São Paulo, passaram a repercutir aos professores, alunos e na sociedade como um todo. Zákia (2003) chama atenção para a redefinição do papel do Estado, em que produzido pela visão neoliberal como um todo e afeta o cenário educacional, transformando o Estado executor em Estado avaliador. Com isso, o objetivo deixa de se alcançar uma educação pública e um padrão de qualidade que atenda às necessidades da sociedade brasileira e passa a buscar atender a padrões estabelecidos pelas grandes empresas neoliberais.

A partir desse período crescem a parceria entre Estado e empresas privadas na gestão e no financiamento do ensino, necessitando, cada vez mais, da implantação de sistemas de avaliação para que a qualidade desse serviço seja assegurada. Assim, essas políticas de avaliação passam a mensurar a eficácia escolar associada ao padrão atual de educação.

27 Ao colocar o termo avaliação externa estou embasada em nas concepções teóricas de Machado e Alavarse (2014), que a entendem como sendo a realização de provas padronizadas em larga escala, contemplando amplo contingente de participantes e resultando em um conjunto de informações que pode orientar ações das mais variadas ordens nas políticas educacionais para todos os níveis da federação.

Imbuídas desse sentido, as políticas de avaliação valem de sua força indutora para movimentar o projeto pedagógico das escolas dos diferentes níveis de ensino nesta direção. Índices devem ser alcançados em intervalos de tempos definidos, revelando as performances das escolas na frenética corrida rumo aos melhores lugares no ranking educacional. (SORDI, 2012, p. 160)

Percebe-se que as avaliações passam a nortear políticas curriculares uma vez que, buscando o sucesso nas avaliações, os currículos passam a ser reformulados ou ressignificados pelos próprios professores a fim de que os alunos compreendam de forma mais complexa, apenas determinadas áreas e determinados conteúdos que são legitimados pelas avaliações.

Assim,

As matrizes que referenciam os exames nacionais e internacionais têm se transformado nos definidores das políticas curriculares e funcionam como importantes fronteiras indicando o que deve ser ensinado (conhecimento que se torna oficial e útil pelo simples fato de cair nas provas). Igualmente essas matrizes ganham o estatuto de dizer o que deve ser considerado conhecimento redundante, descartável e, portanto, excluído das aprendizagens a serem garantidas pela escola pública. (SORDI, 2012, p. 161).

Ao delimitar o que se torna importante ser ensinado, a partir da seleção de alguns conhecimentos, as políticas de avaliação acabam determinando quais saberes e práticas pedagógicas serão considerados úteis e aqueles sem utilidade e pouco a pouco vão desaparecendo do currículo escolar. As avaliações externas passam a ter o papel de redefinir o currículo, tendo mais potência do que ele próprio; quando na verdade deveriam servir apenas como orientadora de como o currículo está sendo encaminhado nas escolas.

Outra situação preocupante está associada ao fato de que não só determinados conhecimentos são legitimados e renegados dentro de uma disciplina, mas isso também acontece entre as próprias disciplinas escolares, quando observamos a quantidade de aulas destinadas a cada área do conhecimento percebemos uma discrepância bastante significativa entre Língua Portuguesa e Matemática do restante das disciplinas escolares, que aparecem em um cenário secundário com tempos de aula bem menor. Algumas avaliações externas concentram todas as provas nessas duas áreas de conhecimento Língua Portuguesa e Matemática, o que acaba por legitimar o discurso da tradição das disciplinas, trabalhado por Goodson (1997), demonstrando que desde o início da história das disciplinas escolares,

algumas delas possuíam mais destaque que outras, sendo legitimadas pela intencionalidade de cada um dos países.

A avaliação de rendimento acaba por reforçar esse processo,

observa-se que este modelo avaliativo acaba produzindo intencionalmente um jogo de luz e sombra sobre a realidade educacional das redes de ensino, descartando dados que julga, a seu critério, “redundantes” e desmerecedores de consideração. Ao serem desprezados, simplificam a complexidade do contexto que afetam os resultados dos estudantes. Pior do que isso, orientam o processo decisório das políticas educacionais com base em dados diagnósticos equivocados, mas poderosos com base na crença cega naquilo que dizem os números, fruto da herança positivista que herdamos (SORDI, 2012, p. 161).

Essa situação é ainda mais grave quando consideramos que são inseridas políticas de premiação financeira das equipes escolares, feitas a partir da bonificação das escolas que atingem determinada meta previamente estipulada, demonstrando-se como eficazes e possuidoras de qualidade excelente. Juntamente ao sistema de avaliação externa, essas políticas de premiação financeira acabam por iniciar outro movimento preocupante, relacionado a discursos de prestação de contas e responsabilização. O modelo homogêneo de avaliação aplicado em âmbito internacional, nacional, estadual ou mesmo municipal muitas vezes permite comparações entre as escolas, medindo o rendimento delas de acordo com o resultado em um exame, desconsiderando todo o contexto da escola.

A partir da responsabilização centrada na culpabilização, as escolas passam por um processo onde a gestão é “direcionada para impor determinados procedimentos e práticas que visam resultados visíveis e mensuráveis, sem preocupação com a politicidade dos objetivos, a complexidade dos processos organizacionais e subjetividade dos atores” (AFONSO, 2012, p. 480).

Com isso, me pergunto,

O que dizer de um processo de produção de qualidade que desconsidera a voz dos profissionais da educação? Considerados “redundantes” neste processo, seus saberes profissionais e experiências tem sido sumariamente considerados lixos, fora das especificações. Carecem assim de algo que externamente determinem como devem agir. Necessitam de padrões a seguir rigidamente para que determinados resultados sejam alcançados em linhas de tempo (ou montagem?) previamente definidas e sobre as quais não lhes cabe opinar. Aliás, insiste-se na apresentação destes padrões como algo consensual e isento de contradições. Algo a que as escolas devem se ajustar prontamente e para tal o controle externo é requerido de modo a regular a qualidade dos estabelecimentos de ensino (SORDI, 2012, p. 159).

Penso aqui em duas questões fundamentais que se relacionam a discussão em torno do que consiste a qualidade da educação, intensamente buscada por meio da aplicação de avaliações externas e por instrumentos reguladores da aplicação do currículo, tais como os “caderninhos”, e a forma com que os professores tem seu trabalho afetado por esses instrumentos de controle. Mais adiante, no último capítulo dessa dissertação retomarei essa questão, trazendo a voz dos professores, dialogando seus sentimentos em relação às políticas curriculares do Estado de São Paulo quando as aplicam em sua escola e na sua sala de aula.

No próximo capítulo, busco entender um pouco mais sobre a forma com que os “caderninhos” foram construídos. Para isso, antes da análise dos exercícios, retomo uma reflexão teórica a respeito das diferentes metodologias de ensino, voltando a uma análise epistemológica dos diferentes momentos da didática brasileira, pensando em como eles influenciam na construção do material didático proposto, apresentado apenas por exercícios, no caso do Caderno do Aluno. Ao fazer isso, pretendo dialogar os diferentes momentos da didática brasileira com a análise dos exercícios, trazendo alguns exemplos retirados do material didático colocados em dialogia com a teoria.

CAPÍTULO 3: A DIDÁTICA E A METODOLOGIA DE ENSINO DE GEOGRAFIA