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Disputas em torno do sentido de qualidade educacional no currículo do estado de São Paulo : os cadernos de geografia e as práticas docentes

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto De Geociências

Giovanna Ermani

DISPUTAS EM TORNO DO SENTIDO DE QUALIDADE EDUCACIONAL NO CURRÍCULO DO ESTADO DE SÃO PAULO: OS CADERNOS DE GEOGRAFIA

E AS PRÁTICAS DOCENTES

Campinas 2019

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Giovanna Ermani

DISPUTAS EM TORNO DO SENTIDO DE QUALIDADE

EDUCACIONAL NO CURRÍCULO DO ESTADO DE SÃO PAULO: OS

CADERNOS DE GEOGRAFIA E AS PRÁTICAS DOCENTES

DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DA

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE

CAMPINAS PARA A OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRA EM GEOGRAFIA, NA ÁREA DE ANÁLISE AMBIENTAL E DINÂMICA TERRITORIAL

ORIENTADOR: PROF. DR. RAFAEL STRAFORINI

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA GIOVANNA ERMANI, E ORIENTADA PELO PROF. DR. RAFAEL STRAFORINI

Campinas 2019

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Marta dos Santos - CRB 8/5892

Ermani, Giovanna,

Er55d ErmDisputas em torno do sentido de qualidade educacional no currículo do estado de São Paulo : os cadernos de geografia e as práticas docentes / Giovanna Ermani. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

ErmOrientador: Rafael Straforini.

ErmDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências.

Erm1. Curriculos Planejamento São Paulo (Estado). 2. Ensino -Metodologia. 3. Geografia - Estudo e ensino. 4. Autonomia

didático-pedagógica. I. Straforini, Rafael, 1973-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Geociências. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Disputes over the meaning of educational quality in the curriculum of the state of São Paulo : the notebooks of geography and teching pratices

Palavras-chave em inglês:

Curriculum - Planning - São Paulo (State) Teaching - Methodology

Geography - Study and Teaching Didactic-pedagogical autonomy

Área de concentração: Análise Ambiental e Dinâmica Territorial Titulação: Mestra em Geografia

Banca examinadora: Rafael Straforini [Orientador] Luana Costa Almeida

Ana Angelita Costa Neves da Rocha Evaldo Piolli

Data de defesa: 19-09-2019

Programa de Pós-Graduação: Geografia

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: 0000-0003-3161-6193

- Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/5510788282068518

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AUTORA: Giovanna Ermani

DISPUTAS EM TORNO DO SENTIDO DE QUALIDADE EDUCACIONAL NO CURRÍCULO DO ESTADO DE SÃO PAULO: OS CADERNOS DE GEOGRAFIA E AS PRÁTICAS DOCENTES

ORIENTADOR: Prof. Dr. Rafael Straforini

Aprovado em: 19 / 09 / 2019

EXAMINADORES:

Prof. Dr. Rafael Straforini - Presidente Profa. Dra. Luana Costa Almeida

Profa. Dra. Ana Angelita Costa Neves da Rocha Prof. Dr. Evaldo Piolli

A Ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros, encontra-se disponível no SIGA - Sistema de Fluxo de Dissertação e na Secretaria de Pós-graduação do IG.

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O que tem no chão da escola que tanto atrai (no desejo de

controle) como incomoda? (MACEDO, 2015, p. 903)

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AGRADECIMENTOS

Essa dissertação foi o resultado de um processo que vem sendo construído desde a educação básica, quando optei pela geografia, quando optei pela universidade pública e, mais tarde, quando optei pelo ensino de geografia, pela educação. De forma que pensar nos agradecimentos e sistematiza-los, se torna uma difícil tarefa, por isso, decidi pontuar e agradecer algumas das grandes influências durante esse processo.

Inicio pensando nos meus professores da educação básica: à Mariana, que lecionava geografia no meu Ensino Médio, que me fez pensar sobre a forma com que o mundo está organizado e a desigualdade social quando trabalhou uma música do Seu Jorge, “se eu pudesse eu não seria um problema social”, ou quando ela falava sobre o Milton Santos, que eu nem sabia quem era, mas achava que ele tinha muitas ideias legais. Depois veio o Rafael, meu professor de geografia do cursinho, que me mostrou que a geografia servia como um instrumento para ler o mundo. E que por meio da geografia eu seria capaz de compreender e transformar o mundo, o que me fez ter certeza que era isso que eu queria para a minha vida naquele momento. Agradeço a esses dois professores em especial, mas também a todos aqueles que passaram pela minha vida escolar e deixaram marcas teóricas e afetivas, possibilitando o meu crescimento e minha transformação.

Agradeço aos professores da UNICAMP que me ajudaram a compreender os métodos da geografia, que para mim foi mais importante do que qualquer conteúdo, e que os utilizo cotidianamente em minhas aulas na educação básica, a fim de possibilitar aos meus alunos a leitura e a intervenção no mundo em que vivem. Agradeço à professora Tereza Paes, que me ensinou sobre metodologia da geografia enquanto ciência, o que me possibilitou pensar em como fazer a transposição disso para o ensino da geografia escolar. O professor Vicente Eudes, que me ensinou sobre a indignação perante as injustiças da organização espacial da América Latina. E também me ensinou na prática o que é uma aula dialógica e qual a importância de ouvir seu aluno. O Ricardo Castillo, que não só me ensinou sobre redes e fluxos e sobre a geografia agrária de uma maneira brilhante, mas, principalmente, me ensinou que uma boa aula deve ser construída de forma organizada e sistematizada; com ele aprendi que deve-se pensar onde se quer chegar em uma aula e traçar as estratégias para alcançar seu objetivo, sempre utilizando a didática como instrumento. À professora Adriana Bernardes, que me ensinou sobre a geografia urbana e me trouxe uma pesada discussão sobre Milton Santos, me ensinando que é preciso um rigor teórico e seriedade quando trabalhamos com a construção do conhecimento. Além deles, contribuíram de forma significativa para meu

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processo de construção do conhecimento, os professores Archimedes Perez, o professor Francisco Ladeira, o professor Márcio Cataia e à professora Regina Célia.

Finalizando as influências dos docentes em minha acadêmica, trazendo os professores Rafael e Angelita, que representam grande parte da reflexão construída nessa dissertação, de um jeito leve e prazeroso que em muitos momentos nem parecia que estávamos em um ambiente acadêmico. O professor Rafael Straforini, que foi muito além do que um orientador, foi ele quem me motivou a desenvolver minha pesquisa na área do ensino de geografia, e que me possibilitou olhar a sala de aula como um ambiente de potencialidades infinitas, onde tudo pode virar um instrumento para a construção do conhecimento em sala de aula, como ele diz. A forma com que ele fala sobre a educação básica me fez querer estar lá, me fez compreender que a escola é um ambiente onde se exige uma boa formação, onde o professor pesquisador seja capaz de refletir sobre suas práticas e atuar enquanto um intelectual, construindo e repensando o processo de ensino-aprendizagem. A professora Angelita me inspira, me faz querer ser melhor e me faz querer ser uma professora que permite que meus alunos pensem e construam o conhecimento de forma compartilhada e ao mesmo tempo autônoma, livre.

Agradeço a todos do grupo de pesquisa APEGEO, que passaram em algum momento por mim, produzindo reflexões, orientações e relações afetivas muito intensas. Agradeço à Anni e à Jé pela amizade e pelas conversas que sempre me moviam a pensar os meus incômodos, saindo com novas ideias e outras tantas questões. E à Gabi e à Teté, que estiveram comigo durante toda a graduação e no mestrado, e que compartilharam comigo não só a técnica e teórica, mas a emoção e a afetividade, as quais levarei comigo para o resto da vida.

Agradeço a todos os amigos que estiveram por perto nesse tempo e que entenderam algumas de minhas ausências, e me incentivaram a continuar caminhando, tendo forças para finalizar essa fase da minha vida; muitas vezes sendo a fonte de energia que me faltava. Agradeço aos velhos e aos novos amigos que vão surgindo de forma espontânea e criando suas marcas. Também agradeço à minha família, que sempre olha para minhas escolhas com admiração, e isso me faz querer ser melhor para que eles fiquem satisfeitos.

O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) – Código de Financiamento 001.

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Agradeço à CAPES pelo financiamento da pesquisa, à UNICAMP e à UERJ por toda que encontrei nessas universidades e por me ensinarem a dimensão do conhecimento enquanto algo público e que deve ser compartilhado.

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RESUMO

O presente texto apresenta a reflexão desenvolvida durante minha pesquisa de mestrado, acerca das políticas curriculares brasileiras. Concentrando essa análise no Programa São Paulo Faz Escola, identifico os discursos que permeiam a construção dessa política, bem como, aqueles que são produzidos a partir da instituição de instrumentos de currículo, tais como os “caderninhos”, que visam controlar a forma com que o currículo é desenvolvido em sala de aula. Concentrando-me na relação entre o universal e o particular, utilizo a Teoria do Discurso de Ernesto Laclau, a fim de compreender a forma com que os professores de geografia encaram a política curricular, identificando os sentidos de escola produzidos a partir dessas políticas curriculares, que visam estabilizar um discurso hegemônico a partir da instituição de recursos pedagógicos que utilizam a didática enquanto instrumento para alcançar a qualidade da educação, acabando por limitar a autonomia docente.

Palavras-chave: Políticas curriculares, Programa São Paulo Faz Escola, Didática da Geografia e

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ABSTRACT

The following text shows a a reflexion developed inside the time of my master research, about the Brazilian curriculum policies. Focusing this analisys in the "São Paulo Make School" (In translation to "São Paulo faz Escola"), I identify the speechs that permeate this policities stuctures, as well as, those that are produced by the curriculum instruments institution, such like the "Little notebooks", that aim to control the way the curriculum is developed inside each classroom. Focusing my attention in the relationship between universal and particular, I apply the Ernesto Laclau's Speech Theory, to comprehend the method as the geography teachers see the actual policity, diagnosing the school's sense produced from those curriculum policies, that aim to establish a hegemonic discourse from the pedagogical resources instituition that applies the didatics as a tool to achieve the education's quality, this way, limitating teacher's autonomy.

Keywords: Curriculum Policies. São Paulo Make School Program, Geography Didatics and Teacher's Authonomy

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LISTA DE FIGURAS

Imagem 1: Ilustração de um rizoma, proposta de leitura para as políticas curriculares. Imagem 2: Currículo do Estado de São Paulo.

Imagem 3: Apresentação dos “Caderninhos”.

Imagem 4: Fragmento de uma das metodologias de ensino apresentadas no Caderno do Professor.

Imagem 5: Fragmento de uma das metodologias de ensino apresentadas no Caderno do Professor.

Imagem 6: Fragmento de uma das metodologias de ensino apresentadas no Caderno do Professor.

Imagem 7: Fragmento de uma das metodologias de ensino apresentadas no Caderno do Professor.

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LISTAS DE QUADROS

Quadro 1: Teoria do discurso e seus instrumentalizadores teórico-metodológicos. Quadro 2: Linha do tempo das teorias de currículo.

Quadro 3: Comparação entre o curso Normal e o curso de Pedagogia com relação à concepção de teoria e prática, segundo as entrevistas de Cruz (2008).

Quadro 4: Síntese das distintas abordagens didáticas, suas concepções teóricas e seus objetivos, segundo Candau (2008).

Quadro 5: Marcos epistemológicos da geografia acadêmica e suas reflexões na geografia escolar.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AAP – Avaliação de Aprendizagem em Processo

APEGEO - Ateliê de Pesquisas e Práticas em Ensino de Geografia ATPC – Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo

BNCC – Base Nacional Curricular Comum

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CENP – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas

DE – Diretoria de Ensino

ENPEG - Encontro Nacional de Práticas de Ensino de Geografia IDESP – Índice de Desenvolvimento da Educação de São Paulo IGE – Instituto de Geociências

PAD – Programa de Apoio Didático PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

PROPED/UERJ – Programa de Pós-Graduação e Educação/ Universidade Estadual do Rio de Janeiro

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

SARESP - Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo SEE/SP – Secretaria da Educação do Estado de São Paulo

UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...15

CAPÍTULO 1: QUESTÕES TEÓRICO METODOLÓGICAS – APRESENTANDO OS CAMINHOS TRILHADOS DURANTE TODA A CAMINHADA DA PESQUISA ...22

1.1. A Teoria do Discurso ...22

1.2. Universalismo e Universalismo como categorias instrumentalizadoras na análise do objeto de estudo ...32

1.3. O discurso da “qualidade da educação” e seu corte antagônico: a qualidade da formação docente ...36

1.4. Significante Vazio como instrumentalizador teórico que auxilia na compreensão da busca pela “qualidade da educação” ...39

CAPÍTULO 2: O PROGRAMA SÃO PAULO FAZ ESCOLA E O CONTEXTO DA ESCOLA: QUEM LIMITA QUEM? ...41

2.1. A criação do Programa São Paulo Faz Escola enquanto um momento na política de currículo do Estado de São Paulo ...49

2.2. A política de integração curricular ... 51

2.3. A qualidade da educação enquanto Significante Vazio ... 55

2.4. Instrumentos de currículo e a busca pela utilização dos materiais prescritivos ...60

2.4.1. Os “caderninhos” ...60

2.4.2. A avaliação externa ...71

CAPÍTULO 3: A DIDÁTICA E A METODOLOGIA DE ENSINO DE GEOGRAFIA.76 3.1. Diferentes momentos da didática enquanto campo epistemológico ...76

3.2. Qual o lugar da didática específica associada a disciplina geografia? ...90

CAPÍTULO 4: ESCUTANDO AS PROFESSORAS E IDENTIFICANDO ESCUTANDO ÀS PROFESSORAS E IDENTIFICANDO COMO OS DISCURSOS PRODUZIDOS PELAS POLÍTICAS CURRICULARES CHEGAM ÀS ESCOLAS ...106

4.1. As impressões sobre os “caderninhos” de quem o usa cotidianamente ...108

4.2. A perda do intelectualismo docente em sala de aula ...117

4.3. Qual a escola pública você gostaria de trabalhar? ...122

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...127

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...131

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INTRODUÇÃO

Ao olhar para trás e tentar repensar os caminhos trilhados para a construção dessa pesquisa sinto que as indagações iniciais foram surgindo de acordo com a minha trajetória enquanto participante do grupo de pesquisa APEGEO (Ateliê de Pesquisas e Práticas em Ensino de Geografia), bem como enquanto professora da educação básica. Em um momento me vi mergulhada no conceito de “recontextualização por hibridismo” (LOPES, 2005), conceito teórico no qual baseou-se a minha pesquisa de Iniciação Científica (IC)1, ainda em um estágio de maturação da pesquisa de IC, deparei-me com um dos encontros mais prazerosos que a vida me proporcionou: a sala de aula. A escola passou a ocupar uma parte significativa de minha energia física e mental, não porque eu estivesse dando muitas aulas, mas a inicial carga de 12 horas/aulas para uma pessoa que viveu seus últimos anos mergulhada em bibliotecas e na bolha da universidade pública, acabou pesando nessa nova realidade.

A experiência na escola pode ser dividida em dois eixos: a sala de aula e a relação com os colegas de trabalho; ambas permeadas de significados e adjetivos diversos. Imagino que no decorrer deste texto algumas situações possam surgir que demonstrem, de forma mais clara, o primeiro eixo apresentado (a sala de aula), cujos descobrimentos foram muito prazerosos e os desafios bastante motivadores, resultando em um saldo muito positivo.

Nesse sentido, uma questão que sempre me intrigou diz respeito a metodologia de ensino de geografia. Ao preparar as minhas aulas, muito do tempo utilizado destinava-se a pensar na forma com que eu iria abordar os temas, quais seriam os recursos utilizados, bem como os instrumentos que seriam aplicados a fim de facilitar o processo de ensino/aprendizagem. Outra questão que me intrigou durante o momento em que estive inserida de forma inicial no contexto escolar, era a grande preocupação, principalmente por parte da coordenação, com a utilização da matriz de referência do Enem, pautada nas competências e habilidades de cada área. O colégio possuía um sistema apostilado que havia

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Pesquisa, sob orientação do prof. Dr. Rafael Straforini, na qual realizei uma análise comparativa de dois documentos curriculares do estado de São Paulo, o documento da CENP (1988) e o currículo do estado de São Paulo (2010). Para refletir sobre a análise, utilizei o conceito de permanências e mudanças de Goodson (1997), na qual concluí que embora os enunciados textuais sejam distintos, os sentidos de geografia dos currículos possuem mais permanências do que mudanças. Os dois grandes discursos que encontrei no currículo atual e que não estavam presentes no currículo da CENP, portanto as mudanças, foram as tecnologias da informação, muito concentrada na obra do geógrafo Milton Santos, e o discurso ambientalista, como forma de conscientização do aluno durante a educação básica.

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elaborado a sua própria matriz de referência – que de certa maneira dialogava com a do Enem -, para todo o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio. Dessa maneira, durante as reuniões pedagógica muitas vezes nos eram apresentados gráficos que demonstravam o desempenho dos alunos de cada série em cada uma das competências e habilidades. Após isso, nós professores, éramos convidados a uma reflexão acerca de como desenvolver tais “habilidades” nos alunos por meio de cada disciplina durante nossas aulas.

Por outro lado, o segundo eixo me trouxe algumas surpresas. Talvez por nunca ter trabalhado formalmente, ou por estar a muito tempo envolvida com um grupo de pessoas que se conhecia a muito tempo, ou que pensava de forma similar, a chegada à escola me fez construir uma percepção de que o ambiente de trabalho e, principalmente, o convívio com os colegas de trabalho nem sempre era uma atividade que acontecia com naturalidade, como era com os colegas de curso da geografia da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas). No entanto, sem me delongar acerca dessa questão, penso que há uma grande potência à quebra da inércia quando nos deparamos com algo distinto de nós; quando vemos e ouvimos algo novo, somos movidos a pensar sobre aquilo, a construir visões, opiniões e conhecimento sobre o novo. E é nesse cenário que os primeiros traços desse projeto de pesquisa começam a ser desenhados.

Inserida nesse contexto, em uma reunião semanal da área de Ciências Humanas, uma dos professoras comentou que na outra escola que trabalhava, uma escola pública da rede estadual de São Paulo, já havia acabado o conteúdo bimestral, mas que estava ajudando o professor de matemática com o conteúdo dele, auxiliando os alunos a lerem tabelas e gráficos, que era um conteúdo importante para a prova do SARESP (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo), que se aproximava. Inicialmente essa frase passou por mim despercebida, como parte de uma conversa informal, mas com o passar das semanas, as leituras que estávamos realizando no grupo de pesquisa APEGEO (Ateliê de Pesquisa e Práticas em Ensino de Geografia), bem como meus próprios questionamentos daquele momento, me fizeram voltar àquela frase e pensar sobre como as avaliações externas à escola influenciavam no desenvolvimento do conteúdo das disciplinas escolares. A partir daquele momento passei a refletir e a questionar de que forma isso acontecia e quais eram os impactos para a geografia escolar, construindo os primeiros pressupostos do projeto a seguir.

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O grupo de pesquisa foi fundamental para a delimitação do método, representado na forma pela qual o objeto seria investigado, bem como inserindo diversos questionamentos que foram desenhando a pesquisa que apresento a seguir.

DESENHANDO A TRAJETÓRIA DO PROJETO DE PESQUISA: O INÍCIO E OS RETOQUES QUE FORAM SENDO DADOS

Uma vez que ao longo do processo da pesquisa o próprio objeto ao qual me debrucei foi ganhando novos recortes e novos olhares, entendo a importância de desenhar a trajetória percorrida desde o momento em que construí o projeto como parte do processo seletivo da pós-graduação do Instituto de Geociências (IGE) até o dia de hoje, pontuando as diferenças no olhar para o objeto de estudo, bem como as mudanças nos questionamentos e o surgimento de novos sujeitos.

Os incômodos iniciais, assim como mencionado acima, as falas daquela professora mencionada acima, e meus pensamentos insistentes sobre como a geografia poderia estar perdendo seu espaço nas escolas públicas. Ao voltar para projeto de pesquisa elaborado para o processo de seleção da pós-graduação, os primeiros questionamentos que apareciam eram esses:

 Como a instrumentalização das metodologias de ensino presentes em documentos curriculares tem influenciado os materiais didáticos produzidos?

 Em que medida essas metodologias influenciam a forma com que o professor planeja sua aula?

 Existe uma relação direta entre as metodologias de ensino e as provas oficiais designadas aos alunos da educação básica?

 As metodologias de ensino são consideradas pelos professores como uma parte fundamental no processo de ensino/aprendizagem na educação básica?

Percebe-se que o objeto da pesquisa, desde o início, concentrou-se na análise das metodologias de ensino presentes nesses documentos. Naquele momento meu principal objetivo concentrava-se em olhar as políticas curriculares como universais, como forças maiores, cuja potência provavelmente apagariam as ações do cotidiano escolar. Em minhas ideias iniciais o SARESP possuía uma força única nas escolas, sendo responsável por promover sentidos de geografia com base nas questões que apareciam nas avaliações externas; entendia que o SARESP se comportava como um norteador de currículo na

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delimitação do que deveria ser ensinado, pensando no que seria cobrado nas avaliações externas.

A disciplina sobre avaliação externa que cursei na Faculdade de Educação da UNICAMP, de certa forma, reforçou esse posicionamento. Durante a disciplina li e discuti textos que trabalhavam com a avaliação externa como perversidade (FREITAS, 2005; LEITE, 2005; SORDI E SOUSA, 2009; DIAS SOBRINHO, 2010; SORDI, 2012; AFONSO, 2012), enfatizando os aspectos negativos de sua utilização e construindo um caminho para pensá-la de forma mais potente, como uma avaliação participativa. Ao refletir sobre o modelo que não tem conseguido atingir o objetivo de avaliar para produzir melhorias na educação, meu pensamento anterior era reforçado. Ao olhar para o SARESP, percebia o quanto essa prova determinava o conhecimento escolar por meio dos conteúdos que eram legitimados por ela. A geografia, como disciplina escolar, vem perdendo espaço por meio da construção de um sentido distante da funcionalidade da disciplina.

Um segundo momento na construção do projeto dessa pesquisa foi durante a realização da disciplina de seminários2, ao apresentar meu projeto para a turma, algumas alunas da disciplina levantaram a seguinte questão: “Giovanna, quem te disse que isso ocorre

realmente assim na escola? Você precisa ouvir os professores, na escola em que eu trabalho, porque lá ninguém liga para o SARESP, ninguém é cobrado por isso, e, embora não tendo esse objetivo, a escola apresenta uma boa nota na avaliação”.

Confesso que isso me causou um grande desconforto, pois a forma com que havia pensando até então não fazia sentido? A geografia desenvolvida pela professora Nathália3 em auxílio aos professores de Língua Portuguesa e Matemática não aconteciam em outras escolas? Por alguns dias tentei ignorar o comentário e seguir com a pesquisa. Mas, com o passar dos dias parecia que não conseguia pensar como antes, a fala da professora/pesquisadora, aluna da disciplina, me incomodou tanto, a ponto de ser potente para uma outra forma de pensar. Em orientação, Rafael e eu decidimos que as entrevistas entrariam

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A disciplina Seminários (GG013), obrigatória para os alunos de pós-graduação do Instituto de Geociências da Unicamp, concentra-se na orientação dos projetos de pesquisa apresentados pelos alunos de mestrado e doutorado. Os alunos matriculados na disciplina apresentam os projetos divididos em subáreas temáticas da geografia e são orientados por professores convidados externos que trabalham com essa temática ou próximo a ela.

3 A professora que trabalhava comigo no colégio e que me trouxe a reflexão inspiradora para desenvolver a minha pesquisa de mestrado.

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como metodologia da minha pesquisa. Foi, então, que montamos a entrevista e fui ouvir as professoras4.

Ao ouvi-las5, outras questões foram surgindo. Havia a professora que era nova na escola – e também nova na docência -, e não entendia muito bem a lógica da avaliação externa, não incorporava questões envolvendo preparações para o SARESP à sua prática, mas tinha momentos em que cedia às pressões da gestão escolar e trabalhava os pontos que os alunos tinham mais dificuldade, evidenciados pelas respostas na prova. Outra professora seguia os materiais elaborados pelo estado, os achava importante e preparava seus alunos para o SARESP, que além de medir a qualidade da escola, recompensava os professores e gestores com bônus. E, por fim, havia a professora que resistia a qualquer tentativa de pensar o SARESP, o ignorava e o negava em suas aulas.

Junto da análise das entrevistas, participava do grupo de pesquisa da professora Alice Casimiro Lopes (PROPED/UERJ)6, e, ao ler algumas questões sobre método – o método que eu utilizo nessa pesquisa -, a professora falava sobre como algumas pessoas que, mesmo falando e tentando encaixar em sua pesquisa o método pós-estruturalista, a exemplo da Teoria do Discurso, ainda continuavam a fazer pesquisa de uma forma estruturalista; fazendo perguntas e encontrando respostas que já constavam em suas hipóteses iniciais, deixando suas pesquisas fechadas e pouco potentes às descobertas e às vozes dos sujeitos. Ao ouvir isso, eu pensei na hora: “Essa sou eu! Desenhei o meu método na Teoria do Discurso;

forjei algumas categorias analíticas em Laclau com o objetivo de analisar meu objeto de pesquisa; ouvi as professoras, mas mesmo assim continuo querendo pensar sobre o poder universal do SARESP”.

Pensei sobre isso por algumas semanas, se por um lado queria repensar essas questões e reformular o meu olhar para a pesquisa, viver o meu método, que na vida acho que conseguia fazer de maneira mais eficiente do que na pesquisa, por outro eu pensava que essa mudança de olhar seria impossível, seria como reestruturar (ainda posso pensar nessa estrutura?) toda a pesquisa, tendo poucos meses para a qualificação. Encontrei o meu

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É por esse motivo que o projeto foi submetido à Plataforma Brasil e analisado pelo Comitê de Ética, sendo aprovado no dia 23 de junho de 2017, sob o seguinte número do parecer 2.134.477.

5 Foram entrevistadas três professoras, as quais apresentarei no capítulo 4, bem como desenvolverei quais foram as justificativas na escolha das mesmas.

6

Durante o segundo semestre de 2017, estive em intercâmbio com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde tive contato direto com o grupo de pesquisa em currículo, orientado pela professora Alice Casimiro Lopes, com reuniões semanais com discussões de textos.

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orientador na defesa de mestrado da Stéphanie, uma amiga que também faz parte do APEGEO e disse a ele: “Strafo, nada mais faz sentido”, e ele respondeu: “que bom, isso é

ótimo. Vamos conversar...”.

Algumas semanas depois conseguimos marcar uma orientação. Durante esse período participei do ENPEG (Encontro Nacional de Práticas de Ensino de Geografia), e novas questões foram surgindo, ao mesmo tempo em que a angústia foi dando lugar a uma aceitação. Essa aceitação vinha do fato de que passei a pensar que talvez fosse essa a potência da pesquisa.

Assim, a partir dessas considerações sobre a trajetória de minha pesquisa, tive coragem de assumir algumas “brigas”, de revirar alguns incômodos e incorporar outros. Acredito que de todas as questões apresentadas nessa pequena trajetória, o que fica mais latente é a mudança de olhar. A partir da compreensão mais madura dos instrumentalizadores teóricos, por meio das leituras realizadas tanto no APEGEO como no grupo de pesquisa da professora Alice, passei a entender que o universalismo existe em relação com diversos particularismos, não os olhando como noções opostas, mas como posições distintas que, por meio de conflitos, negociações e articulações, vão construindo uma hegemonia provisória, precária e contingencial.7

Assim, entendo que

O universal é parte de minha identidade na medida em que sou penetrado por uma falta constitutiva, isto é, na medida em que minha identidade diferencial fracassou no processo de sua constituição. O universal surge a partir do particular não como um princípio subjacente a este e que o explica, mas como um horizonte incompleto, que sutura uma identidade específica deslocada (LACLAU, 2011, p. 57).

A partir disso, a pesquisa passou a ter como objetivo a compreensão da relação entre políticas curriculares, entendidas enquanto universais e a forma com que elas são lidas nas escolas, considerando essa releitura enquanto os particularismos, que disputam sentidos entre o que é hegemônico. Passei a me questionar quais são os discursos que permeiam a construção do Programa São Paulo Faz Escola enquanto política curricular, bem como a forma com que essas políticas são encaradas nas escolas, e essa foi a reformulação da problemática da minha pesquisa.

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Universalismo e particularismos são categorias instrumentalizadoras para a análise da Teoria do Discurso elaborada por Ernesto Laclau, que nessa pesquisa, constituem-se como o método pelo qual esforço-me em olhar para meu objeto de pesquisa.

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Por fim, entendo que a mudança de visão do objeto da pesquisa acabou me levando a pesquisar os sentidos das políticas curriculares estabelecidas nas escolas pelo Estado por meio do Programa São Paulo Faz Escola, produzindo sentidos e discursos que alteram a dinâmica da escola e reduzem a autonomia docente.

Assim, organizei este texto a fim de possibilitar a construção de uma discussão teórica envolvendo elementos observados na prática cotidiana da sala de aula. No primeiro capítulo elaborei uma discussão a respeito do significado do método para a pesquisa, elucidando a Teoria do Discurso, bem como qual sua relação com o objeto da pesquisa, e seus instrumentalizadores teóricos utilizados nessa pesquisa. No segundo capítulo construí uma apresentação do Programa São Paulo Faz Escola, seu contexto de criação, bem como as principais políticas curriculares que se desenvolvem a partir dele. Ainda mais, busquei caracterizar o documento curricular para a disciplina de geografia, analisando como os “caderninhos” de geografia e a forma com que a utilização do mesmo acaba por influenciar na autonomia docente. O terceiro capítulo foi escrito a partir das leituras que necessitei realizar para compreensão da didática e das metodologias de ensino. Ao analisar os documentos curriculares percebi que a didática é o principal instrumento utilizado nos “caderninhos”, e que por isso é necessário refletir a respeito desse campo de conhecimento da ciência, essa reflexão é desenvolvida no terceiro capítulo. Por fim, o quarto capítulo apresenta as entrevistas realizadas com as professoras que atuam na rede básica de ensino paulista. Apresento a forma com que elas se apropriam das políticas curriculares produzindo e ressignificando sentidos, e a forma com que suas falas demonstram as intencionalidades da aplicação do Programa São Paulo Faz Escola na rede de básica de ensino.

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CAPÍTULO 1: QUESTÕES TEÓRICO E METODOLÓGICAS - APRESENTANDO OS CAMINHOS TRILHADOS DURANTE TODA A CAMINHADA DA PESQUISA

Certa vez, Rafael, orientador dessa pesquisa, em uma de nossas reuniões semanais enquanto grupo de pesquisa (APEGEO), mencionou que ao olhar para trás e revisitar suas pesquisas anteriores, ele concluiu que as suas temáticas de pesquisa ficaram ultrapassadas, porém, o que ficou mesmo foi o aprendizado do método da pesquisa, a forma com que olhamos para nosso objeto. Assim, o capítulo inicial dessa dissertação concentra-se em explicitar algo que é essencial em uma pesquisa, a visão de mundo na qual se busca olhar o objeto de pesquisa e todas as outras questões que vão surgindo ao longo desses percursos. Ao elaborar este capítulo, apresento um pouco da trajetória que desenvolvemos enquanto grupo de pesquisa, onde construímos, no passar de alguns anos juntos, a compreensão e o caminho para uma visão de mundo provisória e em constante (re) construção.

Assim, trago ao texto a Teoria do Discurso e argumento o motivo da escolha dessa concepção teórica, uma vez que ela foi desenvolvida por cientistas políticos, Ernesto Laclau e Chantau Mouffe, e apresenta um arcabouço teórico associado a esta ciência. Inicialmente, desenvolvo uma linha de pensamento sobre os instrumentos teóricos que serão utilizados na análise dos objetos da pesquisa.

1.1. A Teoria do Discurso

Pero en este movimiento general de muerte de los dioses, de las ideologías de salvación y de los grandes sacerdotes del intelecto, ¿no estamos haciendo posible que cada hombre y cada mujer asuman plenamente la responsabilidad de su propia contingencia y de su propio destino? (LACLAU, 2000, p. 206).

A apresentação da Teoria do Discurso enquanto método orientador dessa pesquisa, como já mencionado, faz parte do contexto dos caminhos teóricos desenvolvidos pelo grupo de pesquisa APEGEO ao longo dos últimos seis anos.

No início da constituição do grupo de pesquisa na UNICAMP, no ano de 2013, concentramo-nos em leituras envolvendo o currículo, as políticas curriculares e o ensino de geografia. As escolhas dos debates teóricos foram variadas, uma vez que o orientador do grupo de pesquisa, Rafael, acreditava que tínhamos de compreender as diversas contribuições teóricas no estudo do currículo, para depois escolhermos uma linha que dialogasse com a maneira que desejássemos olhar para nosso objeto. Assim, nesse período lemos as seguintes obras: A construção social do currículo (1997), de Yvor Goodson; Ideologia e Currículo

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(1999), de Michael W. Apple; e, Teorias de Currículo (2011), de Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo.

Todos esses autores contribuíram de alguma maneira na construção de nosso entendimento sobre o currículo e aparecem ao longo de nossa trajetória como pesquisadores na área do currículo8ao longo de nossas publicações e em nossas pesquisas sobre o tema. No entanto, na análise de todas essas linhas teóricas sobre o currículo, o livro Teorias de Currículo nos chamou muita atenção como grupo, não só pela complexidade do que ali era apresentado, mas também pela referência ao olhar o currículo a partir da Teoria do Discurso, de Ernesto Laclau e Chantau Mouffe.

O contato com a teoria, a partir da apresentação e da interpretação que as autoras trouxeram em seu livro, fez com que Rafael sugerisse a leitura do Laclau em nosso grupo de pesquisa. A decisão foi inicialmente ler Laclau “in natura”, mesmo que isso significasse entender ou compreender “pouca coisa”, do que nos era apresentado enquanto teoria. Foram meses difíceis, pois a efetiva apreensão da teoria foi lenta e demandou um esforço para além do que estávamos acostumados. Apesar disso, foram meses importantes de crescimento e aprendizado e o desenvolvimento de um grupo de pesquisa mais maduro. E no final, sempre ficam “algumas coisas, mesmo que sejam mais dúvidas...”

Posteriormente, no semestre seguinte, Rafael sugeriu a leitura de autores que trouxessem a discussão da Teoria do Discurso, como uma forma de melhorar a compreensão de algumas questões que permeavam nossas práticas de pesquisa. Nesse momento, lemos Pós-estruturalismo e a Teoria do Discurso: em torno de Ernesto Laclau (2014), um livro organizado por Daniel Mendonça e Leo Rodrigues e que traz a contribuição de diversos autores que apresentam a Teoria do Discurso, a contextualizam teórica e historicamente, e trabalham alguns dos conceitos centrais na discussão da teoria.

A partir desse momento, passamos a compreender, enquanto grupo de pesquisa, algumas discussões apresentadas na teoria, e fizemos o exercício de dialogar nossas

8

Como é possível notar, por exemplo, nos seguintes trabalhos:

1) ERMANI, G.; JORDAO, G. F. . Formação cidadã: prática educacional para a transformação social. In: III Encontro Regional de Ensino de Geografia, 2013, Campinas. Anais do III Encontro Regional de Ensino de Geografia: Práticas Educativas em Ensino de Geografia (re) criando os documentos curriculares. Campinas: Associação dos Geógrafos Brasileiros - Seção Campinas, 2013. v. 1. p. 113-119. 2) ERMANI, G.; JORDAO, G. F. O processo de recontextualização por hibridismo da Proposta Curricular de Geografia da CENP (1988) na atual Proposta Curricular do Estado de São Paulo para o ensino de geografia do ensino fundamental. In: Congresso Brasileiro de Geográfos, 2014, Vitória/ES. Anais Eletrônicos do VII CBG, 2014. 3) ERMANI, G.; PANUTTO, S. R. . Atuação do professor-pesquisador e a valorização do cotidiano do aluno: medidas práticas na busca de um ensino significativo. In: V Congresso Brasileiro de Educação, 2015, Bauru. Anais V Congresso Brasileiro de Educação, 2015.. 4) ERMANI, G.. A proposta curricular para o ensino de geografia - 1ºgrau da CENP/SP (1988): um momento na política de currículo brasileira. In: V Encontro Regional de Ensino de Geografia, 2016, Campinas/SP. Anais do 5º Encontro Regional de Ensino de Geografia: As políticas curriculares e o ensino de Geografia, 2016. p. 363-373.

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pesquisas com o método da Teoria do Discurso, enxergando um sentido nas leituras, e mais, percebendo a Teoria do Discurso enquanto o método que no momento, fazia sentido para a leitura de nossos objetos.

Após isso, ainda lemos alguns textos onde autores e autoras que utilizavam a teoria em suas pesquisas e em suas obras para compreender a forma com que faziam isso. Por fim, durante o segundo semestre de 2017, em que participei do grupo de pesquisa da professora Alice Casimiro Lopes, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), tive uma contribuição significativa para que esse olhar da pesquisa, a partir da Teoria do Discurso, ocorresse de forma um pouco mais leve.

É com base nessa trajetória que apresento um pouco de como a Teoria do Discurso é utilizada em minha pesquisa.

A Teoria do Discurso é pensada por Ernesto Laclau e Chantal Mouffe nas últimas décadas do século XX, na obra “Hegemony and socialist strategy: towards a radical

democratic politics” (1985), a partir da “crise do Estado de Bem-estar social, a emergência de

novos movimentos sociais, o declínio da classe operária tradicional, o fim do sistema fordista de produção e o surgimento do capitalismo pós-industrial” (GIACAGLIA, 2014, p. 94).

Laclau e Mouffe entendem que a complexidade da sociedade contemporânea não consegue ser explicada apenas pelo marxismo, ou por qualquer teoria desenvolvida até aquele momento. A emergência de novos movimentos sociais e o declínio da classe operária tradicional, fez com que o marxismo ficasse

adstrito a uma concepção essencialista de sociedade, calcada, sobretudo na lógica reducionista das relações sociais restritas ao antagonismo capital versus trabalho. Em oposição, Laclau argumenta que o que existe efetivamente é um complexo espectro social formado por um sem número de identidades, constituídas a partir de relações discursivas antagônicas distintas do antagonismo de classe que, segundo a sua análise, tem locus particular e não a priori universal neste intrincado jogo. Essa complexidade do social não é percebida e/ou alcançada pelo marxismo, o que retira dessa corrente teórica a capacidade de análise mais refinada e pertinente dos múltiplos antagonismos sociais possíveis (MENDONÇA E RODRIGUES, 2014, p. 48).

A teoria é elaborada a partir da observação de uma crise política generalizada, tanto do capitalismo como do socialismo, “provocando a queda das hegemonias tradicionais e a constituição de uma nova ordem social” (GIACAGLIA, 2014, p. 94).

Dessa maneira, entendo que Laclau observa que há a necessidade de uma quebra de paradigma da interpretação da política e a urgência da reformulação do pensamento

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teórico capaz de lê-la em um novo contexto, dialogando com outros autores que também faziam o mesmo movimento.

A explosão de identidades étnicas e nacionais na Europa oriental e nos territórios da antiga União Soviética, lutas de grupos imigrantes na Europa ocidental, novas formas de protestos multicultural e autoafirmação nos Estados Unidos, a que temos de acrescentar uma gama de formas de contestação associadas aos novos movimentos sociais (LACLAU, 2011, p. 49).

E,

A coexistência paradoxal da homogeneização e fragmentação, unidade e diversidade, caracteriza o mundo atual. A tensão entre um processo de globalização, que borra diferenças e institui um mercado global, e a emergência, ao mesmo tempo, de particularismos e de fundamentalismos de diferentes tipos, provoca, por vezes, fusões, contaminações, mesclas, diferenças, marginalização, lutas e acirradas guerras. Neste particular processo social atual de mundialização e irrupção da diversidade cultural que atravessa o conjunto de nossas práticas e funda um novo modo de ser, a integração ao sistema- mundo de grandes massas populacionais realiza-se através da exclusão, instaurando-se assim um sistema perverso e selvagem, gerando profunda segmentação social (GIACAGLIA, 2014, p. 93).

A teoria do discurso ancora-se nos pressupostos teóricos do marxismo, na filosofia desconstrutivista de Derrida, na psicanálise lacaniana, na linguística, no estruturalismo e no pós-estruturalismo. A partir da contribuição desses pressupostos, Laclau elabora uma teoria amparada na contingência, na precariedade, na indeterminação e na incompletude do social (MENDONÇA E RODRIGUES, 2014).

Marchart (2014) apresenta o Peronismo na Argentina como pano de fundo no qual Laclau elaborou inicialmente sua Teria da Hegemonia9, utilizando os pressupostos teóricos pós-estruturalistas10 como uma ferramenta para o entendimento da política nesse novo contexto global, desconstruindo noções clássicas do pensamento social e político e apresentando novos sentidos a essas noções. Marchart (2014) mapeia as influências peronistas de Laclau para a elaboração da teoria, identificando quatro desses contextos de influência que

9

A Teoria da Hegemonia, desenvolvida por Laclau é construída a partir de uma releitura do conceito de hegemonia de Gramsci, onde este pensa a hegemonia a partir da vitória do fascismo e da impossibilidade da revolução no estilo bolchevique. E Laclau passa a apresentar um entendimento de hegemonia em termos de discursividade, a partir da impossibilidade da completude e da apresentação de um “conjunto fechado”. 10

Para esse texto, decidi não elaborar uma discussão entre fundacionismo e pós-fundacionismo, ou entre estruturalismo e pós-estruturalismo, uma vez que entendo que são questões teóricas bastante apresentadas em trabalhos recentes. Apresentadas, por exemplo, de forma esclarecedora nos primeiros capítulos da obra de Mendonça e Rodrigues (2014).

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foram fundamentais para o desenvolvimento da Teoria do Discurso em meio a um cenário político específico: i. Ativista do Partido Socialista Argentino; ii. Membro do Movimento Estudantil Peronista. iii. Liderança política do Partido Socialista da Esquerda; iv. Editor do jornal.

O entendimento das novas concepções do político é a questão de maior importância na teoria, inserindo uma análise do contexto político a partir da percepção do social e da lógica do discurso.

Discurso, por sua vez, não deve aqui ser entendido como um simples reflexo de conjuntos de textos. Discurso é uma categoria que une palavras e ações, que tem natureza material e não material e/ou ideal. Discurso é prática, daí a noção de prática discursiva – uma vez que quaisquer ações empreendidas por sujeitos, identidades, grupos sociais são ações significativas (MENDONÇA E RODRIGUES, 2014, p. 49). Nessa teoria, ao constituir o discurso enquanto categoria central de seu desenvolvimento teórico, é aumentada a complexidade do entendimento de discurso para além de “conjuntos de textos”. Ao considerar o discurso para além da “união entre o que se fala e o que se escreve, mas também a forma como se age” (MENDONÇA, 2012, p. 206), insere-se a dimensão da prática social enquanto discurso. Discursos estes que estão em constante luta e disputam sentidos, por isso estão constantemente em articulações provisórias e formando discursos antagônicos, cuja compreensão é necessária para o entendimento das políticas contemporâneas, para esta pesquisa em especial, para a compreensão das políticas curriculares do Estado de São Paulo.

O entendimento de discurso enquanto prática discursiva nos permite compreender as diversas possibilidades de significação do social e do político, marcadas pela precariedade e contingencialidade. Assim, a teoria de Laclau nos capacita intelectualmente para olhar a realidade a partir do processo de significação de diferentes discursos, entendendo que não há um projeto político fechado ou definido, apenas um conjunto de infinitas disputas de sentidos que competem para a fixação desses sentidos.

A citação de Laclau colocada no início desse tópico demonstra um pouco do significado de se adotar uma visão de mundo considerando o social enquanto prática discursiva, elaborando o seguinte questionamento: ¿no estamos haciendo posible que cada hombre y cada mujer asuman plenamente la responsabilidad de su propia contingencia y de su propio destino? (LACLAU, 2000, p. 206). Essa responsabilidade em torno de suas decisões, entendendo-as como contingentes e não como previamente determinadas e inclusas em um sistema fechado, é central dentro da Teoria do Discurso e é fundamental para a interpretação

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de políticas educacionais, em especial as políticas curriculares, além de trazer a esperança de acreditar que as políticas não são definitivas e totalizantes, mas que estão sujeitas a conflitos e negociações, indicando a possibilidade de outras articulações, levando-as a outros rumos.

Laclau elabora sua teoria a partir de um conjunto instrumentalizador de conceitos que permitem o entendimento de um sistema de significação aberto, dependente de decisões e articulações precárias e contingenciais. O quadro apresentado abaixo constitui-se como um mapa conceitual apresentando alguns dos instrumentalizadores teóricos que auxiliam na construção da teoria do discurso. Esses “conceitos” não apresentam o significado/sentido associado ao senso comum, cada um deles foi ressignificado pelo autor e apresenta um sentido dentro da teoria.

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QUADRO 1: TEORIA DO DISCURSO E SEUS INSTRUMENTALIZADORES

TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Fonte: Memória das leituras sobre Laclau e autores que comentam a sua obra, expostos de forma livre. Elaboração própria TEORIA DO DISCURSO DISCURSO PONTO NODAL HEGEMONIA ANTAGONISMO CADEIA DE EQUIVALÊNCIA CADEIA DE DIFERENÇA SIGNIFICANTE VAZIO SIGNIFICANTE FLUTUANTE UNIVERSALISMO PARTICULARISMO ARTICULAÇÕES EMANCIPAÇÃO DEMOCRACIA

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A Teoria do Discurso aparece no centro do quadro, comportando-se como o eixo central, como a própria teoria, a qual os demais instrumentalizadores teórico-metodológicos estão vinculados. Esses instrumentalizadores não podem ser analisados de forma isolada, visto que cada um deles tem uma contribuição interpretativa na Teoria do Discurso. A posição dos demais11 são aleatórias, com exceção da “hegemonia” que aparece acima dos demais, uma vez que, como mencionado acima, o conceito de hegemonia, é inerente a Teoria da Hegemonia, elaborada a partir das influências do Peronismo argentino, onde Laclau elabora uma ressignificação do conceito de hegemonia de Gramsci e passa a entender a hegemonia a partir do arcabouço teórico associado a essa nova forma de olhar a sociedade, a partir dos pressupostos pós-estruturalistas; e que posteriormente, instrumentaliza teoricamente a construção da Teoria do Discurso.

Para o autor, a hegemonia é entendida como sendo a “relação em que uma determinada identidade, em determinado contexto histórico, de forma precária e contingente, passa a representar, a partir de uma reação equivalencial, múltiplos elementos” (MENDONÇA E RODRIGUES, 2014, p. 53). O sentido de hegemonia desenhado pelo autor, relaciona-se a um conteúdo particular assumindo a função de uma plenitude ausente. Isso acontece quando um discurso particular passa a representar discursos ou identidades que anteriormente encontravam-se dispersas, representando uma fixação de sentidos, ainda que provisórios, precária e contingencial. Uma vez fixado como um discurso hegemônico, imediatamente institui-se um corte antagônico entre ele e o que ficou de fora, ou seja, com inúmeros outros discursos na disputa por uma nova significação da hegemonia.

Utilizando a Teoria do discurso, entendo, assim como Matheus (2013, p. 40), que

A produção curricular, nessa perspectiva, é entendida como um processo político marcado por articulações que criam cadeias de equivalência dentro das quais certos sentidos curriculares são hegemonizados. A produção curricular é permeada pela tensão ente a lógica da equivalência e a lógica da diferença.

Nesse sentido, a produção curricular, assim como qualquer outra construção política, é resultado do conflito e da negociação de demandas ligadas a diversos agentes envolvidos na educação, que conseguem estabelecer um conjunto de “necessidades”, e

11

Para a elaboração desse quadro teórico sobre a Teoria do Discurso utilizei apenas alguns dos instrumentalizadores teóricos que dialogam com a pesquisa. Deixo registrado que outros instrumentalizadores foram propositalmente escapados desse quadro.

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acabam deixando de lado outras demandas que lhes eram necessárias anteriormente a negociação. “Isto quer dizer que o universal é parte de minha identidade na medida em que sou penetrado por uma falta constitutiva, isto é, na medida em que minha identidade diferencial fracassou no processo de constituição” (LACLAU, 2011, p. 57).

Para tanto, as lógicas de equivalência e diferença são fundamentais para a compreensão da constituição de políticas de currículo. No caso do objeto de estudo dessa pesquisa, entendo que o Programa São Paulo Faz Escola12 é constituído a partir do jogo de negociações de diferentes demandas associadas a um discurso fundamentado na defesa de uma educação de “qualidade”. Para tanto, diversos grupos sociais entram em um campo equivalencial de que a educação básica e pública do Estado precisa passar por profundas mudanças em prol da qualidade da educação. Dessa maneira, uma parte da comunidade (famílias e os próprios alunos), dos professores e demais sujeitos escolares, da comunidade disciplinar, de instituições governamentais e do próprio Estado se unem em torno do significante “qualidade” e fixam um sentido discursivo para ele, tornando-o universal de modo que passe suturar as ações das políticas educacionais do São Paulo Faz Escola, a exemplo da produção, distribuição e implementação dos cadernos de atividades e do professor que devem ser utilizados por todos, também chamados pela comunidade escolar de “caderninhos”13

. A outra parte, que ficou de fora dessa articulação equivalencial continuará defendendo um ou vários outros sentidos para o significante qualidade a partir de outras demandas, que nesse momento tornam discursos particulares ou o exterior constitutivo do próprio discurso universal.

Considerando que essa relação construída em torno da lógica equivalencial constitui-se enquanto contingencial e provisória, sujeita a reformulações a depender das demandas de cada um desses grupos, compreendemos que junto a essa constituição, as demandas não associadas ao processo de negociação, representadas pela lógica da diferença, rapidamente aparecerão na disputa pela significação das políticas de currículo. Por exemplo, se existe um consenso entre os diferentes grupos de que o que se espera alcançar é a qualidade da educação, internamente a esses grupos, há também opiniões divergentes a respeito da

12

No segundo capítulo apresentarei o Programa São Paulo Faz Escola com maior detalhamento. 13

Utilizaremos o termo “caderninhos” para designar esse material apostilado construído pelo Programa São Paulo Faz Escola em forma de Caderno do Professor e Caderno do Aluno, mas que no cotidiano escolar acabou se tornando os “caderninhos”.

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definição do sentido de qualidade, ou qual a ação política a ser utilizada para que se alcance essa qualidade.

O fechamento de uma cadeia de equivalência é garantido por uma diferença que foi expulsa, um antagonismo que ameaça e ao mesmo tempo constitui a própria cadeia. A defesa de determinada proposta curricular, nesses tempos, acontece por oposição a uma diferença, um discurso curricular que ameaça a sua constituição, que justifica a articulação e atua como um exterior constitutivo da cadeia significativa (MATHEUS, 2013, p. 41).

As demandas se articulam e se posicionam à medida que se sentem ameaçadas por outras demandas, e tornam-se temporariamente equivalentes. Nesse momento, não há a eliminação da diferença, mas sim a equivalência temporária.

Com isso mente, para desenvolver o arcabouço teórico utilizado para a leitura do objeto de pesquisa, apresentarei nos subtítulos abaixo três discussões teóricas: i. A definição conceitual de universalismo e particularismo dentro da Teoria do Discurso, identificando como os leio dentro da minha pesquisa; ii. A qualidade da educação enquanto discurso antagônico ao projeto do estado de São Paulo; iii. Os professores e a formação docente enquanto corte antagônico ao discurso da qualidade da educação.

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1.2. Universalismo e Particularismo como categorias instrumentalizadoras na análise do objeto de estudo

A caracterização do contexto histórico em que Laclau elabora a teoria apresentada acima, permite concluir que o autor visualiza o surgimento de demandas particulares, que não dialogam totalmente com as demandas representadas pela maior parte da sociedade. A crise apontada nas discussões acima demonstra, para o autor, uma crise das perspectivas universalistas, e, em contraposição, o aparecimento de múltiplas identidades étnicas, sociais e políticas, concluindo-se que

a ideia de valores universais, sustentada pelo ocidente, encontra-se, hoje, fortemente atacada. O pós-modernismo, ao afirmar a queda das certezas impostas pela racionalidade ocidental moderna, significou uma abertura voltada à ideia de pluralismo cultural e respeito às diferenças. Dentro desse cenário, as ideias de tolerância e multiculturalismo buscam dar algumas respostas às tensões surgidas entre universalismo e particularismo (GIACAGLIA, 2014, p. 94).

Assim, “a queda da ideia do sujeito universal e absoluto permite pensar o surgimento e proliferação de subjetividades e a ideia de identidades múltiplas não apenas no âmbito social, mas também na esfera individual” (GIACAGLIA, 2014, p. 96). Para a autora, a partir da análise da teoria de Laclau, o que se inicia é um interesse sobre subjetividades.

Laclau (2011, p. 50), elabora um resgate de como a questão da universalidade e da particularidade vem sendo apresentada ao longo da história. Na filosofia antiga clássica, o autor apresenta o universal como transparente à razão e o particular como corrupção. O universal é apresentado contendo um conteúdo próprio e o particular apresenta conteúdo apenas quando é colocado em relação com o universal. Para o cristianismo, o universal é apresentado enquanto divino, sendo acessado apenas por meio de uma revelação, e o particular é visto como uma encarnação. Ambos são constituídos como identidades plenas, mas não ocorre uma relação entre eles, apenas quando há intervenção divina. Por fim, na modernidade, a razão comporta-se como o universal e o particular encontra-se no sujeito moderno, no burguês contaminado pela cultura europeia que disputa pela universalização de seu particularismo por meio da expansão colonial em outros espaços (GIACAGLIA, 2014, p. 96).

No entanto, Laclau entende que essas três concepções de universalismo e particularismos não conseguem dar conta de responder às questões sociais contemporâneas.

O espetáculo das lutas políticas e sociais dos anos 1990 parece nos confrontar, como foi dito, com uma proliferação de particularismos, enquanto o ponto de vista da universalidade vai cada vez mais sendo posto de lado como um sonho totalitário e ultrapassado (LACLAU, 2011, p. 54).

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Nas palavras acima, o autor apresenta o olhar do universalismo e particularismo enquanto método de análise das demandas sociais contemporâneas. Após isso, ele apresenta uma ideia fundamental para entender a relação entre esses dois instrumentalizadores teóricos. O universalismo constitui-se como tal a partir de várias demandas particulares que, por meio de negociações vão construindo articulações e representam, em determinado momento, um conjunto de demandas unificadas e provisoriamente estáveis dominando a relação de poder que há entre o universalismo e particularismo.

Para Laclau (2011), a relação entre universalismo e particularismo vai além de uma relação de poder, eles dependem um do outro para existir. Para compreendermos as posições entre universal e particular, precisamos reconhecer a necessidade desses dois instrumentalizadores serem analisados em relação um com o outro. Laclau elenca dois motivos pelos quais o universalismo e o particularismo são dependentes um do outro para existir. O primeiro argumento utilizado pelo autor é o de que, ao afirmarmos um particularismo puro, independente do conteúdo de universalidade, teríamos que aceitar que qualquer demanda particular teria o direito à autodeterminação, inclusive demandas associadas a práticas antissociais. Assim, grupos que buscam alcançar demandas muito distintas, ao certificarem-se da impossibilidade de atingir todas as demandas, terão que recorrer a demandas mais gerais, cedendo e negociando a sua própria demanda particular àquelas que no momento se apresentam como universais.

Uma segunda razão para a impossibilidade do particularismo puro, segundo Laclau (2011) é que, supondo que exista uma possibilidade da coexistência de todas as demandas particulares (o que o autor nega ser possível no primeiro argumento sobre a impossibilidade do particularismo puro, mencionado acima), essas demandas não estariam em uma relação antagônica entre si, mas existiriam de forma harmônica e coerente. Para o autor,

Essa hipótese mostra claramente porque a defesa do puro particularismo é, em última análise, inconsistente. Pois, se cada identidade estiver numa relação diferencial, não antagonística com todas as outras, então a identidade em questão será puramente diferencial e relacional; assim, pressuporá não só a presença de todas as outras identidades, mas também o fundamento total que constitui as diferenças enquanto diferenças (LACLAU, 2011, p. 55).

Essa relação puramente diferencial, para Laclau, garantiria a manutenção do

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relações do poder entre os grupos, logo, inviabilizaria o conflito como a dimensão da democracia radical.

Após a análise dessas questões, Laclau (2011) propõem a existência de um universal como parte de uma falta constitutiva em si, surgindo a partir de um particular incompleto, uma identidade específica que na luta das disputas por significação universal, consegue uma representatividade significativa. Definindo, dessa forma, a relação entre o universal e o particular: “o universal é o símbolo de uma plenitude ausente, e o particular existe apenas no movimento contraditório da afirmação simultânea de uma identidade diferencial e seu cancelamento por meio de sua inclusão num meio não diferencial” (LACLAU, 2011, p. 57).

Utilizo as concepções teórico-metodológicas apresentadas por Laclau, com o objetivo de ler ou encontrar o meu próprio objeto de pesquisa. Entendo que o “universal”, nesta pesquisa, se relaciona a política curricular instituída pelo Estado de São Paulo, representada pelo Programa São Paulo Faz Escola. Esse universal foi se constituindo por meio de demandas sociais particulares em diferentes âmbitos que se articularam em torno de uma cadeia de equivalência: a busca pela qualidade da educação na rede de ensino básica paulista. Assim, o universal é entendido como a política curricular hegemônica, que provisoriamente assume certa função universal (LACLAU, 2006).

Por outro lado, os diversos particularismos podem ser entendidos por qualquer outra demanda que após a visualização dos documentos curriculares produzidos pelo Programa São Paulo Faz Escola, não se sentem representados e entram em uma cadeia de diferença com as medidas propostas pelo Programa, novamente buscando articular-se em torno de suas demandas particulares, e, posteriormente, negociando com outras demandas, formando cadeias de equivalência e buscando instituir um outro universal a partir dessas demandas. Para esta pesquisa, os particularismos a serem considerados estão associados aos discursos que os professores de geografia da rede pública de ensino paulista carregam e defendem em oposição às ações da política educacional do Estado, os quais serão apresentados e darei voz no último capítulo desta dissertação. Esses professores, entram em conflito com a proposta dos “caderninhos” apresentados como material didático para as disciplinas, mas não fazem isso em sua totalidade. Alguns deles o negam totalmente; outros o utilizam em algumas de suas propostas; e ainda existe um grupo de professores que acredita que os documentos didáticos são de qualidades, mas o negam enquanto política curricular, alegando que a utilização completa desses documentos, assim como pretendido pelo Estado, acabaria por negar a autonomia docente e impossibilitando seu trabalho enquanto intelectual.

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Dessa maneira, é possível entender que universalismo (políticas curriculares do Estado de São Paulo), e particularismos (discursos dos professores da rede pública de ensino), estão em uma relação estreita, uma relação que como afirma Laclau (2011), necessitam da dependência mutua para existirem. Nesse sentido, os caderninhos materializam um sentido de qualidade de educação baseado na prescrição curricular e padronização didático-pedagógica das ações e da rotina da sala de aula, uma vez que todos os professores da rede deveriam aplicar o mesmo plano de aula para cada um dos conteúdos do material.

Por sua vez, para a maioria dos professores, se faz necessário algum material didático para que os alunos possam aplicar os conhecimentos desenvolvidos em sala de aula. Com isso em mente, inicialmente pensei: se os professores desejam um material didático para apoiar as aulas, por que não utilizam os “caderninhos” mesmo que apenas em momentos que lhes são necessários? Qual o objetivo do Estado ao fornecer esse material didático em que são apresentados aos alunos da rede apenas atividades práticas, sem apresentação de qualquer conceito teórico associado à disciplina? Para responder essas inquietações, inicialmente apresento algumas outras reflexões sobre a Teoria do Discurso, pensando em como fazer a leitura dos documentos curriculares instituídos enquanto política curricular do Estado de São Paulo.

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1.3. O discurso da “qualidade da educação” e seu corte antagônico: a qualidade da formação docente

Inicialmente proponho dois questionamentos relacionados às políticas curriculares do Estado de São Paulo. A primeira delas é: qual a relação entre o objetivo instituído pelo Estado – a busca pela qualidade da educação -, e a construção dos materiais didáticos representados pelos “caderninhos”? Também questiono por que os investimentos do Estado se concentraram em materiais didáticos, ao invés de qualquer outro quesito de organização do espaço escolar, da qualificação docente e de um plano de carreira vantajoso para o professor?

Durante a análise do contexto de elaboração e dos discursos expostos nos documentos curriculares, é perceptível que o governo estadual paulista, na busca pela qualidade da educação, enxerga que existe uma barreira a ser vencida para que seu planejamento estratégico alcance o objetivo final. Essa barreira, segundo ele, não se baseia nas políticas estabelecidas pelo Estado, uma vez que a elaboração desse documento dialogou com campo teórico científico, bem como com as experiências cotidianas das escolas, “partiu da recuperação, da revisão e da sistematização de documentos, publicações e diagnósticos já existentes e do levantamento e análise dos resultados de projetos ou iniciativas realizados” (SÃO PAULO, 2010, p. 7), construindo um documento, segundo ele, de excelência. Utilizando o discurso de modernas e renovadoras, prometendo promover a qualidade da educação, o documento define que o Estado pretende reformular a cultura escolar, criando “uma escola à altura de seu tempo” (SÃO PAULO, 2010, p. 11), em que “o currículo se compromete em formar crianças e jovens para que se tornem adultos preparados para exercer suas responsabilidades (trabalho, família, autonomia etc.) e para atuar em uma sociedade que depende deles” (SÃO PAULO, 2010, p. 12).

Com esses discursos textuais marcados no documento curricular, entendo que fica subentendido que o “planejamento eficaz” proposto pelo governo em forma de uma reforma curricular, pode ser lido enquanto um discurso marcado pela oposição às políticas curriculares anteriores, onde a escola não se apresentava enquanto contextualizada ao atual momento de desenvolvimento da sociedade e que agora, a partir da execução dessas novas

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