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CAPÍTULO 2: O PROGRAMA SÃO PAULO FAZ ESCOLA E O CONTEXTO DA

2.2. A política de integração curricular

Ao analisar o Currículo do Estado de São Paulo, percebe-se que o discurso da integração curricular é construído ao longo do documento e elucida algumas concepções que não aparecem de forma explicita. Após apresentar os cadernos dos gestores, dos professores e dos alunos, pontuando a função de cada um deles, é apresentada a seguinte questão,

Além desse documento básico curricular, há um segundo conjunto de documentos, com orientações para a gestão do Currículo na escola. Intitulado Caderno do Gestor, dirige-se especialmente às unidades escolares e aos professores coordenadores, diretores, professores coordenadores das oficinas pedagógicas e supervisores. Esse material não trata da gestão curricular em geral, mas tem a finalidade

específica de apoiar o gestor para que ele seja um líder capaz de estimular e orientar a implementação do Currículo nas escolas públicas estaduais de São Paulo (SÃO PAULO, 2010, p. 7).

O Caderno do Gestor tem a função de instrumentalizar o gestor teoricamente para que ele esteja capacitado para estimular ações pedagógicas que garantam a utilização do Currículo do Estado de São Paulo, em especial dos materiais didáticos baseados nesse currículo. Para tanto, percebe-se que o desejo de centralizar e prescrever os materiais didáticos perpassam por vigilância e cobrança por parte da equipe gestora.

A política de homogeneização curricular é lida a partir da concepção teórica adorada nessa pesquisa por meio do instrumentalizador teórico “universalismo”. Entendo que a educação paulista pretende se universalizar em toda a rede de ensino, trabalhando a partir de uma lógica controlada, massificada e restrita ao que se é determinado apenas pelo Estado de São Paulo, enquanto política curricular. Embora haja conflitos entre vários particularismos que não estão representados por essa política universal, e que buscam alcançar forças para serem ouvidos e controlarem a atual política curricular, o universalismo, com uma força de negociação maior, acaba tornando-se a política temporariamente hegemônica.

A imagem abaixo é vinculada ao site do Currículo do Estado de São Paulo e apresenta alguns discursos indicando a pretendida integração curricular, tais como: O Currículo do Estado de São Paulo é a “base para cinco mil escolas”; ou quando associam o currículo como a “orientação básica para o trabalho do professor em sala de aula”, estando subentendido a utilização dos “caderninhos” que acabam conduzindo a aplicação do currículo como um todo.

Imagem 2: Currículo do Estado de São Paulo

Na busca dos resultados unitários, uma armadilha que aparece ao currículo é a de que, na tentativa de distribuir conhecimentos comuns a todos, esse conhecimento pode passar a ser entendido enquanto um objeto pronto, desconsiderando o fato deste ser fruto de uma construção social e que por isso é traduzido de diversas maneiras, a depender do sujeito, é negociado e produzido no contexto de cada realidade (LOPES, 2015).

Segundo Lopes (2015),

Na medida em que se opta por atuar de forma centralizada na política de currículo, há uma redução das políticas à tentativa de controlar as leituras das bases/padrões/propostas curriculares visando alcançar (supostamente) a qualidade da educação. A política de currículo passa a ser uma estratégia calculada para determinado fim preestabelecido (p. 456).

No decorrer do texto, a autora pontua que, a fim de garantir que essas políticas curriculares centralizadoras sejam cumpridas, são elaborados exames, distribuídos livros didáticos, além do controle dos projetos; tudo objetivando que as políticas curriculares sejam plenamente executadas nas escolas. É o que acontece com as políticas curriculares do Estado de São Paulo, materializadas pelo próprio currículo, pelos “caderninhos” (do gestor, do aluno e do professor) e pelas avaliações externas, no caso o SARESP – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo.

Dentro desse contexto de controle e visando o comprimento de políticas curriculares, há medidas mais subjetivas, que só aparecem no contexto escolar, ou seja, não são esclarecidas ou relatadas, ou mesmo consideradas enquanto possibilidade, em nenhum documento ou material fornecido por essas políticas. Em uma entrevista que realizei com uma professora da rede estadual de ensino foi possível notar a partir de sua resposta quando indagada sobre como eram os momentos de discussões teóricas e diálogos entre professores desenvolvidos no ATPC – Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo. De acordo com a professora,

a discussão oficial na escola é o ATPC. Eu já trabalhei em escolas que tinha um corpo docente que não debatia nada. Mas essa escola que eu estou agora tem um corpo docente bem firme, que pensa e que debate. É claro que alguns apresentam ideias que eu não concordo, mas é isso aí né? A gente trabalha no âmbito da diversidade. Mas só tem o ATPC mesmo como espaço de debate. Nele são discutidos temas do dia a dia na sala de aula, mas é sempre tudo mandado pela diretoria de ensino...”

“A todo tempo a coordenação, a gestão, a PCNP (Professor Coordenador do Núcleo Pedagógico) e a supervisão, porque elas frequentam essas reuniões, elas estão sempre preocupas em “espezinhar” o professor. É isso que eu sinto, entendeu?

O que fica evidente é que os particularismos, trabalhados no capítulo anterior como sendo inerentes ao universalismo, uma vez que os dois estão em constante relação, é negado pelo Estado, que sob um discurso ocultado nos documentos curriculares, mas que entendo que esteja relacionado ao corte antagônico do projeto que busca a qualidade da educação, a formação docente. Assim, para contornar essa situação, o Estado apresenta as medidas centralizadoras que tem como objetivo o apagamento das medidas particulares associadas a prática docente individual, construída a partir de um processo de significação de experiências distintas tanto no processo de formação da carreira docente, quanto na experimentação de caminhos e decisões cotidianas. Acredito que essa diferenciação da formação docente pode ser usada para enriquecer o processo de ensino e aprendizagem nas escolas, e acaba sendo desconsiderada devido a visão de mundo que vem sendo implementada nas políticas curriculares do Estado de São Paulo.

A Diretoria de Ensino, representada pelo professor coordenador, cuja função é o monitoramento da execução das políticas curriculares adotadas em âmbito estadual, acaba atuando no conjunto de medidas que visam garantir o estabelecimento das políticas curriculares para o Estado de São Paulo.

O principal argumento levantado pela Comunidade Disciplinar18 (GOODSON, 1997) envolvida na elaboração do Currículo de São Paulo, concentra-se no fato de que a integração curricular e suas medidas que visam garantir esse objetivo, permitem que os alunos de baixa renda, que tem tido acesso à escola apenas em períodos mais recentes, tenham a mesma formação que os alunos que historicamente sempre frequentaram as escolas no Brasil. No entanto, entendo que esse argumento é facilmente refutado, basta olhar comparativamente para a configuração das escolas públicas e privadas, especificamente no Estado de São Paulo, é possível perceber que há uma grande distinção entre a funcionalidade de cada uma delas. A maioria das escolas privadas do estado configuram-se e reconfiguram-se com o objetivo central de obterem um resultado positivo de seus alunos em exames de vestibulares. Esse tipo

18 Goodson entende por comunidade disciplinar todos os agentes institucionais envolvidos na elaboração de documentos curriculares.

de escola considera o currículo como secundário, uma vez que o documento orientador de políticas curriculares são os próprios exames de vestibulares que têm potência para reconstruir, ou atualizar, os materiais didáticos utilizados por essas instituições19.