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Avaliação e negociações na construção da confiança nas Finanças Brasileira

As finanças, enquanto aparatos também sociais, estão em constante transformação. Conforme esse sistema se expande, novas formas organizacionais dos negócios também se desenvolvem. Novas tecnologias; demandas por informações confiáveis e accountability

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também se deslocaram, de modo crescente, na medida em que mercados se adensaram abarcando novos e diferentes públicos. Não é por acaso que esse caráter essencialmente dinâmico das finanças é reconhecido como uma das dimensões mais caras de sua história (WEBER, 1991; SWEDBERG, 1998).

Para invocar novamente as construções analíticas de Weber (1991), já pairava no horizonte do Estado brasileiro de meados do século XX a ideia de uma "racionalidade substantiva", centrada em valores absolutos, de que o ingresso na vanguarda financeira dependia de um caminho de mão dupla, através do investimento em uma "racionalidade formal" centrada no cálculo.

Tal inclinação aparece, por exemplo, em interpretações de que contrariamente às ditaduras chilena, argentina, uruguaia, os militares brasileiros poderiam ser considerados “modernizadores” (MANTEGA, 1997; ORTIZ, 2004; SALOMÃO, 2016), isto é, ainda que nos marcos de uma política autoritária, foram capazes de impulsionar o crescimento econômico; e também constituir instituições que auxiliassem e fortalecessem o sistema produtivo, através de um ambiente acessível ao crédito e financiamentos correntes, que até aquele momento dependia quase que exclusivamente do sistema bancário tradicional.

A concepção da necessidade de organizar e ‘consertar’ o Brasil veio com o Governo dos Militares. Havia uma interpretação arraigada sobre a necessidade de reordenamento do sistema financeiro nacional que, estruturado, transmitiria maior credibilidade ao Brasil – uma tentativa, portanto de evitar a fuga de capitais de um país considerado subdesenvolvido e de industrialização tardia, oferecendo a possibilidade de outras modalidades de aplicação aos investidores. A criação do Conselho Monetário Nacional (Lei nº 4.595, de 31 dez. 1964) e, posteriormente, de suas autarquias, como a Comissão de Valores Mobiliários (Lei nº 6.385, 07 dez. 1976) cumpriam este propósito.

Pesquisas realizadas pelo CPDOC67, por exemplo, apontam que entre 1964-1965

a estratégia econômico-financeira mais ou menos explicita do Governo Militar seguia em duas frentes. Uma frente trabalhando no plano de redefinição dos esquemas de

67 Ver, por exemplo, VERBETES sobre Sistema Financeiro e Conselho Monetário Nacional, disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/sistema-financeiro.

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financiamento do setor privado com vistas a torná-los (relativamente) independentes da inflação; montar mecanismos de suprimento de capital de giro de longo prazo e, eventualmente, de capital de investimento; estratégias que pudessem se desdobrar em mecanismos que permitissem ampliar a base de consumo dos bens produzidos pelos setores recém-instalados. A outra frente operava em ações que redefinissem os esquemas de financiamento do setor público com vistas a torná-los menos dependentes da expansão primária de moeda.

O produto deste período é uma batelada de leis e decretos que reformaram a legislação brasileira em torno da regulação do Sistema Financeiro. As seguintes leis são consideradas marcos, pois toda a legislação posterior deriva destas: Criação do Conselho Monetário Nacional (CMN), em 1964, com a finalidade de formular a política nacional da moeda e do crédito; Lei de Reforma Bancária (Lei nº. 4.595 de 31 de dezembro de 1964); o conjunto de leis que instituiu a correção monetária (Lei nº. 4.357 de 16 de julho de 1964, e Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964) e a Lei de Reforma do Mercado de Capitais (Lei nº. 4.728 de 14 de julho de 1965).

Outra ilustração dessa preocupação dos Governos militares com um projeto econômico-financeiro audacioso é a proposta de elaboração de um robusto think tank nacional 68, culminando na criação do EPEA, Escritório de Pesquisa Econômica e Social

Aplicada, posteriormente alçando o título de fundação pública federal vinculada ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e, seu nome alterado para Instituto de Planejamento Econômico e Social (IPEA).

Pari passu aos esforços de unificação e fortalecimento do espaço econômico nacional acontecia o ‘milagre econômico brasileiro’ (1968 – 1973), período configurado por

68 Coube à João Paulo dos Reis Velloso, ao retornar ao Brasil após concluir seu mestrado em economia na Universidade de Yale (1965), a proposta de formatar um think tank nacional. Já em tempos de governo do marechal Humberto Castelo Branco (1964 – 1967) – o burocrata é então convidado pelo Ministro do Planejamento Roberto Campos a organizar o órgão de pesquisa, reflexão e planejamento de políticas públicas e de macroeconomia. Com a ideia de criar um novo órgão que ajudasse o governo a formular o planejamento da economia numa visão estratégica de médio e longo prazo nasce o Escritório de Pesquisa Econômica e Social Aplicada (EPEA), que mais tarde viria a se tornar o atual Instituto de Planejamento Econômico e Social (IPEA), com o Decreto-Lei 200 de 1967.

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um superaquecimento da economia. Foram seis anos seguidos de crescimento a taxas superiores a 10% ao ano (BACEN, 2015).

A alcunha mítica “do milagre econômico” (SALOMÃO, 2016) e os avanços no sentido de fortalecer o Sistema Financeiro Nacional esbararam no final da década de 1970, com a cronologia da crise econômica69, afetando profundamente o ciclo de conjuntura

favorável ao Brasil. Com a crise do petróleo em 197370 o déficit comercial se elevara e se

discutiam as estratégias de enfrentamento da recessão, sendo uma das possibilidades vislumbradas no horizonte governamental uma política de austeridade para o país. Apesar da suposta necessidade de redução das despesas públicas e do clima de recessão no plano internacional, o Governo militar de Ernesto Geisel (1974-1979) correu na contramão do que se previa e inaugurou aquele que seria considerado “um dos governos mais intervencionistas do ciclo militar”71.

O marco memorável deste Governo foi o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND). Trata-se, provavelmente, do mais amplo programa de intervenção estatal, e que transformou significativamente o parque industrial brasileiro com a implantação de um polo de insumos básicos e de bens de capital. Em meio aos problemas produzidos pela ressaca do “milagre brasileiro”, Severo Gomes no Ministério da Indústria e Comércio (Período: 15.03.1974 a 08.02.1977), Mário Henrique Simonsen no Ministério da Fazenda (Período: 15.03.1974 a 15.03.1979), João Paulo dos Reis Velloso no Ministério do Planejamento e Coordenação Geral (Período: 15.03.1974 a 02.05.1974/14.03.1979) (BIBLIOTECA DA PRESIDÊNCIA, 2015) e outros gestores econômicos desse governo - que apesar das explicitas desavenças sobre os caminhos do projeto político-econômico para o país -

69 Referência inicial aos choques do petróleo (1973) e ao aumento das taxas de juro do Federal Reserve. O país travava uma onda de grandes investimentos, financiados com empréstimos internacionais. O governo do general Ernesto Geisel havia optado pelo crescimento com endividamento externo como estratégia polêmica de enfretamento da crise internacional. A bolha de fato estourou já em época de Governo Figueiredo. Sobrepondo-se, uma sequência de eventos catastróficos para a economia nacional: a virtual moratória externa em 1982; acordos com credores externos e o ciclo inflacionário (1985-1993).

70 Protestos dos países árabes (pertencentes a OPEP) em relação ao apoio dos Estados Unidos a Israel na Guerra do Yom Kippur. Nesse ano o preço do petróleo subiu em mais de 300%.

71 Segundo Mantega (1997:5): “desde o primeiro dia de governo, deslocou o eixo da política econômica para o Planejamento, reduzindo o poder da Fazenda e colocou a si próprio como comandante e chefe das grandes decisões dessa área estratégica do Governo, ocupando o assento de presidente do Conselho de Desenvolvimento Econômico”.

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arquitetaram um programa de desenvolvimento extremamente ambicioso, que contrariava as expectativas de vários analistas, para enfrentar o primeiro choque de petróleo e as adversidades da crise internacional (MANTEGA, 1997:4) 72.

É também durante esse Governo que ocorre um movimento interessante, articulador dos primeiros passos de fortalecimento mais expressivo de um mercado de títulos mobiliários no Brasil, com a promulgação da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, dispondo, portanto, sobre o mercado de valores mobiliários e estabelecendo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), instituição responsável por fiscalizar, normatizar, disciplinar e desenvolver o mercado financeiro no Brasil.

3.2 O arbitrário sobre a contabilidade nacional e as dores crônicas da Economia