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Avaliando formas desadequadas de fazer investigação-acção e fragilidades da

CAPÍTULO I FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES PELA INVESTIGAÇÃO-

5. Avaliando formas desadequadas de fazer investigação-acção e fragilidades da

Em 2006 Kemmis lançou um olhar crítico ao que se tem feito no domínio da investigação-acção e, tendo por base a sua obra Becoming Critical (Carr & Kemmis, 1986), aponta formas desadequadas de fazer investigação-acção, como a havia definido. Acrescenta que a maioria dos trabalhos desenvolvidos em vários pontos do mundo, nas últimas duas décadas, não têm sido o veículo para a crítica educacional que havia esperado. Os exemplos de investigação-acção desadequada que são apresentados por Kemmis são:

1. Action research that aims only at improving techniques of teachers (…) without seeing these as connected to broader questions about the education of students for a better society (…)

2. Action research aimed at improving the efficiency of practices rather than their efficacy and effectiveness evaluated in terms of the social, cultural, discursive and material-economic historical consequences of practices. By not taking a critical view of the social, cultural, discursive and material-economic consequences of schooling, this action research is more likely to produce than transform (...)

3. Action research conducted solely to implement government policies or programs, in order to achieve conformity with what the policies or programs intend, without subjecting those intentions, their presuppositions, and their frameworks of justification to critical examination (…)

4. Action research that understands the improvement of practice only from the perspectives of professional practitioners without genuinely engaging the voices and the perspectives of others involved in the practice (…)

52 5. Action research conducted by people acting alone rather than in open communication with other participants whose lives and work are involved in or affected by practices being investigated (…) (Kemmis, 2006, p. 460)

Estes pontos merecem a nossa reflexão. Como já referimos, é necessário encontrar na escola momentos de efectiva reflexão conjunta e de colaboração. Os sistemas de formação de professores podem enquadrar-se neste objectivo e foi um dos aspectos que procurámos contemplar no nosso trabalho de campo acerca da formação, a procura pelo abandono do individualismo em favor de uma cultura de colaboração. Por outro lado, as investigações conduzidas pelos professores procuraram dar voz aos outros elementos envolvidos nas práticas, nomeadamente os seus alunos. Por fim, procuramos justificar a pertinência das escolhas do nosso trabalho e do dos professores participantes pela preocupação ética presente como pano de fundo da formação. A investigação-acção pelo seu cariz político e social encerra em si mesma uma mais-valia ética que procuraremos aprofundar nos próximos capítulos.

Kemmis e McTaggart (2005) apontaram também o que consideram ser investigação-acção desadequada:

 Não é aquilo que fazem geralmente os professores quando reflectem sobre o seu trabalho. A investigação-acção é sistemática e colaborativa na sua reflexão.  Não é uma simples resolução de problemas. A investigação-acção procura

compreender e melhorar o mundo social.

 Não é uma investigação acerca de outras pessoas, pelo que as próprias pessoas são os agentes autónomos e responsáveis na sua própria investigação.

 Não é o método científico aplicado ao ensino. A investigação-acção não se limita a submeter à prova determinadas hipóteses ou a utilizar dados para se chegar a conclusões. A investigação-acção preocupa-se com a mudança de situações e não só com a sua interpretação.

Para Máximo-Esteves (2008), as críticas formuladas relativamente à investigação- acção, prendem-se com a falta de preparação metodológica dos professores, de condições logísticas ou pela dificuldade em assumir papéis diferentes pela mesma pessoa. No entanto, a autora defende que “o argumento teórico mais invocado para diminuir os constrangimentos referidos assenta na colaboração (…) contribui, também, para que a

53 investigação-acção, enquanto processo transformador, tenha um impacto positivo não apenas no professor que a utiliza, mas também no seu contexto de trabalho (p.110).

Embora se encontrem fragilidades associadas à investigação-acção no que diz respeito à formação de professores e ao seu desenvolvimento profissional, Altrichter & Posch (2010) afirmam que num processo desta natureza é necessário enraizar nas escolas:

 Posições internas com responsabilidade na coordenação do desenvolvimento e avaliação;

 Tempo e espaço para o trabalho de equipa;

 Mecanismos de recolha de dados numa perspectiva qualitativa;

 Mecanismos de negociação entre os agentes da comunidade educativa;  Processos de documentação e disseminação pública de conhecimento.

Com o desenvolvimento destas condições, os processos de investigação-acção tornar-se-ão fluidos, as culturas de colaboração instalar-se-ão e as mudanças prevêem-se continuadas.

Para Barbier (1996), um processo de investigação-acção termina quando o problema inicial é resolvido. Um investigador profissional pode dá-lo como terminado – por questões de tempo, dinheiro, ou outra – mas são os membros do grupo que dão a palavra final. Os resultados de uma investigação-acção devem ser disseminados publicamente – nomeadamente com os colegas de trabalho – porque levantam questões que são essenciais (Barbier, 1996; McNiff & Whitehead, 2008, 2010), tornando visíveis os processos de avaliação que devem ser rigorosos e robustos (McNiff & Whitehead, 2008, p. 70).

Síntese

Como vimos, o professor enquanto investigador e prático reflexivo encontram uma forte tradição no contexto britânico e no contexto americano. No entanto, verificam-se ensaios por diferentes pontos do mundo, nomeadamente na Austrália e na Europa Continental. Em Portugal, tem havido nas últimas décadas a tentativa de criar sistemas de formação com metodologias semelhantes, a que se tem chamado, nomeadamente, investigação-acção. A profissão docente, pela sua própria natureza, é

54 privilegiada neste tipo de ensaios, porque a complexidade de fenómenos associados ao acto educativo e pedagógico favorece a emergência de um investigador em cada professor. Por outro lado, a competência reflexiva pode ser desenvolvida por estes profissionais, assim estejam comprometidos, nomeadamente com sistemas de formação, mais ou menos formais ou mais ou menos flexíveis. A associação entre investigação- acção e reflexão é bastante clara nas palavras de Elliott (1991):

Both product and process need to be jointly considered when attempting to improve practice. Processes need to be considered in the light of the quality of learning outcomes and vice versa. This kind of joint reflection about the relationship in particular circumstances between processes and products is a central characteristic of what Schön has called reflective practice and others, including myself, have termed action research (Elliott, 1991, p. 50)

Por outro lado ainda, a mudança, quando indissociável da acção e, mais uma vez, da própria complexidade do que é educativo, quer se trate das mudanças sociais, económicas, políticas, numa esfera de globalização, pode atingir diferentes formas e níveis que importa analisar e aproveitar na melhoria dos sistemas de formação de professores. Consequentemente, na melhoria da educação.

Embora o interesse investigativo acerca das concepções dos professores se baseie no pressuposto de que existe um substrato conceptual determinante no pensamento e na acção, numa revisão sobre a investigação relativa ao pensamento (e às crenças) dos professores, Calderhead (1996) concluiu que as discrepâncias entre o pensamento dos professores e as suas práticas nas salas de aula são permanentes. Assim, torna-se necessário perceber melhor quais as cognições efectivamente ligadas às acções dos professores, informando a própria formação de professores. Para Ponte (1992) as concepções, tendo uma natureza essencialmente cognitiva, dão sentido às acções mas podem, ao mesmo tempo limitar as possibilidades de acção e compreensão.

Na revisão da literatura que faz sobre o pensamento e as práticas dos professores, Santos (2007) conclui que:

as práticas dos professores baseiam-se nas suas crenças e nos seus conhecimentos, resultantes de uma apropriação pessoal de inúmeros factores, dos quais podemos fazer

55 ressaltar a sua formação académica, mas sem esquecer, entre outros aspectos, a sua história pessoal, as suas experiências prévias, e os seus princípios e valores morais e éticos. (p.44)

Esta afirmação constrói-se dentro do paradigma do pensamento do professor, apresentado nomeadamente por Zabalza (1994), que aponta dois grandes pressupostos deste paradigma: o professor é um profissional racional e a actuação deste é dirigida pelos seus pensamentos, embora se reconheça a complexidade e a incerteza da relação entre o pensamento e a acção. Refere o autor que do pensamento dos professores fazem parte as suas crenças, percepções, concepções e juízos que irão conduzir de forma implícita ou explícita a sua acção. Para Day (2001) o pensamento e a acção dos professores é o resultado de uma interacção entre as suas histórias de vida, as fases do desenvolvimento profissional, os climas de escola e de sala de aula e os contextos mais amplos em que trabalham, nomeadamente os sociais e políticos. Partindo destes pressupostos, o autor afirma que é preciso aceitar por um lado o professor como principal informante acerca do seu pensamento e da sua acção, devendo a investigação voltar-se para uma aliança com o professor enquanto investigador. Por outro lado, os aspectos metodológicos privilegiados são aqueles que procuram melhor perceber os pensamentos e a acção dos professores, como as entrevistas ou os diários. Estes aspectos sustentam em larga medida o nosso trabalho empírico.

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CAPÍTULO II – PRESSUPOSTOS PARA UMA FORMAÇÃO ÉTICA DOS