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Tipos de mudança e níveis de mudança – os efeitos da formação contínua de

CAPÍTULO I FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES PELA INVESTIGAÇÃO-

4. Investigação, acção e mudança – que entendimento?

4.1. Tipos de mudança e níveis de mudança – os efeitos da formação contínua de

Se neste ponto temos reflectido acerca dos efeitos que a formação pode ter nos professores e algumas das condições que lhe estão associadas, importa ainda perceber que tipo de mudança e que níveis de mudança se têm reconhecido em estudos educacionais, também associados à formação contínua de professores. Perrenoud (2002) definiu mudanças de três tipos a um nível educativo. As mudanças de primeiro tipo resultam de reformas estruturais e podem não implicar alterações das práticas

44 educativas; as de segundo tipo fazem parte das reformas curriculares e pouco afectam, também, segundo o autor, as práticas educativas; e, finalmente, as mudanças de terceiro tipo que incidem de forma explícita na alteração das práticas pedagógicas. Estas mudanças não se efectuam normativamente, antes, passam “por uma evolução das representações, das identidades, das competências, dos gestos profissionais e da organização do trabalho” (Perrenoud, 2002, p. 38). Neste sentido entendemos que a exploração do conhecimento dos professores acerca de si, em termos pessoais e profissionais, contribui para uma mudança do terceiro tipo, pelo que a formação de professores pode contribuir nesse sentido. Por outro lado, uma formação centrada na comunidade, que actue na resolução de problemas reais e de contexto é mais eficaz no sentido da mudança de práticas que uma formação imposta e que não apele à reflexão e ao diálogo dentro da própria comunidade.

No mesmo sentido tomamos as definições de aprendizagem em single-loop e em

double-loop, num contexto de aprendizagem dos professores23. As aprendizagens em

single-loop são necessárias para manter a ordem das coisas mas limitam as

possibilidades de mudança, ao passo que as aprendizagens em double-loop, geram “experiências e mudanças, correspondem a novas perspectivas do real, e em simultâneo, a novas aberturas à problematização deste e à sua transformação” (Caetano, 2004b, p. 233). Conforme Argyris e Schön (1974) são as aprendizagens deste tipo que permitem a continuidade nas transformações e na mudança. Parece-nos, pois, fundamental a coexistência de continuidade e de mudança, permitindo que os sujeitos atribuam significado à mudança e promovam a inovação transformadora (Caetano, 2004a), a partir do questionamento das variáveis, das estratégias e das consequências da acção.

Sabemos no entanto que, conforme afirma Leite (2007), as “mudanças que ocorrem nos sujeitos podem não ter efeitos imediatos na prática profissional” (p.84). A autora considera ainda que “na maior parte dos casos essa transferência é difícil de analisar porque implica transformações internas e relacionais” (ibid.). Não obstante, diversos são os estudos que têm procurado avaliar os efeitos da formação nos professores, permitindo incidir o olhar sobre as mudanças que ocorrem no seu

23 Os termos single-loop learning e double-loop learning foram desenvolvidos por Argyris e Schön (1974). O primeiro tipo enquadra-se mais numa racionalidade técnica, para atingir maior eficiência, sem questionar os objectivos da organização. A aprendizagem em double-loop, em contrapartida, pode envolver uma reflexão crítica, uma modificação das normas, das políticas e dos objectivos da própria organização, inscrevendo-se numa racionalidade prática e ética.

45 pensamento e na sua acção, e/ou na relação entre ambas (e.g. Caetano, 2001; Estrela & Caetano, 2010; Roldão et al, 2000; Silva, 2011, entre outros).

O estudo apresentado por Roldão et al (2000) aponta para três ordens de efeitos ou mudanças produzidas nos professores decorrentes da formação contínua: efeitos na prática lectiva, efeitos na prática institucional e efeitos no desenvolvimento profissional dos professores.

O primeiro grupo traduz-se por exemplo na elaboração e exploração de material, na organização e planificação do trabalho, na alteração ou melhoria de práticas, na alteração ou melhoria dos resultados da aprendizagem dos alunos e no aproveitamento de recursos, entre outros aspectos. Para o segundo grupo de efeitos (efeitos na prática institucional) concorrem os modos de trabalhar e interagir com os colegas, as actividades nos órgãos de gestão da escola (nomeadamente as actividades como director de turma ou de grupo disciplinar), a criação e participação em projectos da turma, da escola, interdisciplinares, a participação na vida colectiva da escola, no trabalho na escola ou mesmo no trabalho que lhe é exterior. Finalmente, para os efeitos no desenvolvimento profissional dos professores concorrem a aquisição de competências para a prática, a troca de saberes e de ideias, o conhecimento científico e pedagógico e a responsabilidade profissional. No nosso trabalho procurámos explorar os três domínios de mudança decorrentes das acções de formação realizadas.

Num trabalho de Guskey (2000) acerca da avaliação do desenvolvimento profissional, aponta-se para três domínios de mudança nos professores, decorrentes da formação: o domínio cognitivo, o domínio psicomotor e o domínio afectivo que podem ser avaliados com diferentes técnicas e instrumentos. Guskey apresentou um modelo de mudança dos professores, onde se assume que experiências de sucesso nas práticas levam à mudança das atitudes e crenças dos professores. O autor põe a tónica da mudança afectiva dos professores, nos resultados das aprendizagens dos alunos: “Thus, according to the model, the key element in significant affective change for teachers is evidence of change in the learning outcomes of their students” (p. 139).

A figura seguinte (Figura 8) procura ilustrar o modelo defendido por Guskey (2000):

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Figura 8 - Modelo de mudança nos professores (Guskey, 2000)

De acordo com os trabalhos de Guskey (2000) este modelo traz algumas implicações, nomeadamente para as estratégias de formação, como o despertar curiosidade nos professores a novas práticas, permitir-lhes exploração e experienciação, ao mesmo tempo que é importante envolvê-los em processos de investigação das suas próprias práticas, procurando indicadores de sucesso nos seus alunos. Estes pressupostos parecem suportar metodologias em que o vaivém entre a prática e a teoria se harmoniza, entre a acção e a investigação, dando espaço para momentos de observação e de reflexão. Parece-nos que metodologias formativas como a investigação- acção condizem com os pressupostos apresentados pelo autor e que tivemos em linha de conta.

Os resultados de um outro estudo desenvolvido em 28 escolas por Zwartz, Wubbels, Bergem e Bolhuis (2009) nos Países Baixos, indicam que os professores, em colaboração, aprendem quando estão intrinsecamente motivados para fazer parte da mudança, seja ao nível de programas de desenvolvimento profissional, seja na experimentação de novos métodos, e que quando os professores mudam o seu conhecimento, as suas crenças ou atitudes, as suas práticas tendem a melhorar e os resultados dos seus alunos a aumentar. Reforçamos a importância da responsabilidade e da competência das escolas para que envolvam activamente os seus professores (e outros agentes educativos) em estratégias e procedimentos capazes de protagonizar mudanças, tanto ao nível das práticas como da sua cultura profissional sob pena de que nada de muito significativo mude (Perrenoud, 2001).

Ao apresentar um modelo de níveis de reflexão dos professores, Korthagen (2009) apela a uma reflexão centrada em vários níveis, até os mais nucleares que dizem respeito ao sentido de identidade e missão, no compromisso com a vulnerabilidade e com a verdadeira mudança. O sentido de missão, que move quem trabalha com pessoas pode estar muitas vezes esquecido. Por isso o autor afirma que é uma necessidade que os professores continuem a pôr os seus corações e as suas almas na profissão, o que

47 implica, segundo o autor, promover a reflexão nos níveis mais profundos e expandir as zonas de conforto (Figura 9):

Figura 9 - Modelo de níveis de reflexão (Korthagen, 2009)

O modelo deste autor permitiu-nos uma maior consciência face a níveis de reflexão a que os professores poderão chegar a partir da sua formação.

O estudo desenvolvido por Caetano (2001,2003) procurou perceber as mudanças que ocorrem em professores ao longo de processos formativos pela investigação-acção. A autora determina diferentes áreas de mudança nos professores, que destacamos no quadro seguinte (Quadro 2):

Quadro 2

Áreas de mudança nos professores através de processos de formação (a partir de Caetano, 2001, 2003)

Áreas onde ocorrem mudanças Descritores

Informativa Saber declarativo geral ou contextual sobre o real; “o que se sabe”

Operativa Saber processual, holístico ou analítico; “saber-fazer” Valorativa Valores, atitudes e valorização; “o que deve ser”; “o que se

deve fazer”

Emocional/identitária Gestão das emoções, motivações e relações Processos de pensamento Processos intuitivo-emocionais; reflexão

48 Acção/interacção, objectivos da acção,

efeitos acção

Mudanças ao nível profissional (sala de aula, escola, investigação) e extraprofissional

No mesmo estudo, a autora define níveis de mudança, operacionalizados em dois pólos de um contínuum, correspondendo às tendências de mudança. O quadro abaixo (Quadro 3) sintetiza as características dos níveis de mudança encontrados por Caetano (2001, 2003):

Quadro 3

Níveis de mudança nos professores através de processos de formação (a partir de Caetano, 2001, 2003)

Campo Operacionalização

(+) (-)

Efemeridade Transitoriedade das mudanças operadas (depois do projecto não se voltam a manifestar)

Permanência das mudanças operadas (mantêm-se para além do fim do projecto)

Profundidade Mudanças de 2º grau, de todo o sistema, com consciência e valorização por parte dos implicados. Envolve padrões de pensamento e conduta.

Mudanças de 1º grau, mantêm as estruturas e padrões de funcionamento inalterados.

Extensão Alargam-se para situações de outro tipo Mudanças manifestam-se em contextos similares

Sistematicidade A mudança opera de forma sistemática em outros contextos

A mudança opera de forma pontual em outros contextos

Molaridade Mudanças aglomeradas Mudanças isoladas

Convicção Aumento do grau de certeza do sujeito Aumento do grau de incerteza do sujeito

Ambas as dimensões, áreas de mudança e níveis de mudança nos parecem interessantes, na medida em que informam acerca dos resultados que podem advir de processos formativo pela investigação-acção. Tivemos em linha de conta estes aspectos na nossa análise de resultados.

Muitos outros estudos acerca dos efeitos da formação pela investigação-acção têm sido desenvolvidos como, por exemplo, as publicações do CARN (Educational

Action Research) apresentam. Em particular, o estudo apresentado por Oolbekkink-

Marchand et al (2014) sugere dois tipos de efeitos: os produzidos nos professores a um nível individual e as mudanças que ultrapassam os limites da sala de aula, quando os professores colaboram em projectos comuns ou utilizam abordagens similares para determinados alunos, dentro dos mesmos conselhos de turma (o que os autores consideram efeitos colectivos). Também este aspecto foi contemplado na nossa análise de dados.

49 Quando procuramos uma avaliação dos efeitos da formação destacando mudanças e níveis de mudança, estamos naturalmente na área da avaliação, largamente desenvolvida por vários autores (e.g. Barbier, 1985; Damas & De Ketele, 1985, De Ketele & Roegiers, 1999; Guskey, 2000; Hadji, 1994; Stufflebeam & Shinkfield, 2007). Para Hadji (1994), por exemplo, o processo de avaliação significa fazer “o juízo através do qual nos pronunciamos sobre uma dada realidade, ao articularmos uma certa ideia ou representação daquilo que deveria ser, e um conjunto de dados factuais respeitantes a essa realidade” (P.178). Para Barbier (1985) avaliar é um processo de transformação de representações, entre um ponto de partida, uma representação factual de um objecto e um ponto de chegada, tendo por referência uma representação normalizada do mesmo objecto.

Hadji (1994) sugere que a avaliação de uma acção de formação se centre quer nos processos de formação desenvolvidos, quer nos efeitos produzidos, sendo estes ligados quer aos resultados dos formandos, quer às consequências da formação. No trabalho deste autor encontramos três grandes funções da avaliação: orientar, regular e certificar, funções que estão na origem da avaliação diagnóstica, formativa e sumativa. Numa acção de formação, nomeadamente na formação contínua de professores, o autor marca três momentos de avaliação que condizem com uma linha temporal da própria acção de formação. Assim, em momentos iniciais ou prévios à acção, a avaliação assume um papel diagnóstico ou preditivo, durante a acção de formação a avaliação assume uma função formativa ou progressiva, centrada essencialmente nos processos, e em fases finais da acção ou num período pós-acção de formação, a avaliação pretende verificar ou certificar e é essencialmente centrada nos produtos.

Silva (2011), inspirado no modelo de avaliação de Stufflebeam (Stufflebeam & Shinkfield, 2007), no seu trabalho acerca do impacto de uma formação em didáctica da matemática com professores do 1º ciclo, adopta um processo de avaliação que designa por ICP (Induzido, Construído e Produzido), correspondendo a uma avaliação a três tempos: o antes, o durante e o após, utilizando diferentes instrumentos de avaliação. O modelo de Stufflebeam (Stufflebeam & Shinkfield, 2007) prevê uma avaliação centrada também em três momentos, o primeiro momento de input, a avaliação dos processos e a avaliação dos produtos resultantes de um sistema de formação ou projecto.

50 No nosso estudo, a avaliação foi um processo continuado e formativo, dentro de uma perspectiva de prática reflexiva. Procurou avaliar-se, de acordo com as questões de investigação, não só os efeitos da formação (na escola, nos professores, nos alunos), como os próprios processos de formação (instrumentos, procedimentos, princípios).

A avaliação contemplou momentos de diagnóstico (motivações, expectativas face à formação, caracterização do pensamento e das práticas dos professores no domínio da ética ou diagnóstico de situações problemáticas), momentos intermédios de avaliação (pelas características dos próprios processos de investigação-acção, dentro de domínios semelhantes que aos enunciados anteriormente) e momentos finais de avaliação, nomeadamente através de entrevistas de follow-up (onde, entre outros aspectos se procurou fazer uma avaliação geral da formação, uma avaliação dos processos e dos efeitos da formação).

Os processos avaliativos do nosso estudo serão desenvolvidos no capítulo da Metodologia, fazendo corresponder diferentes instrumentos de recolha e análise de dados a momentos avaliativo-formativos. Teve-se em linha de conta a complexidade da relação formação-avaliação, privilegiando a flexibilidade, onde os sujeitos e os grupos fossem o suporte aos próprios processos de mudança e informantes fundamentais desses processos. Como refere Barbier (1985), os resultados alcançados foram identificáveis pelo próprio professor ao retroalimentar a sua prática com os conhecimentos discutidos na formação.

A avaliação de uma investigação-acção tenta perceber as mudanças operadas, nomeadamente no pensamento e nas acções das pessoas e grupos dentro da situação problemática, pelo que a pressão do grupo e a colaboração são imperativos (Cohen & Manion, 1994). Diversos estudos se centraram nesse entendimento (e.g. Caetano, 2001; Estrela & Estrela, 2001; Estrela & Caetano, 2010). Num contexto internacional temos tido diversos estudos sobre investigação-acção e os seus efeitos, frequentemente publicados na Educational Action Research. Zeichner (2003) sintetizou alguns dos resultados que se esperam da investigação-acção e podem traduzir-se:

- Numa maior proactividade na relação com a autoridade externa; - No aumento da auto-estima e da confiança;

- Numa relação mais estreita entre as aspirações e a prática;

51 - No desenvolvimento de competências de auto-análise que podem ser aplicadas em diferentes contextos;

- Na mudança na comunicação entre os professores e aumento da colegialidade; - Em conversações que partem das situações problemáticas dos estudantes em direcção à sua resolução;

- Num maior comprometimento com o sucesso dos alunos.

Utilizamos estes postulados na discussão dos nossos resultados, assim como algumas fragilidades da investigação-acção.

5. Avaliando formas desadequadas de fazer investigação-acção e