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4.2 CONDIÇÕES DE ACESSO, USO E APROPRIAÇÃO DAS TICS

4.2.2 Avançando nas questões de uso

A partir da compreensão das condições de acesso abordadas na seção anterior, analisamos nesta as perspectivas de uso das TICs pelas famílias entrevistadas nos municípios. Para compreender as características relacionadas ao uso, partimos da proposição apontada por Crovi (2008), que define o uso como o exercício ou prática habitual e contínua de um dispositivo tecnológico. Adicionalmente, Proulx (2016, p. 44) entende que “o uso é o que as pessoas fazem, efetivamente, com os objetos e dispositivos técnicos”.

A partir do aporte teórico, os dados da pesquisa de campo evidenciam que predominantemente, serão as mulheres e os jovens os responsáveis por usarem, intermediarem, captarem as informações/conhecimentos e as difundirem. Os excertos a seguir demonstram essa característica de uso das TICs:

O Fernando (filho) usa mais, depois a mãe dele. Geralmente usa o celular, o computador é mais pra pesquisa. [...] Mais é para questão da agropecuária, precisa um medicamento, dá uma pesquisada, o animal tem tal sintoma, ou você procura o veterinário e explica pra ele o que está acontecendo ou já vai buscar direto. (AF 26)

A minha esposa usa mais, eu só uso para fazer e receber ligação. Negócio de internet eu não sei. A minha esposa usa para fazer tudo, até para plantar orquídea, pesquisa doenças, problemas de saúde, medicamentos para usar. (AF 15)

Os relatos demonstram que o uso das TICs perpassa por múltiplos aspectos, sendo incorporados na rotina das famílias de diversos modos. Pode ser percebido que serão as mulheres, e de maneira especial os jovens, os protagonistas na inserção das famílias no uso das TICs, contribuindo com o aprimoramento das atividades na unidade familiar. O estudo de Schwartz (2012) revela que o acesso e o uso das TICs podem contribuir com o empoderamento das mulheres rurais, considerando que esse processo se desenvolve por um maior acesso à informação. Quanto maior a informação, maior será o conhecimento da realidade por essas mulheres, fortalecendo e estreitando os vínculos afetivos e produtivos, bem como a possibilidade de criar novos vínculos.

Silva (2014) menciona que as TICs podem ampliar a participação da mulher nos processos decisórios da propriedade rural familiar. A partir da possibilidade de acesso à informação a mulher se torna responsável por administrar o empreendimento familiar, conquistando o respeito do marido, dos filhos e da comunidade, refletindo assim na sua autoestima e no seu empoderamento.

No que tange ao uso das TICs pelos jovens, Centeno (2016) corrobora afirmando que esses não somente incorporam as TICs em suas atividades diárias, mas mudam inclusive modos tradicionais de fazer e viver na agricultura. Essa dinâmica pode ser observada no contexto dos municípios investigados, em que, de modo especial os jovens buscam por meio das TICs novas informações e alternativas a serem incorporadas nas atividades da unidade familiar.

Os resultados desta pesquisa se assemelham aos dados da PNAD e da CETIC no que concerne à presença das TICs nos lares dos brasileiros. O gráfico 7 aponta para o uso prioritário do celular e da internet pelas famílias entrevistadas, sendo que o computador assume uma posição secundária.

Gráfico 7 - Uso das TICs nas unidades familiares pesquisadas

Fonte: Autoria própria (2019).

O gráfico demonstra que todas as famílias usam a internet e o celular, enquanto 56,7% dos entrevistados responderam, também, fazer o uso do computador. O computador encontra-se em menor uso, pois é considerado pelas famílias como um artefato dispensável, em alguns casos ele está disponível na residência, mas não é utilizado, seja por falta de interesse ou habilidade. Dessa forma, 43,3% das famílias disseram que não utilizam o computador, assim, o acesso não significa o uso dos equipamentos. Para Thornton (2003), entre as possíveis razões que podem afetar a tomada de decisão para o uso (internet, computador ou celular) seriam: a necessidade de dedicar tempo ao aprendizado, gastar dinheiro inutilmente, não aprender a usar, não se sentir um ator participante da comunicação. No entanto, a trajetória da agricultura é uma história de produção de novidades. No decorrer dos séculos, os agricultores têm produzido mudanças, combinando elementos naturais, culturais, econômicos e institucionais (MARQUES, 2009; PLOEG et al., 2004). Nessa perspectiva, podemos associar as TICs como novidades, sendo capaz de auxiliar na descoberta de novos caminhos para as crises enfrentadas pela agricultura na atualidade, podendo ser considerada uma semente de transição (PLOEG et al., 2004, p. 1). O relato AF 24 demonstra esse cenário, vinculando as mudanças oportunizadas pelas TICs como oportunidades:

A geração de agora, com 25, 30, 40 anos, está lidando com a mudança e quando tu lida com a mudança surgem ideias novas, então sempre vai melhorar, com certeza (AF 24).

Nesse sentido, conforme Oliveira et al. (2011, p. 92), a produção de novidades na agricultura pode ser considerada como “um processo contínuo de solução de problemas diários e de criação de novas e melhores maneiras de otimizar o uso dos fatores de produção e de praticar agricultura”. Para Ploeg et al. (2004), as novidades precisam de tempo, assim como as sementes, para germinar, crescer, florescer e gerar frutos. Do mesmo modo, requerem tempo para demostrarem se as promessas assumidas realmente se materializam. Em segundo lugar, elas demandam uma mudança nas rotinas existentes e em terceiro, a insegurança faz parte das novidades. Assim, como uma colheita pode não obter êxito, as novidades podem revelar falhas. A partir da metáfora utilizada por Ploeg, visualizam-se as novidades como um potencial, uma expectativa, do mesmo modo que as Tecnologias de Informação e Comunicação são para muitas famílias.

Os usos das TICs no ambiente das unidades familiares pesquisadas perpassam por múltiplos aspectos, estando relacionada à produção, educação, uso de redes sociais e entretenimento, conforme evidencia o gráfico 8.

Gráfico 8 - Uso das TICs nas unidades familiares entrevistadas por área de interesse

Fonte: Autoria própria (2019).

O Quadro 2 apresenta as características recorrentes de uso das TICs nas famílias entrevistadas, conforme categorias utilizadas neste estudo.

Quadro 2 - Síntese das formas de uso das TICs

Produção

- Busca de informações relacionadas as atividades agropecuárias. - Uso para planilhas e gestão da propriedade.

- Pagamento de contas e atividades governamentais. - Pedidos de ração, medicamentos, entre outros.

Educação - Educação à distância, incluindo cursos, palestras e atividades de aperfeiçoamento. - Jardinagem, panificação, cuidados com a saúde, entre outros.

Redes Sociais

- Comunicação e troca de informações com familiares, amigos, comunidade, cooperativa entre outros atores, principalmente por meio de aplicativos como WhatsApp e Facebook.

- Compra e venda de produtos.

- Agendamento de consulta, dentista, contato com veterinário. - Pesquisa de preços, entre outros.

Entretenimento - Vídeos, filmes, jogos, entre outros. Fonte: Autoria própria (2019).

Os dados encontrados demonstraram que todas as famílias usam as TICs para pesquisarem assuntos relacionados à produção, ao uso de redes sociais e para o entretenimento. Ainda, 93,3% das famílias disseram que usam essas tecnologias para assuntos relacionados à educação. Conforme Conceição (2016), as TICs possibilitam múltiplas dimensões de empoderamento da agricultura familiar. A pesquisadora demonstra que os agricultores familiares visualizam e utilizam a internet para a construção de capacidades econômicas, sociais e cognitivas, facilitando assim, o desenvolvimento rural. Nesse sentido, existe o interesse das famílias agricultoras em usar as TICs para os múltiplos assuntos, perpassando pela produção, educação, redes sociais e entretenimento.

Entre as diversas funções exercidas pelo celular, a mobilidade é uma característica que favorece a sua maior utilização. O uso dessa tecnologia permite, por exemplo, ao agricultor solucionar demandas, auxiliando no trabalho desempenhado no interior das unidades familiares, além, da prestação de serviços fora da propriedade. Os depoimentos a seguir evidenciam os usos das TICs no cotidiano das famílias:

Mais para conhecimento, anotações dos animais, gestão, produção [...] Presto serviço de inseminação nas propriedades, dependo da internet para ver se alguém me chamou. (AF 9)

[...] Precisa de alguma coisa você está lá no aviário já manda um whats para a empresa, pede ração, fala com o técnico. Alguma coisa assim. [...] Precisa de uma peça. (AF 5)

Além do uso direcionado à produção, percebe-se que as TICs se tornam cada vez mais habituais nas atividades do ensino à distância, sendo muitas vezes uma alternativa para ingressar em um curso do Ensino Superior. Durante a pesquisa, de modo especial no município de Xaxim, foi possível verificar essa característica em pelo menos três respondentes e curiosamente em idades distintas, um jovem de 21 anos, uma mulher de 37 e um homem de 59 anos, sendo que o último utiliza geralmente o celular para assistir as aulas, conforme o relato:

É até melhor assistir a aula pelo celular porque você pode sair, caminhar, se é o computador tu tem que ficar ali. E o celular tu leva aqui, tu escuta, põe no bolso (AF 28).

Na possibilidade do ensino à distância e a busca por informações relacionadas à produção, as TICs transcendem para outros aspectos, permitindo uma gama de possibilidades, tais como: jardinagem, panificação, cuidados com a saúde, contato com a família, entretenimento, entre outras. Corroborando:

Eu uso principalmente por causa do problema dele (filho), tem o grupo de mães que tem criança com paralisia, daí a gente pesquisa sobre cirurgia, medicamentos, cada um vai postando os resultados que der (AF 25). Eu uso pra procurar receitas, para mandar mensagens pelo whats, pra se comunicar (AF12).

Uso mais pra redes sociais, curiosidade, informação técnica, comunicação, venda. Eu sempre falo com eles da secretaria, qualquer dúvida. Eu também entrego para a merenda, daí eles sempre avisam ali pelo WhatsApp (AF 30).

Eu uso mais pra se comunicar com as pessoas, filhos, irmãos, parentes (AF 7).

A partir do diálogo com as famílias, pode ser percebido que a principal configuração de uso está centrada no contato com os familiares ou atores envolvidos nas atividades relacionadas à unidade familiar. Entre as famílias ocorre o uso de aplicativos para entretenimento e redes sociais, sendo os mais relatados o WhatsApp e Facebook. Além disto, o uso das TICs para a Educação à Distância se

apresentou como uma possibilidade valiosa, de modo especial para as famílias que residem distante dos centros urbanos e não teriam condições de fazer um curso sem sair da unidade familiar. A partir desse contexto, observa-se que as novas tecnologias atuam nessa mediação entre as famílias e o aperfeiçoamento educacional, pessoal e produtivo.