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4.2 CONDIÇÕES DE ACESSO, USO E APROPRIAÇÃO DAS TICS

4.2.3 A gestão das propriedades

A viabilidade da agricultura familiar passa, necessariamente, pelo desenvolvimento da capacidade de administrar de forma eficiente à propriedade, cuja complexidade e grau de exigências vêm aumentando nos últimos tempos. Neste sentido, as TICs podem auxiliar o processo de gerenciamento das propriedades rurais, bem como estimular a integração entre famílias e o compartilhamento de suas experiências de administração (BATALHA; BUAINAIN; SOUZA FILHO, 2005).

Adicionalmente, os mesmos autores salientam que o uso das novas tecnologias pelos agricultores familiares possibilita novas oportunidades e práticas, e essas requerem um nível de gestão de produção mais sofisticada. Segundo Giovanini (2018), o uso dessas tecnologias nas ações práticas do cotidiano pode facilitar o acesso às informações e conhecimentos, melhorando a gestão e o comércio, além de contribuir no fortalecimento dos vínculos com outros agentes do setor. Essa configuração exercida pelas TICs pode ser observada no relato a seguir:

Economiza tempo, facilidade, melhorou o controle, antes você tinha no caderninho, perdia a folha, na gestão influenciou, melhorou o lucro, porque daí eu tenho tudo anotado. Imagina seis anos anotado, precisa ficar folhando, assim você coloca no computador, aparece à vida inteira do animal (AF 9).

O excerto AF 9 evidencia a importância das novas tecnologias para o processo de gestão das unidades familiares. A partir do uso das TICs o agricultor dispõe de um conjunto de informações que auxiliam na tomada de decisão. Conceição (2016) afirma que a presença das TICs no meio rural oferece vários benefícios como: a maior eficiência na gestão das propriedades; auxílio na tomada de decisão; possibilidade de permanência dos jovens no meio rural; proeminência da

mulher no processo de comercialização; e maior visibilidade em atividades como o turismo e lazer.

Apesar da importância das TICs no processo de gestão e na busca por assuntos relacionados à produção, os dados deste estudo revelam que a maioria dos entrevistados realiza a gestão de suas propriedades através de anotações em caderno, ou em alguns casos, apenas com anotações mentais, conforme o gráfico 9.

Gráfico 9 - Modo de gestão nas propriedades entrevistadas

Fonte: Autoria própria (2019).

O gráfico 9 evidencia que 26,7% das famílias realizam a gestão de suas propriedades sem nenhum tipo de anotação; 26,7% usam o caderno para registrar assuntos da unidade familiar; e 16,7% realizam a gestão “de cabeça” e com pouca anotação. No que se refere ao uso da tecnologia no auxílio desse processo: 16,7% usam o caderno e algum programa de celular/computador para auxiliar na gestão; e apenas 13,3% das famílias usam o celular/computador para realizar a gestão.

Nas famílias em que a gestão é informatizada, o equipamento geralmente usado para desenvolver esse trabalho seria o computador, por meio de planilhas, seguido pelo uso do celular. O uso de planilhas permite uma série de informações, principalmente ao longo do tempo, onde pode ser visualizado o histórico da unidade familiar sobre diversos aspectos.

Uso um programa da EMATER que dá assistência. [...] Nunca tá bom, sempre tem que melhorar (AF 9).

Faço no computador. Fiz o curso, daí marco os gastos e lanço no computador. Facilita, sai a média do ano todo, bem certo (AF 17).

Anotamos no computador, tem a planilha do QT Rural, daí como a gente tem a propriedade sustentável, é necessário né, ter o controle. No próprio QT rural já tinha as planilhas, mas a gente não tinha computador. O papel hoje você perde uma folha, borra, daí é ruim com aquela anotação ruim né, uma hora perde. E com o computador tá ali (AF 24).

Neste sentido, é dada a importância as TICs, consideradas como instrumentos de auxílio às atividades do campo. Nas famílias onde o computador ou aplicativo de celular é usado para fazer a gestão da propriedade, os responsáveis pelo manejo, em sua maioria, são os jovens. Conforme revelam os relatos:

O Lucas (jovem) controla a parte das aves, o leite, é tudo ele que controla. Ele faz no celular mesmo pelo aplicativo no celular (AF 23).

Um pouco de tudo, o Fernando (filho) é mais no computador, tem planilha. Não é muito tempo que ele voltou para a propriedade, e ele voltou e eu to deixando mais pra ele. Eu to monitorando, onde eu vejo que não está certo, eu digo, não é por aqui. Então ele está levando tudo anotado. Já apareceu várias propostas pra ele ir, mas por enquanto ele está ficando (AF 26).

A partir das falas pode ser observado a importância da permanência do filho na unidade familiar, sendo ele quem faz o controle e gestão da propriedade e os pais são coadjuvantes nesse processo. Assim, quando o jovem assume mais responsabilidades na unidade familiar, ele acaba se sentindo importante e que faz parte da propriedade. Neste processo de gestão, ele ganha mais “credibilidade”, já que seria um procedimento que em alguns casos os pais não conseguiriam realizar sem o auxílio dos filhos.

Os entrevistados de maior idade utilizam, predominantemente, o caderno ou nem mesmo fazem anotações. Essa característica se associa a perspectiva relatada por Silva (2015), quanto maior a idade, menor será a chance de ser o usuário, e quanto maior a escolaridade, maior a probabilidade de uso. Os dados desta pesquisa evidenciam que a maior parte das famílias não usam as TICs para realizar a gestão dos estabelecimentos rurais, apesar disso, reconhecem a importância e afirmam que gostariam de melhorar. Exemplificando:

A gente faz de cabeça e anota na agenda. Até que seria bom fazer no computador, porque alguma coisa pode esquecer (AF 16).

Eu faço de cabeça, eu gostaria de fazer curso de computação, porque eu não sei mexer com isso, talvez o sindicato ajudasse. [...] Desde tirar um GTA (AF 21).

Eu uso o caderno e celular (aplicativos). Teria que melhorar muito. A gente faz muito mal feito a gestão. Não sabe exatamente o quanto sobrou, o quanto gastou (AF 1).

Faço mais de caderno. O bom seria informatizar tudo né, o bom seria, mas ainda não chegamos lá (AF 27).

Aqueles que mantêm a gestão da propriedade sendo anotada no caderno relataram durante o diálogo que o fazem pela configuração familiar, onde o controle da propriedade é feita pelos pais. Nos dois casos apresentados a seguir, AF 2 e AF 29, as famílias são compostas por cinco membros, estando os pais envolvidos na gestão, o que pode ser um motivo para que continue sendo feita as anotações no caderno, pois assim, os pais têm acesso às informações.

Prefiro fazer no caderno para o pai e a mãe ter acesso também. Fica mais fácil. (AF 2)

A gente anota tudo no caderno. Se a gente vê que tem vantagem de fazer a gente faz, se não tem, nós não fazemos. A gente faz as contas, tudo no lápis. Que nem quando a gente faz um plantio de milho, alguma coisa. Mas primeiro a gente faz conta ver se vale a pena plantar, ou se é mais vantagem comprar milho. A gente faz tudo essas contas. Se tem vantagem a gente faz, se não. Que daí tu gasta pra nada, as vezes, não vale a pena. (AF 29)

Ainda, apesar de que alguns casos a gestão da unidade familiar não sejam informatizados, isso não significa que ela é ineficiente. Ao contrário, cada família possui singularidades, condições de acesso, habilidades, e outros fatores que condicionam ou não a gestão informatizada. Nas unidades familiares em que o uso das TICs tornar-se uma prática habitual, uma série de atividades podem ser potencializadas no processo de desenvolvimento rural, por exemplo: redes agrometeorológicas, sistemas de alerta, digitalização de comunicações e transações, diagnóstico remoto e assistência técnica, entre outras possibilidades potencializadas pelo uso da TICs (NAGEL, 2012).

A partir dos dados apresentados, pode ser constatado que as TICs tornaram-se tecnologias habituais e está configurado como parte do cotidiano das famílias agricultoras, em maior ou menor grau. Os dados também revelam que o

acesso não significa o uso dos objetos, como recorda Proulx (2016), sendo que pode haver o acesso, mas não o uso do equipamento. Nesta pesquisa, por exemplo, 86,7% das famílias tem acesso ao computador, mas apenas 56,7% disseram que fazem uso do computador. Entre os motivos relacionados a essa assimetria citamos a falta de habilidade para o uso do equipamento e as dificuldades de acesso à internet por meio do computador. Nas unidades familiares onde o acesso permite efetivamente o uso das TICs, torna-se possível a apropriação dessas tecnologias, assunto que será analisado na próxima seção.