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Averiguação de relação de consumo na economia do compartilhamento

4.2 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E OS ELEMENTOS DA RELAÇÃO

4.2.4 A relação de consumo na economia do compartilhamento

4.2.4.4 Averiguação de relação de consumo na economia do compartilhamento

Após a análise individualizada das nuances de cada agente que compõe um dos três polos da dinâmica negocial da economia do compartilhamento, impele-se averiguar se, efetivamente, há relação de consumo no novo modelo de negócio estudado. Como mencionado alhures, para que haja relação de consumo todos os seus elementos subjetivos, objetivos e a relação causal devem restar harmonicamente configurados, sob pena da relação não ser considerada como de consumo.

No que pertence aos elementos subjetivos, deve-se observar que há consumidor e fornecedor na dinâmica da economia do compartilhamento relativa a relação estabelecida entre a plataforma de compartilhamento e seus usuários. Isto porque independentemente de qual perfil cada usuário ocupe na plataforma, a figura do consumidor pode ser observada, pois, de um modo geral, os usuários, em sua maioria pessoas físicas, utilizam os serviços prestados pelos aplicativos como destinatários finais, fáticos ou não, para ter acesso ou para compartilhar um bem/serviço.

Do mesmo modo, nessa mesma relação existente entre a plataforma e seus usuários, observa-se nítida a aplicabilidade do papel de fornecedor à plataforma de compartilhamento, vez que a mesma preenche completamente os requisitos encartados pelo art. 3º, do CDC, e, por conseguinte, atrai para si as responsabilizações inerentes a tal figura.

No que pertence aos elementos objetivos, deve-se averiguar se há a prestação de um produto ou serviço pela plataforma de compartilhamento aos seus usuários mediante remuneração direta ou indireta, conforme inteligência do § 1º, do art. 3º, do CDC.

In casu, tem-se que as empresas responsáveis pelas plataformas de compartilhamento,

prestam serviços aos seus usuários relativo a criação e manutenção de espaço virtual apto a intermediar, conectar, a oferta de um usuário com a demanda outro de bens/serviços subutilizados via de regra de modo profissional.

Para tanto, recebem certa recompensa econômica que pode ser direta, através de taxas preestabelecidas ou porcentagens em cima do serviço intermediado, ou indiretamente, como alguma vantagem com a coleta de dados ou para fins publicitários, por exemplo.

Pertinente destacar também que o supracitado artigo do CDC também aduz que nas relações de trabalho não há incidência das normas de proteção ao consumidor, vez que tais relações possuem legislação reguladora própria. Trazendo essa questão para a economia do compartilhamento, como alhures explicitado, o presente estudo não possui recursos suficientes para esclarecer se a relação existente entre o usuário que presta o bem/serviço diretamente deve ser regido pela legislação de natureza trabalhista, previdenciária ou de outras naturezas existentes no nosso ordenamento jurídico, posto que tal temática foge ao seu objetivo atinente ao direito do consumidor.

Pelo estado das coisas e observando a ausência de legislação especifica sobre o tema, contenta-se a afirmar que, pelos institutos estudados, a relação entre a plataforma e o usuário provedor se assemelha muito com a figura do fornecedor, pelas razões já mencionadas. A propósito, no modelo de negócio das inúmeras plataformas, seus termos são enfáticos em asseverar que não possuem responsabilização pelos danos ocasionados pelos bens/serviços que são prestados diretamente pelos usuários, porém, tais disposições merecem acurada analise com o supedâneo de observar se, com isso, as plataformas não estariam levando vantagem em detrimento dos direitos dos seus usuários303.

Promovendo uma análise mais acurada, é possível observar que há duas espécies de prestação de serviços bem definidas: um serviço de criação, manutenção e garantia de ambiente virtual que propicia a conexão de oferta e demanda que é oferecido pela plataforma tendo em vista o compartilhamento entre seus usuários que, por sua vez, se utilizam os mecanismos oferecidos pelas plataformas para compartilhar bens/serviços, configurando uma segunda espécie de prestação de serviço.

Como consequência da duplicidade de elementos objetivos, naturalmente, também há duplicidade de relações jurídicas estabelecidas, uma entre a plataforma e seus usuários e outra estabelecida entre os seus próprios usuários, nesse momento, após todas as considerações feitas

303 O Uber, por exemplo, intitula-se como empresa de tecnologia determinando em seu termo, em letras garrafais, que para aderir ao usuário o reconheça como tal, além de que admita que o aplicativo “NÃO É FORNECEDORA DE BENS, NÃO PRESTA SERVIÇOS DE TRANSPORTE OU LOGÍSTICA, NEM FUNCIONA COMO TRANSPORTADORA, E QUE TODOS ESSES SERVIÇOS DE TRANSPORTE OU LOGÍSTICA SÃO PRESTADOS POR PRESTADORES TERCEIROS INDEPENDENTES QUE NÃO SÃO EMPREGADOS(AS) E NEM REPRESENTANTES DA UBER, NEM DE QUALQUER DE SUAS AFILIADAS”, conforme facilmente pode-se observar os termos no site nacional da empresa. Disponível em: < https://www.uber.com/legal/terms/br/>. Acesso em: 10 jun. 2018.

até aqui, verifica-se já restarem reunidos todos os elementos necessário para o exame da existência da relação de consumo na economia do compartilhamento nos termos instituídos no CDC e sua consequente aplicação para remediar as demandas surgidas no novo modelo econômico de compartilhamento.

Destarte, conclui-se que nas relações estabelecidas entre a plataforma e seus usuários na prestação de serviço garantindo um espaço online de intermediação de vontade, indubitavelmente, verifica-se a presença da relação de consumo, nos termos do CDC.

Contudo, no que se refere a prestação de serviço estabelecida entre os usuários conectados pela plataforma de compartilhamento, observa-se que tal relação jurídica não possui respaldo nas leis consumeristas pela carência de um dos elementos que compõe a relação de consumo. Obviamente, a carência não é dos elementos consumidor e da relação de causalidade, pois, como já demonstrado, ambos se mostram caracterizados.

O elemento que não encontra completo abrigo é o do usuário como fornecedor, pois, como também já explicitado, na maioria dos exemplos de plataformas de compartilhamento, tais usuários fornecem bens/serviços em caráter não profissional e ocupam posição de vulnerabilidade em relação a plataforma, empatando na mesma posição de fragilidade própria do consumidor perante quem atuou como fornecedor.

Assim, sabendo que economia do compartilhamento é uma dinâmica entre três polos, no qual dois de seus agentes possuem características bem definidas dentre a caracterização de consumidor e fornecedor estabelecida pelo CDC, mas um dos seus agentes, por apresentar uma característica hibrida, não possui o mesmo amparo pelo código consumerista.

Tal fato é completamente compreensível, uma vez que o CDC foi definido para regular relação jurídica entre apenas dois polos, enquanto a economia do compartilhamento tem por natureza uma relação entre três agentes econômicos, assim, normal que não haja no código consumerista fiel correspondência e adequada proteção.

Contudo, reconheça-se que o CDC não esgota todos as expressões de consumo existentes na sociedade e nem poderia ante a complexidade e rapidez com que a sociedade de consumo se modifica e se adapta às novas realidades surgidas, especialmente, levando em consideração as facilidades e mudanças viabilizadas pela Internet.

Apesar disso, nada impede que o microssistema consumerista sirva como diretriz a ser seguido por todos304. Impele, assim, tomar como parâmetro o intuito maior pelo qual o CDC se destina que é a proteção do consumidor. A partir disso, é possível inferir que, a partir de uma

interpretação extensiva do ordenamento jurídico nacional relativo a proteção do consumidor, as relações havidas em sede de economia do compartilhamento podem ser consideradas relação de consumo.

Isto, pois, de um modo ou de outro, os requisitos inerentes as configurações da relação jurídica de consumo restam configuradas, bem como que a principal razão pelo qual o código consumerista foi criado, a defesa do consumidor, agora, passou a apresentar uma nova faceta, na qual embora o consumidor participe de uma dinâmica econômica que se propõe mitigar à o desprivilegio do consumidor, ainda assim ocupa situação de sujeição.

O cenário posto é o seguinte: o usuário provedor possui a mesma situação de sujeição do que o usuário consumidor, ambos em relação a plataforma, não apresentando a mesma envergadura para sanar qualquer dano que possa ser ocasionado ao usuário/consumidor que a plataforma possui, ao passo que, via de regra, as plataformas se isentam de qualquer forma de responsabilização por alocarem-se na modalidade de empresas de tecnologia, isto é, não recebem a titulação da modalidade especifica do bem ou serviço prestado diretamente.

No fim, como de costume, quem demonstra-se precisar de amparo legal protetivo é o consumidor, já que o serviço prestado pela plataforma, teoricamente, não abrange o bem/serviço fornecido de fato pelo usuário, esse que, por sua vez, apesar de ser quem efetivamente forneçam o bem/serviço diretamente, geralmente, estão na mesma situação de vulnerabilidade que o consumidor.

4.3 A RELAÇÃO DE CONSUMO NA ECONOMIA DO COMPARTILHAMENTO E A SUA