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4.2 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E OS ELEMENTOS DA RELAÇÃO

4.2.4 A relação de consumo na economia do compartilhamento

4.2.4.1. O consumidor na economia do compartilhamento

Impele sublinhar que na análise do elemento causal, na forma do art. 2º, do CDC, além de se observar se há destinação final na aquisição ou utilização de bem/serviço para a caracterização da relação de consumo, admite-se também que a conduta de utilizar o produto ou serviço também se enquadra como característica própria do consumidor293.

Nesses termos, em virtude da relativização da propriedade na economia do compartilhamento, não necessariamente, o consumidor torna-se proprietário do bem usufruído, porém, nada disso impede que o usuário que utiliza o bem/serviço compartilhado seja alocado no CDC, posto que o seu próprio art. 2º conceitua consumidor como aquele que “adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

Da literalidade do dispositivo deduz-se que por consumidor entende-se tanto o indivíduo que adquire a propriedade como aquele que apenas usufrui dos bens/serviços, conforme geralmente fazem os usuários da economia do compartilhamento, desde que o façam como destinatários finais. A questão é saber qual a definição de destinação final mais adequada que deve ser direcionada na economia do compartilhamento: a teoria a maximalista, finalista ou finalista aprofundada.

Nos termos da teoria maximalista, o usuário que tem acesso a um bem/serviço por intermédio da plataforma de compartilhamento adequa-se perfeitamente a maneira abrangente de interpretação do art. 2º, do CDC, realizada por essa teoria, quando define consumidor como sendo o destinatário final que adquire o produto/serviço para o seu uso, independente da destinação econômica conferida ao mesmo, permitindo que o usuário possa

manter o ciclo econômico ao compartilhar bens/serviços sempre que desejar, mesmo quando o bem já tenha sido adquirido por meio de uma plataforma de compartilhamento. Contudo, é pertinente ressaltar que, como alhures mencionado, essa não é a teoria mais aceita.

A teoria finalista, por sua vez, possui maior receptividade ao preceituar que para restar configurada o papel de consumidor deve haver mais do que uma destinação final fática, em prol do seu uso pessoal, mas também econômica, com o bem/serviço sendo aplicado sem uma finalidade produtiva.

Nesse modo, lançando olhar sobre a teoria finalista com uma interpretação que vis e ampliar seu sentido, observa-se que alguns usuários da economia do compartilhamento podem ser considerados como consumidores. Isto, pois, há usuários que utilizam o bem ou usufrui do serviço compartilhado enquanto destinatário final fático e econômico, não sendo o bem ou serviço aplicado com uma finalidade produtiva, tendo o seu ciclo econômico encerrado na pessoa do adquirente. Nesse caso, tais usuários seriam considerados consumidores pela teoria finalística.

Nada obstante, o critério de destinação final econômica por parte dos usuários que utilizam a economia do compartilhamento nem sempre é atendida, vez que é da própria política da economia do compartilhamento que as pessoas compartilhem bens subutilizados ou que poderiam ser melhor aproveitado, de maneira que o usuário que utilizou um bem por intermédio da economia do compartilhamento, após de tirar o máximo proveito de que necessitava, pode muito bem compartilha-lo com outras pessoas não encerrando, assim, seu ciclo econômico.

No que concerne a teoria finalista aprofundada, verifica tratar-se de teoria que confere o maior respaldo jurídico quanto a adequabilidade no papel do consumidor pelo usuário que utiliza o bem/serviço por plataformas de compartilhamento, já que tal teoria escolheu também o critério da vulnerabilidade, não considera apenas a destinação do produto ou serviço obtido, mas também o poder econômico do consumidor.

Assim, a partir do critério da vulnerabilidade, os usuários da economia do compartilhamento podem ser enquadrados como consumidores, pois são os destinatários finais fáticos do produto/serviço do bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo, independente da sua finalidade, uma vez que, de um modo geral, a situação de vulnerabilidade dos usuários das plataformas de compartilhamento é indubitavelmente configurada.

No caso da economia do compartilhamento a maior vulnerabilidade é a técnica e informacional, já que as plataformas de compartilhamento que nasceram sob a égide da tecnologia da informação e comunicação e sobre as quais possuem grande propriedade, têm

expressivo domínio técnico com amplas possibilidades de reter e manipular informações, vide o debate acerca da invasão de privacidade praticada por tais empresas de compartilhamento que, a partir dos seus próprios modelos de negócio, passam a manusear grandes quantidades de dados dos seus usuários.

Outro fato que evidencia a situação informacional do usuário em relação a plataforma de compartilhamento é a disponibilização de informações a cada usuário de acordo com seu perfil, sendo disponibilizadas uns tipos de informações para aqueles usuários que se utilizam do produto/serviço, enquanto outros tipos de informações são prestados aos prestadores de serviço em razão da natureza da sua ligação com a plataforma. Enquanto isso, a plataforma detém todas as informações, omitindo ou fornecendo as que julgar necessário, ao passo que o seu usuário não possui o menor conhecimento do objeto que está consumindo, não reunindo plenas condições de debater igualitariamente com a plataforma, em caso de um pretenso litigio.

Após isso, se mesmo assim o usuário da economia do compartilhamento não for enquadrado no papel de consumidor, deve-se observar o sentido amplo conferido pelo CDC ao papel do consumidor quando consagrou a figura de consumidor por equiparação, notadamente, o gravado pela inteligência do art. 29, do CDC, quando diz que “equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”.

O supracitado artigo se refere as práticas comerciais inerentes a dinâmica capitalista de mercado, na qual a economia do compartilhamento também faz parte. Nesses termos, está-se diante de uma espécie de norma de abertura que ultrapassa os estritos limites do significado legal de consumidor refletindo uma definição de política legislativa no intuito de permitir que outras situações se enquadrem no contexto da proteção do CDC.

Destarte, observa-se que o código elasteceu ainda mais o conceito consumidor ao positivar a expressão “todas as pessoas" atribuindo a defesa dos direitos de todos consumidores aqueles definidos pelo código ou não como, em última instancia, ocorre com os usuários da economia do compartilhamento.

Portanto, enquanto membros das plataformas de compartilhamento e perante elas, os usuários que, compõem uma coletividade determinada ou determinável, podem ser considerados consumidores para os fins legais, pois utilizam os serviços ofertado pela plataforma de intermediação de vontades afins com vistas ao compartilhamento de

bens/serviços, sujeitando-se aos termos de uso destas plataformas, bem como fruindo sobre si todos os direitos conferidos aos consumidores pelo CDC294.

Contudo, tais usuário também, sob o azo da mesma relação econômica, também consomem bens/serviços prestados pelos usuários considerados provedores, ambos intermediados pela plataforma online, constituindo modalidade de consumo diferente em relação ao modelo de consumo convencional e estranha ao próprio CDC.