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A QUESTÃO DA RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO(S) FORNECEDOR(ES) NA

Perante o novo paradigma impresso nas relações jurídicas de consumo pela economia do compartilhamento, demonstra-se necessário o desenvolvimento de um maior interesse doutrinário, jurisprudencial e até mesmo legislativo no sentido de compor juridicamente temas específicos que ainda se encontram em uma zona cinzenta com as noções jurídicas do país e em nome do melhor interesse dos envolvidos na dinâmica economia do compartilhamento. Certamente uma das temáticas que merece mais atenção trata-se da questão da responsabilidade civil pelos danos causados aos consumidores na economia do compartilhamento.

A grande dificuldade esbarrada é: a plataforma prestou o serviço da forma que se dispôs a fazer, contudo, a questão é saber se o usuário provedor pode ser responsabilizado por eventuais danos causados, pois, por ser um personagem hibrido na relação, não apresenta perfeita aplicação nem no papel de fornecedor, e, se não se sabe precisamente quem é o responsável pelo serviço, questiona-se quem deverá amparar o consumidor.

328 Ibid.. p. 144.

Parte dos especialistas entendem que as plataformas de compartilhamento devem atender aos mesmos requisitos que o serviço prestados por provedores tradicionais, posto que os serviços prestados e os riscos são os mesmos na economia clássica e na economia do compartilhamento, como por exemplo, os acidentes ocorridos em taxis ou Uber.

Todavia, como mencionado, o equilíbrio entre consumidor e fornecedor mudou, já que o usuário/provedor, muitas vezes, possui a mesma vulnerabilidade do que o usuário consumidor e em muitas das situações também são colocados em risco encontrando-se desamparados, não fazendo muito sentido recair sobre esses o mesmo peso de responsabilidade que incide sobre os fornecedores tradicionais330.

Nesse pórtico, também não se demonstra razoável que em situações havidas entre os usuários conectados pelas plataformas, a mesma seja responsabilizada diretamente para sanar os vícios de qualidade ou quantidade dos bens/serviços que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo do produto ou serviço ocasionados pelo usuário provedor, em situações que a plataforma não tenha contribuído diretamente.

Deve-se atentar que a natureza jurídica oferecida pela plataforma é, a grosso modo, a de conectar os seus usuários ao criar, manter, e garantir a segurança na intermediação em rede, já que pratica a oferta de produtos e serviços no mercado de consumo, atraindo para si a incidência do Código de Defesa do Consumidor, na figura de fornecedor de serviços.

Face a isso, para alguns estudiosos, a mensuração da responsabilidade por danos deverá ser casuisticamente mensurada de acordo com o grau de intervenção praticada pela plataforma intermediadora em cada caso. Assim, obviamente, haverá casos em que se incidirá a responsabilização da plataforma por falhas no papel de intermediação e garantia da segurança do meio para a realização do negócio, mas, em outras circunstâncias, a plataforma não deveria ser responsabilizada, pois não é a fornecedora dos bens/serviços transacionados independentemente pelas partes331.

As plataformas de compartilhamento geralmente procuram minimizar sua própria responsabilidade ao caracterizar seus serviços como empresas de tecnologia, contudo, alguns críticos argumentam que as plataformas de compartilhamento, na prática, operam como prestadores de serviços diretos, além de argumentarem que as plataformas de compartilhamento se utilizam de táticas enganosas para evitar a regulação332.

330 KATZ, Vanessa, op. cit., p. 34-35.

331 MIRAGEM, Bruno; MARQUES, Claudia L, op. cit. 332 KATZ, Vanessa, op. cit., p. 7.

Inobstante, a plataforma enquanto detentora de maior poder econômico da relação não pode usar a natureza jurídica de ser um fornecimento de serviço diferenciado – em regra de classificada com natureza jurídica de empresa de tecnologia – à pretexto de se isentar da responsabilidade em detrimento dos direitos do consumidor, vez que o status de intermediário das plataformas de compartilhamento influencia diretamente na responsabilidade da plataforma333.

Ao redor do mundo, e especialmente no Brasil, observa-se que a economia do compartilhamento criou demanda e não o oposto, que as plataformas surgiram suprindo as lacunas deixadas por negócios jurídicos preexistentes. Pelo que se observa, pessoas começaram a disponibilizar seus carros para carona, cômodos ou o própria imóvel porque passaram a ter acesso a uma forma fácil e prática de fazê-lo tendo em contrapartida vantagens, seja pecuniária ou até mesmo suprindo o desejo de contribuir com a preservação do meio ambiente ao conferir usabilidade a algum bem ou serviço que estava subutilizado.

Essa nova demanda criada provocou relevantes impactos positivos, porém, a esse pretexto, as plataformas de compartilhamento não podem se furtar das responsabilidades inerentes a todas as relações de consumo.

Se o consumidor não receber a devida proteção, em pelo menos o mesmo grau que detém resguardado pelo CDC nas relações jurídicas moduladas pelo dinâmica negocial capitalista clássica, em nada laboraria a economia do compartilhamento em prol dos interesses do consumidor, vez que a pretexto de obter determinadas vantagens na nova relação de consumo baseado no modelo de compartilhamento, disponha de direitos constitucionalmente adquiridos às custas de muita luta. Direitos esse que, inclusive, são intransponíveis e imutáveis, vez que elencados na categoria de direitos fundamentais presentes no rol de incisos do aclamado art. 5º, da Constituição Federal, precisamente no inciso XXXII.

Assim, no que pertence a matéria de responsabilidade civil, há uma profunda querela a ser enfrentada ante a insuficiência de uma regra geral única capaz de, em alguma uma medida, uniformizar todas as nuances inerentes a nova relação jurídica estabelecida, especialmente, porque os contornos das interações entre usuário variam conforme o modelo de negócio de cada plataforma de compartilhamento, dentre as inúmeras expressões existentes.

Assim, estudiosos preconizam que a saída para solucionar esse problema é eleger quais os fins e a segurança que os usuários consumidores devem receber dos provedores e da própria plataforma, para que, assim, possa-se promover uma precisa definição de vício ou defeito da

prestação casuisticamente e, por via de consequência, consiga-se delimitar a responsabilidade entre usuário provedor e a plataforma334.

Outra perspectiva sobre o assunto consiste em que a plataforma não pode se isentar completamente de reponsabilidade no que se relaciona entre os serviços fornecidos de modo independente por seus usuários por apenas ter intermediado. Isso porque as plataformas não são absolutamente passivas nessas transações, já que estabelecem certo de tipo de controle sobre essas, bem como por via de regra percebem vantagem financeira335.

Até porque a maioria dos usuários provedores não transacionam em volumes suficientes para absorver o custo dos acidentes, são geralmente pessoas que, por não possuem condições de pagar por seguro profissional, e possuem apenas apólices de seguro pessoal que não cobrem danos materiais durante transações comerciais336.

Outrossim, os provedores não costumam ter condições de atender todas as medidas de segurança baseadas em processos com checagem de várias etapas, como é o caso do motorista da Uber que se quer tem conhecimento do destino que irá levar seu passageiro e nem pode perguntar ao cliente antes de iniciar a viagem e, em certos casos, os usuários provedores podem enfrentar riscos de segurança pessoal como resultado do comportamento do usuário337.

Por essa razão que alguns estudiosos tendem a acreditar que a responsabilidade das plataformas mediante acidentes relacionados às negociações ocorridas em seus ambientes devem ser na modalidade indireta338.

Inobstante a isso, há de se considerar que atribuir a tais plataformas onerosa carga de responsabilidade pode acabar inibindo a expressão dessa nova modalidade econômica, afugentando as benesses provocadas aos próprios consumidores, pois, dentre outros fatores, provoca o aumento do risco jurídico que pode refletir diretamente no aumento de preço e subtrair uma das maiores facetas da economia do compartilhamento, qual seja a diminuição dos custos.

Nesse cenário, o presente estudo buscou demonstrar o panorama geral da questão da responsabilidade civil nas relações, apresentando os principais aspectos que são objeto do intenso debate que circunda em saber qual a melhor forma de responsabilização civil a ser adotada. Fato é que esbarramos em temática de intensa complexidade, cujas análises mais

334 MIRAGEM, Bruno; MARQUES, Claudia L, op. cit.

335 SILVA, Raphael Andrade; PAIVA, Matheus Silva de; DINIX, Gustavo Saad, op. cit., p. 19. 336 KATZ, Vanessa, op. cit., p. 44.

337 KATZ, Vanessa, op. cit., p. 37. 338 Ibid., p. 37.

aprofundadas e reflexões mais específicas se tornam imperativas, razão pela qual sugere-se que seja objeto de estudos futuros de modo aprofundado.

Contudo, tem-se que o presente estudo apresenta relevante contribuição nesse processo, pois abordou uma fase anterior e indispensável ao prosseguimento no estudo da responsabilidade civil dos fornecedores nas relações de consumo a luz do nosso ordenamento jurídico, qual seja o de caracterizar e particularizar os elementos subjetivos e objetivos que compõe a nova dinâmica econômica, oportunidade em que visualizou-se a dificuldade em adequar os elementos que compõe uma relação de consumo do CDC às inovações apresentadas pela economia do compartilhamento, o que suscita o debate sobre a pertinência da regulação especifica abordada no capítulo a seguir.

4.5 OS DESAFIOS JURÍDICOS NA TUTELA DAS RELAÇÕES DE CONSUMO NA