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Cabe inicialmente dizer que o momento do repouso depois da refeição é opcional; entretanto, a maioria das crianças não fica acordada. As crianças menores são postas nos berços depois que dormem e as mais velhas deitam nos colchonetes forrados e enfileirados no chão. Algumas adormecem sem a interferência do adulto, deitadas nos pequenos colchões, e parecem procurar, por si sós, um jeito mais aconchegante de se aninhar nos lençóis e travesseiros que os adultos lhes disponibilizam. Outras relaxam e adormecem de jeitos diferentes, com o apoio dos adultos.

Da longa sequência interativa, que possui 19min 03seg, os seis momentos recortados nos revelam diferentes formas e posições corporais que as crianças encontram para relaxar e dormir, mediadas pelas atitudes das ADIs.

Pedro demonstra que encontrou a posição para relaxar e dormir inicialmente apoiado nas pernas da ADI, passando, em seguida, a ficar apoiado no colo dela.

Gabriel e Ayana escolhem o colchonete para se deitar, mas usam diferentes maneiras para relaxar e dormir. Fernando e Alice relaxaram e adormeceram numa posição parecida: sentados com as pernas abertas na cintura da ADI e com a cabeça apoiada no colo da educadora. Malu demonstra que relaxou quando acomodou seu rosto no colo da ADI.

Conforme observamos no fluxo de ações interativas, as ADIs usam diferentes modos de facilitar o relaxamento das crianças e exploram distintos locais da sala. Além dos balanços no bumbum, outras áreas do corpo da criança foram acariciadas com a finalidade de provocar o relaxamento.

Em relação ao espaço e mobiliário da sala, uma ADI escolhe a cadeira de amamentar para sentar-se e utiliza diferentes maneiras de favorecer o relaxamento de Alice; outra ADI senta-se no colchonete e afaga a cabeça de Fernando de um jeito delicado, segurando e levantando, por repetidas vezes, uma pequena porção de fios do cabelo da criança e depois deslizando suas mãos suavemente por toda a extensão da cabeça do garoto. Outra ADI desloca-se pela sala, balançando-se com Malu nos seus braços.

Os dados apresentados nos dois episódios sinalizam perspectivas para o adulto profissional olhar, ouvir e conhecer as crianças do grupo pelas quais é responsável, de forma respeitosa ao que é específico de cada criança, percebendo-as e valorizando-as como plurais. Nessa perspectiva, esses profissionais, em suas práticas cotidianas, ganham possibilidades de aprender a auscultar os ritmos biológicos de cada criança e as suas cadências rítmicas e afetivas de forma a não se deixar conduzir pela voracidade de uma jornada diária que automatiza ações e homogeneíza as crianças.

Nesse sentido, é possível pensar na possibilidade dos adultos profissionais assumirem uma posição de acolhimento às especificidades das crianças nos diferentes momentos da jornada diária, delineando para a atuação docente uma postura de olhar com curiosidade para a criança.

Nessa perspectiva, emerge a postura que inspira o adulto educador a ser um investigador, um parceiro sensível, capaz de dialogar, estabelecer vínculos e transportar-se para a perspectiva da criança como forma de compreendê-la.

Refletindo sobre as implicações educacionais derivadas dessas ideias, emerge o esforço de incorporar ao pensamento pedagógico a necessidade de o adulto se aproximar da criança com urgência para aprender com suas tramas e necessidades. Assim, aprender a compreender a criança permite um conjunto de procedimentos derivados de uma

intencionalidade pedagógica marcada pela postura de escuta do educador dirigido para as singularidades infantis.

Os dados alçados dos episódios apresentados reforçam, portanto, os achados de outros estudos que tecem críticas ao modelo de educação, no qual todas as crianças devem seguir os mesmos tempos, os mesmos modos, seguindo a lógica do consenso que abafa a pluralidade e sufoca a diferença (BARBOSA, 2006; MARTINS FILHO, TRISTÃO, RECH, SCHNEIDER, 2006; MARTINS FILHO, 2005).

As situações interativas dos próximos episódios enveredam por outra vertente de argumentação, no sentido de apontar caminhos que impulsionem a configuração do ambiente pedagógico favorável ao desenvolvimento da criança. O debate a ser empreendido visa a discutir o lugar da criança a partir das relações que ela estabelece com o sistema simbólico que circunscreve o horário do almoço no berçário, focando vias de acesso a formas de agir socialmente elaboradas que as crianças apreendem em interação com seus pares e realça o papel da imitação nas relações entre criança–adultos profissionais e criança–criança e seus desdobramentos na evolução do plano mental infantil.

Nesse sentido, as situações interativas do episódio Hora de almoçar e tempo de aprender (nº 18) descortinam os elementos do primeiro item a ser debatido.

Cabe ressaltar que, no início do episódio que caracteriza o momento preparatório para o almoço, as crianças mais velhas aparecem no foco da câmera sentadas à mesa em grupos de quatro. Há intensa sonorização no ambiente, fruto das vocalizações infantis. Apesar de estar sentadas, aguardando a chegada do almoço, as crianças se remexem nas cadeiras, viram-se na direção de parceiros eleitos para trocar olhares, sorrisos e vocalizações. Várias crianças olham e apontam para o prato que está sendo entregue ao companheiro. As crianças mais novas são postas no colchonete para serem servidas pelos adultos.

Da longa sequência videogravada, que dura 20min 45seg, escolhemos sete momentos conspícuos de possibilidades para a criança apreender meios culturalmente instituídos, em parceria com adultos e coetâneos, durante o almoço.

1º Momento 01min 48seg

As crianças estão sentadas junto à mesa aguardando a ADI entregar o almoço que está sendo servido, individualmente, num paratinho acompanhado com uma colher de plástico. Alice (F/1;8) olha para o seu prato, segura a colher com uma das mãos e, com a outra, pega a comida do prato e a conduz até sua boca. A ADI olha para ela e lhe diz: “Com a mão não, Alice!”. Em seguida, aproxima-se dela, segura a colher em uma de suas mãos, mergulha-a no

prato e a conduz cheia de comida até a boca da criança. Depois solta a mão de Alice e a observa enfiar a colher no prato, recolhendo desajeitadamente o alimento e conduzindo-o até sua boca, numa sequência que se repete. A ADI afasta-se.