• Nenhum resultado encontrado

Azevedo & Melo: processo decisório e reforma tributária sob a luz do Institucionalismo Histórico e da Escolha Racional

CIÊNCIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL

3.1. O Novo Institucionalismo nas problematizações de brasileiros

3.1.4. Azevedo & Melo: processo decisório e reforma tributária sob a luz do Institucionalismo Histórico e da Escolha Racional

Em A política da reforma tributária: federalismo e mudança constitucional (1997), Sérgio de Azevedo e Marcus André Melo, trabalhando os temas da reforma, mais especificamente da reforma tributária, e do processo decisório, optam pelas explicações pautadas no paradigma neo- institucionalista, em detrimento daquelas centradas no formalismo típico do

paradigma da Escolha Racional. Dentro da insígnia do Novo

Institucionalismo, ainda, optam pelas vertentes do Institucionalismo Histórico e o Institucionalismo da Escolha Racional (HALL & TAYLOR, 2003 [1996]), para estudarem as peculiaridades do processo decisório referente às reformas tributárias, assim como o conjunto de interesses em jogo e o padrão de interação política entre esses interesses na arena dos tributos, respectivamente (AZEVEDO & MELO, 1997, p. 76).

Indícios de que os autores recorrem à abordagem institucionalista histórica podem ser observados, por exemplo, quando analisam o processo de formação da agenda da reforma tributária nos anos 90, fruto, em grande medida, de uma “desconstrução” da agenda que balizou os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte de 1987-1988 (id. ibid., p. 79). Atribuindo a fatores como a ingovernabilidade fiscal e a necessidade de reformas pró- mercado o papel de “idéias-força” na mobilização das elites políticas e democráticas em favor de iniciativas reformistas na área tributária, Azevedo e

Melo enfatizam o peso do legado histórico (path dependence) e dos momentos decisivos (critical junctures) pelos quais passou o país para a determinação de resultados políticos. Os trechos seguintes são excelentes exemplos do que se afirma:

“A s re fo rma s pró- me rc ado difundiram- se no Bra sil segundo

um timing esp ecífico, sob redeterm inado pelo processo de

r e d e m o c r a t i z a ç ã o n o p a í s ” [ s e m gr i fo no o r i g i na l ] ( i d . i b i d . , p. 79).

“O p roce sso de de sce ntra lização fisca l bra sile iro tamb ém apre sen ta u m timing específico que teve fortes rep ercussões s o b r e a f o r m a ç ã o d a a g e n d a d e r e f o r m a s . A d e s c e n t r a l i z a ç ã o f i s c a l p r e c e d e u o p r o c e s s o d e e s t a b i l i z a ç ã o e c o n ô m i c a [ s e m gr ifo no original]. Devido a essa seq üência viciosa, o s efeito s

perv e rso s do novo fed era lismo fisca l pós- Co nstitu inte (. .. ) assum ira m grand e cen tra lidad e na agenda pública ” [co m gr ifo no or iginal] ( id. ib id., p. 79) .

Quanto à abordagem do Institucionalismo da Escolha Racional, cujo enfoque recai sobre o individualismo metodológico, cálculos, interações estratégicas e a noção de custos e benefícios embutida nas instituições (King, Keohane e Verba apud AMES, 2003, p. 25), Azevedo e Melo dão prova de que a utilizam quando enfatizam os cálculos subjacentes ao jogo político em torno das propostas de reforma tributária – “cada governador analisará as propostas com a máquina de calcular na mão” (Francisco Dornelles apud AZEVEDO & MELO, 1997, p. 90). Ou, ainda, quando destacam os incentivos e a situação de dilema do prisioneiro de uma dimensão bem típica do modelo federativo brasileiro: a guerra fiscal – “efeito não antecipado do novo federalismo fiscal pós-Constituinte” (id. ibid., p. 88). Nesse sentido, escrevem:

“No ca so da gu e rra fisc al, a e strutu ra de inc en tivo s com qu e se depa ram o s gove rna dore s na disputa fede rativa e xpre ssa uma situação d e dile m a do prisio ne iro, na qual nenhu m governado r, isolada men te, tem incen tivos pa ra se ab ste r de

pratica r a renúnc ia fisc al” [ co m grifo no or iginal] (id . ib id., 1997, p. 90).

Para os autores, a modelagem da guerra fiscal como um dilema do prisioneiro deve-se à situação perversa, do ponto de vista coletivo, produzida pelos ganhos pontuais das regiões que dela se valem. Isso porque, primeiramente, a renúncia fiscal e a redução da receita pública têm efeitos negativos em quadros de crise fiscal (id. ibid., p. 88). Em segundo lugar, porque, com a guerra fiscal, a lógica coletiva do desenvolvimento econômico torna-se caudatária da lógica individual das empresas (id. ibid., p. 88). Desse modo – explicam –, a racionalidade individual dos governadores acaba por levá-los a praticarem a renúncia fiscal, com vistas a atrair empresas e empregos (id. ibid., p. 88). Uma vez praticada coletivamente, por parte dos governadores, essa renúncia deprime a receita pública agregada, deixando o país, com um todo, em uma situação inferior àquela em que se encontrava antes (id. ibid., p. 89). Azevedo e Melo, portanto, atestam que

“a gue rra fiscal (... ) p ode ser mode lada co mo um dile ma do prisioneiro, em qu e g anhos co letivo s de lon go pra zo são pre te rido s em p ro l de ganhos individua is de curto p ra zo. Como o ho rizon te temp oral do cá lcu lo político é redu zido ao cic lo e leito ral de cu rto pra zo, o re sultado é a defecção indiv idual por parte d os gov ernado res e a p erpe tuação do

status q uo ” (id . ib id., p. 89).

Uma outra demonstração de que os autores adotam, além da abordagem institucionalista histórica, também o Institucionalismo da Escolha Racional, pode ser encontrada na seção sugestivamente intitulada “A geometria das perdas: consocialismo e ação coletiva” (id. ibid., p. 89).104 Nela, trabalha-se o primeiro eixo sobre o qual está estruturado o jogo político

104Azevedo e Melo (1997) entendem consocialismo na forma proposta e já consagrada por Lijphart, ou seja, como um

sistema político voltado para a proteção de minorias e a moderar a regra majoritária (AZEVEDO & MELO, 1997, p. 78). Em

Democracies (1984), Lijphart enumera os seguintes traços definidores do consocialismo: partilha do poder entre a maioria e a minoria; dispersão do poder (entre o Executivo e o Legislativo, duas Câmaras Legislativas e diversos partidos minoritários); justa distribuição do poder (representação proporcional); delegação do poder (a grupos organizados territorialmente ou não); e limite formal do poder (mediante o veto das minorias) (apud AZEVEDO & MELO, 1997, p. 78). Os autores esclarecem que, nos casos polares citados por Lijphart – Suíça e Bélgica –, esses elementos podem ser detectados nitidamente (AZEVEDO & MELO, 1997, p. 78). Em se tratando do caso brasileiro, embora muitos desses aspectos estejam ausentes, traços importantes de consocialismo podem ser encontrados na estrutura formal do sistema político, tais como o bicameralismo equilibrado e o federalismo (id. ibid., p. 78).

em torno da proposta governamental referente à reforma tributária: o eixo de

natureza consocialista ou federativa,105 destacando-se as perdas, para regiões

e estados, advindas da proposta do Executivo (id. ibid., p. 87). Dentre essas perdas, sublinham-se aquelas decorrentes da guerra fiscal e da desoneração do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), caso este em que, dada a complexidade da situação – por razões de clivagens supra-regionais ou em qualquer outra dimensão política relevante –, a geometria política das perdas apresenta um alto grau de variação, não permitindo a formação de coalizões vencedoras (id. ibid., p. 90). Nesse ponto, aspectos característicos do Institucionalismo da Escolha Racional – como a idéia de maximização sobre o cálculo das perdas, por exemplo – não deixam de ser identificados, sobretudo quando os autores consideram que “a questão do efeito da multidimensionalidade sobre a formação de coalizões é um ponto extremamente conhecido na literatura ancorada na escolha racional” (id.

ibid., p. 90).

3.1.5. Soares & Lourenço: democracia e representação política sob a luz