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Pontos fortes e fraquezas teóricas da Teoria da Escolha Racional Segundo Tsebelis (1998), o enfoque da Escolha Racional

1. OS PARADIGMAS DA CIÊNCIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA: A ESCOLHA RACIONAL E O NOVO INSTITUCIONALISMO

1.1. O paradigma da racionalidade: a Teoria da Escolha Racional

1.1.2. Pontos fortes e fraquezas teóricas da Teoria da Escolha Racional Segundo Tsebelis (1998), o enfoque da Escolha Racional

apresenta quatro vantagens principais sobre seus concorrentes: clareza e parcimônia teóricas; análise de equilíbrio; uso extensivo do raciocínio dedutivo; e intercambialidade entre os indivíduos (TSEBELIS, 1998, p. 51).

A clareza e parcimônia teóricas reside no fato de que as explicações são colocadas em termos institucionais, contrapostas a termos de psicologia ou do processo cognitivo. Os resultados são expostos mais como escolhas deliberadas do que como erros, o que, conseqüentemente, elimina explicações ad hoc. Assim, esse enfoque presta-se a testes empíricos mais estritos do que a maioria dos outros enfoques teóricos (id. ibid., p. 51).

A análise de equilíbrio é considerada outro ponto forte da Teoria da Escolha Racional. O comportamento em equilíbrio, conseqüência direta do pressuposto da racionalidade, significa que os atores envolvidos em um curso de ação não têm quaisquer incentivos para desviarem-se desse rumo. Os argumentos de equilíbrio são empregados para descobrir o comportamento ótimo dos atores; para responder a questões condicionais e conduzir a previsões estáveis empiricamente, e, ainda, para eliminar explicações alternativas (id. ibid., p. 52).

O uso extensivo do raciocínio dedutivo também representa outra força das explicações centradas no paradigma da racionalidade porque os argumentos em uma análise desse tipo são formais, isto é, são construídos com as regras da matemática e da lógica. A vantagem desse processo é que os

38 Rua e Bernardes (1998, pp. 329-331) e Fiani (2004, pp. 71-75) explicam de modo bastante acessível cada um desses jogos.

39 Breves comentários sobre a teoria dos jogos foram feitos na seção 1.1.1.2.2. A quem interessar um estudo mais aprofundado sobre essa teoria e seus desdobramentos, recomendam-se, dentre outros possíveis, os trabalhos de Gibbons (1992), Morrow (1994) e Osborne (2001).

argumentos formais, desde que corretos, preservam a verdade (id. ibid., p. 53).

Por fim, a intercambialidade de indivíduos é considerada por Tsebelis (1998) mais um ponto positivo da abordagem da Escolha Racional porque os atores carecem de qualquer outra característica, visto a racionalidade ser seu único pressuposto. Eles são, portanto, intercambiáveis (id. ibid., p. 54).

Os críticos da Teoria da Escolha Racional, porém, costumam apontar uma série de deficiências inerentes à abordagem da racionalidade. Embora uma discussão minuciosa de cada uma delas escape aos objetivos deste trabalho, nada impede que se apresentem pelo menos algumas de suas

principais limitações.40

À pergunta se nós podemos aplicar a Teoria da Escolha Racional a todas as situações de pesquisa e a todos os problemas, Boudon (1998) responde incisivamente: não (BOUDON, 1998, p. 818). E justifica sua resposta:

“A Teoria da Escolha R acional p re sum e que a ação indiv idual é instrum ental [co m gr ifo no origina l], ou se ja, te m de se r explicada e m te rmo s d a vontade do s a to re s de alcan çarem certo s obje tivo s. O co rre que a ação po de se r não- instrumen tal, como g rande pa rte do s so ciólogo s tem reconh ec ido. Schütz, atravé s de sua distinção entre mo tivo

Weil e Wozu, e Web er, a través d e sua distinção entre

rac ionalidade in stru me ntal e ax iológ ica, têm dado ênfase ao fato de que a ação nem se mpre é instrumenta l. Se a instrumen talidade da ação rea lmen te é lim itada, então a Teo ria da E sco lha Rac ional não pode rec lam ar para si o sta tu s de teo ria ge ral d a ação” [T radução livre] (id. ib id., p. 818).41

40 Críticas mais detalhadas à abordagem da Escolha Racional podem ser encontradas, por exemplo, em Baert (1997) e Boudon (1998).

41

No original: “Rational Choice Theory assumes that individual action is instrumental [com grifo no original],

namely that it has to be explained by the actor’s will to reach certain goals. Now, action can be noinstrumental, as most sociologists have recognized. Schütz, through his distinction between Weil and Wozu motive, and

Weber, through his distinction between instrumental and axiological rationality, have stressed that action is not always instrumental. If the instrumentality of action is indeed limited, then Rational Choice Theory cannot claim to be a general theory of action” (BOUDON, 1998, p. 818).

A objeção ao caráter instrumental dos enfoques racionais e à sua conseqüente impossibilidade de assumir o status de teoria geral da ação não é recente. Em contraposição a essa crítica, porém, os defensores de explicações centradas na Escolha Racional oferecem duas alternativas capazes, segundo

eles, de assegurar a generalidade da teoria.42

A primeira delas busca promover a generalidade da Teoria da Escolha Racional por meio da suposição de que ações que parecem ser não- instrumentais são, na verdade, instrumentais em um nível mais profundo (at a deeper level). A segunda alternativa tenta salvaguardar a generalidade da teoria através da concepção de que as causas do comportamento não podem ser conhecidas. De acordo com esta visão, um grupo de suposições sobre as causas do comportamento é tão bom quanto qualquer outro, podendo legitimamente supor-se que o auto-interesse explica qualquer comportamento (id. ibid., p. 818). Boudon (1998), entretanto, identifica em ambas alternativas pontos problemáticos, concluindo que

“Como u m todo, n en huma das estratégia s corren te mente utilizada s para to rnar ações não -in stru mentais em açõ e s instrumen tais parece muito convinc ente. Ca da uma delas levan ta ma is que stiona mento s do que re spo stas. E m ou tra s palav ras, açõe s não-in stru men tais não podem facilmen te ser conve rtidas e m açõe s instrum enta is. Conse qüente mente, a Teo ria da E sco lha Rac ional não pode su stenta r-se co mo uma teo ria g era l” [T radução livr e] (id . ib id., p. 820) .43

42 Tsebelis (1998) admite que o enfoque da Escolha Racional não seja o único possível em política (TSEBELIS, 1998, p. 33), classificando os enfoques alternativos em duas amplas categorias de teorias que não assumem qualquer correspondência entre meios e fins: teorias sem atores e teorias com atores não-racionais. Teorias sem

atores explicam os fenômenos sociais fazendo referência ao sistema como um todo. Embora a existência de atores racionais não seja negada, eles não são tratados como unidades de análise. São exemplos desse tipo de teoria as análises sistêmicas, o estruturalismo e as teorias da modernização (id. ibid., p. 34). Teorias com atores

não-racionais supõem que os atores não são maximizadores, visto haver uma ruptura na relação entre meios e fins na definição de racionalidade. São exemplos desse tipo de enfoque a psicanálise, a psicologia social e o behaviorismo (RUA & BERNARDES, 1998, p. 324; TSEBELIS, 1998, p. 33).

43No original: “On the whole, none of the strategies currently used to make noinstrumental actions instrumental

appears very convincing. Each raises more questions than it answers. In other words, noinstrumental actions cannot easily be converted into instrumental actions. Consequently, Rational Choice Theory cannot be held as general” (BOUDON, 1998, p. 820).

A abordagem da Escolha Racional constitui alvo de muitas outras objeções, grande parte das quais fruto de um entendimento equivocado do que de fato seja a teoria (RUA & BERNARDES, 1998, p. 332).

Dentre as críticas mais freqüentes, costuma destacar-se que os indivíduos nem sempre agem de modo a alcançar um benefício. A isso os teóricos da Escolha Racional respondem com o argumento de que a teoria admite que os indivíduos cometem erros (id. ibid., p. 332).

Também se argumenta que os pressupostos do comportamento racional implicam considerável esforço para manter e assimilar a informação, fato que impede que os indivíduos assimilem a informação necessária para fazerem escolhas racionais. Os defensores da abordagem da racionalidade contra-argumentam: pessoas podem cometer enganos, mas a Teoria da Escolha Racional não supõe informação perfeita. As pessoas fazem escolhas racionais com base nas informações que possuem e podem racionalmente obtê-las em um dado contexto de escolha (id. ibid., p. 332).

Contesta-se, ainda, que a teoria supõe indivíduos voltados para seus interesses particulares. Seus adeptos, porém, respondem que a Teoria da Escolha Racional não nega que existam objetivos altruístas – apenas sustenta que esses objetivos são racionalmente perseguidos (id. ibid., p. 332).

Os críticos da Escolha Racional também argumentam que os indivíduos não são necessariamente maximizadores – ao que seus defensores rebatem, afirmando que os valores do ator, e não os do observador, é que explicam a racionalidade do ato (id. ibid., p. 332).

Por fim, também é corrente a argumentação de que as pessoas estão sujeitas a comportamentos habituais ou impulsivos, guiados por fatores de ordem psicológica, não podendo, assim, serem consideradas racionais. Aqueles que adotam explicações focadas na Escolha Racional, contudo, afirmam que a teoria define comportamento irracional como aquele que não conduz ao melhor interesse da pessoa – e esta pessoa sabe disso no momento da ação. A teoria não pretende explicar todos os motivos da ação (id. ibid., p. 332).

A Teoria da Escolha Racional não impõe que a racionalidade seja o modelo, por excelência, de comportamento, mas apenas que seja um modelo adequado a situações nas quais a identidade e os objetivos dos atores estão

estabelecidos e as regras de interação são precisas e conhecidas dos agentes. Daí porque afirmar-se que não se trata de uma racionalidade “desencarnada”, que reflete o indivíduo racional como um “átomo egoísta e isolado” (id.

ibid., pp. 332 e 333).

Pelo contrário, a racionalidade prescrita pela Escolha Racional lida com agentes que se encontram em contextos históricos, institucionais e sociais que impõem restrições às quais os indivíduos têm de adaptar-se otimamente, a fim de satisfazerem seus objetivos. O ambiente institucional, pois, à medida que estabelece as regras do jogo, determina o comportamento dos atores, de forma a produzirem resultados políticos e sociais (id. ibid., p. 333; TSEBELIS, 1998, p. 51).

A ênfase sobre o contexto institucional constitui o âmago da abordagem institucionalista, conforme passa-se a demonstrar.