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1. OS PARADIGMAS DA CIÊNCIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA: A ESCOLHA RACIONAL E O NOVO INSTITUCIONALISMO

1.2. O paradigma institucional: o Novo Institucionalismo

1.2.1. O Institucionalismo da Escolha Racional

No âmbito da Ciência Política, o Institucionalismo da Escolha Racional surgiu no contexto do estudo de comportamento no interior do Congresso dos Estados Unidos, inspirando-se na observação de um paradoxo intrigante: se os postulados clássicos da Teoria da Escolha Racional são exatos, deveria ser difícil reunir maiorias estáveis para votar leis no Congresso norte-americano. As decisões do Congresso, porém, são de notável

estabilidade.49 No final dos anos 70, os teóricos da Escolha Racional

começaram a se interrogar como essa anomalia poderia ser explicada. Shepsle sugeriu demonstrar a existência do equilíbrio a partir das instituições, o chamado structure induced equilibrium, ou a partir das preferências, o chamado preference induced equilibrium (apud LIMONGI, 1994, p. 7). Os novos institucionalistas da Escolha Racional ficaram com a primeira alternativa (LIMONGI, 1994, p. 7; HALL & TAYLOR, 2003 [1996], p. 202).

Segundo a terminologia de Geddes, o Institucionalismo da Escolha Racional é orientado por quatro princípios básicos. O primeiro deles é o individualismo metodológico e o segundo, o princípio de que os atores, seus objetivos e preferências são identificados explicitamente (Geddes apud AMES, 2003, p. 25). O terceiro diz que as instituições e outras características contextuais que determinam as opções dos atores também são explicitamente

49 Limongi (1994) explica de modo bastante didático os teoremas da Impossibilidade, de Kenneth Arrow, e o do Caos (ou Teorema do Tudo é Possível), de Richard McKelvey, de acordo com cujos resultados as escolhas feitas pela sociedade em esferas não-econômicas apresentam uma série de características negativas, sendo uma delas o fato de decisões por maiorias serem inerentemente instáveis (LIMONGI, 1994, pp. 5-8).

identificadas, em conjunto com seus custos e benefícios (id. ibid., p. 25). Por fim, o quarto princípio estabelece que as hipóteses se originam de uma lógica dedutiva, ou seja, as teorias submetidas a teste são causais, refutáveis e internamente coerentes (id. ibid., p. 25).

Os institucionalistas da Escolha Racional enfatizam as restrições e os incentivos de curto prazo que as estruturas da política impõem aos atores. Sugerem, ainda, sem negar a relevância dos valores, que as preferências estratégicas são determinadas pelas regras formais da própria política, sustentando que o comportamento muda, quaisquer que sejam as atitudes culturais subjacentes, quando mudam as regras do jogo – as instituições (AMES, 2003, p. 25).

Lançando mão da abordagem calculista, os teóricos do Institucionalismo da Escolha Racional enfatizam o papel da interação estratégica na determinação dos resultados políticos, o que representa um progresso considerável em relação às abordagens tradicionais, que explicam os resultados políticos como resultantes da aplicação de forças que variáveis estruturais (por exemplo, o nível de desenvolvimento sócio-econômico) supostamente exercem sobre o comportamento individual. Em oposição a isso, os teóricos do Institucionalismo da Escolha Racional reservam um espaço muito maior à intencionalidade humana na determinação dos resultados políticos, sob a forma do cálculo estratégico, sem, contudo, deixarem de fora as variáveis estruturais, sob a forma das instituições (HALL e TAYLOR, 2003 [1996], p. 214). Nomes como Adam Przeworski, Barbara Geddes, Barry Weingast, Douglass North, Gary Cox, John Ferejohn, Kenneth Shepsle e Mathew McCubbins são freqüentemente citados na literatura sobre esta vertente do Novo Institucionalismo.

1.2.1.1. Características do Institucionalismo da Escolha Racional

De acordo com Hall e Taylor (2003 [1996]), quatro características em comum marcam as análises centradas no Institucionalismo da Escolha Racional.

A primeira delas refere-se ao emprego, por parte dos teóricos dessa abordagem, de uma série de pressupostos comportamentais. De modo

geral, postulam que os atores compartilham um conjunto determinado de preferências (geralmente adaptando-se a condições muito precisas, como o princípio da transitividade) e se comportam de modo inteiramente utilitário, o que pressupõe um número significativo de cálculos estratégicos (HALL & TAYLOR, 2003 [1996], p. 205).

A segunda característica está no fato de o Institucionalismo da Escolha Racional considerar a vida política como uma série de dilemas de ação coletiva (ou seja, os indivíduos agem de modo a maximizarem suas preferências, mesmo que isso produza um resultado subótimo para a coletividade). Tais dilemas ocorrem porque a ausência de instituições impede cada ator de adotar uma linha de ação que seja preferível no plano coletivo (id. ibid., p. 205).

O terceiro ponto que merece ser destacado é a ênfase no papel da interação estratégica na determinação dos resultados políticos. Segundo os teóricos do Institucionalismo da Escolha Racional, o comportamento de um ator é determinado por um cálculo estratégico, e não por forças históricas impessoais; e, ainda, esse cálculo é fortemente influenciado pelas expectativas do ator em relação ao comportamento provável dos outros atores. As instituições estruturam essa interação ao influenciarem a extensão e a seqüência de alternativas na agenda de escolha, ou ao oferecerem informações e mecanismos de adoção que reduzem a incerteza quanto ao comportamento dos outros, ao mesmo tempo em que propiciam aos atores “ganhos de troca” (gains from trade), o que os levará a certos cálculos ou ações precisas. Trata- se de uma abordagem calculista clássica para explicar como as instituições influenciam a ação individual (id. ibid., pp. 205-206).

Finalmente, para os teóricos dessa vertente, a origem das instituições se dá de modo peculiar. Segundo eles, os atores criam a instituição de forma a realizar o valor assumido pelas funções desempenhadas por uma instituição, o que é conceituado como um ganho obtido pela cooperação. Assim, o processo de criação de instituições é centrado na noção de acordos voluntários entre os atores interessados. Se a instituição está sujeita a um processo de seleção competitiva, ela permanece, principalmente porque oferece mais benefícios aos atores interessados do que o fazem as formas institucionais concorrentes. Portanto, a forma de organização da

empresa se explica pelo modo como ela minimiza os custos de transação (transaction costs), de produção e de influências (id. ibid., p. 206).

1.2.1.2. Pontos fortes e fraquezas teóricas do Institucionalismo da Escolha Racional

No tocante ao primeiro problema de que se ocupa o Novo Institucionalismo, como as instituições influenciam o comportamento, o Institucionalismo da Escolha Racional apresenta três pontos que revelam a força de sua teoria. O primeiro deles está no fato de seus teóricos haverem desenvolvido uma concepção mais precisa das relações entre instituições e comportamento. O segundo ponto consiste em que, sendo o comportamento

instrumental um componente-chave da política, a abordagem do

Institucionalismo da Escolha Racional muito contribuiu para sua análise, principalmente ao destacar os aspectos fundamentais da vida política que são freqüentemente subestimados pelos outros enfoques, e ao oferecer as ferramentas analíticas correspondentes. Os teóricos dessa abordagem enfatizam que a ação política envolve a administração da incerteza, que por longo tempo permaneceu como um dos aspectos mais fundamentais e mais negligenciados da realidade política. Por fim, a força das explicações do Institucionalismo da Escolha Racional encontra-se também no fato de seus teóricos demonstrarem a importância dos fluxos de informação tanto para as relações de poder como para os resultados políticos (HALL & TAYLOR, 2003 [1996], pp. 213 e 214).

As limitações do enfoque do Institucionalismo da Escolha Racional, por sua vez, também concentram-se em três pontos, sendo o primeiro deles o fato de a concepção das relações entre instituições e comportamento, embora mais precisa, repousar sobre uma imagem relativamente simplista das motivações humanas. Em seguida, também enfraquece as explicações dos institucionalistas da Escolha Racional o fato de a utilidade de seu enfoque ser limitada pela necessidade de especificar as preferências ou os objetivos subjacentes dos atores de modo exógeno à análise, especialmente em situações empíricas nas quais essas preferências são multifacetadas, ambíguas ou difíceis de se identificar ex ante. Finalmente,

a ênfase no papel da interação estratégica na determinação dos resultados políticos conceitua a intencionalidade a partir de uma teoria relativamente ligeira da racionalidade humana, o que também contribui para limitar o poder explicativo dessa abordagem (id. ibid., pp. 213 e 214).

Em se tratando do segundo problema central às análises institucionais, como se dão a origem e a mudança das instituições, Hall e Taylor (2003 [1996]) afirmam que, quanto à origem das instituições, as explicações elaboradas pelo Institucionalismo da Escolha Racional interessaram-se, sobretudo, pelas funções que as instituições cumprem e pelas vantagens que propiciam. Segundo os autores, essa abordagem é extremamente potente, quando se trata de explicar a permanência das instituições, considerando-se que essa permanência depende, invariavelmente, das vantagens que a instituição pode oferecer. Todavia, cinco fraquezas teóricas reduzem de modo considerável sua capacidade de explicar a origem das instituições (HALL & TAYLOR, 2003 [1996], p. 215).

A primeira fraqueza teórica deve-se ao fato de o

Institucionalismo da Escolha Racional ser uma abordagem freqüentemente retrospectiva, ou seja, a origem de uma instituição é explicada, em larga medida, pelos efeitos de sua existência. Ainda que esses efeitos contribuam para a permanência da instituição, não se deve confundir a explicação dessa permanência com a explicação da origem da instituição. Pelo fato de o mundo social oferecer numerosos exemplos de conseqüências não-intencionais, vir das conseqüências às origens é um caminho perigoso (id. ibid., p. 215).

A segunda fraqueza está no fato de o Institucionalismo da Escolha Racional ser uma abordagem excessivamente funcionalista, visto postular que as instituições existentes são as mais eficientes. Numerosos exemplos de ineficiência apresentados por muitas instituições, contudo, ficam sem explicação (id. ibid., p. 215).

A terceira limitação refere-se ao exagero do Institucionalismo da Escolha Racional na eficiência real de algumas instituições, à medida que postula que o processo de criação de uma instituição é fortemente intencional. Para seus teóricos, esse processo é realizado pelos atores, que têm uma percepção correta dos efeitos das instituições que criam, e que as criam justamente com o objetivo preciso de obter esses efeitos. Em certos casos,

essas análises imputam intenções excessivamente simples aos atores históricos, que, vistos mais de perto, parecem agir conforme um conjunto de motivações muito mais complexo (id. ibid., pp. 215 e 216).

A quarta deficiência diz respeito ao fato de as análises dos institucionalistas da Escolha Racional com freqüência serem altamente voluntaristas, ou seja, tendem a apresentar a criação das instituições como um processo quase contratual, caracterizado por um acordo voluntário entre atores relativamente iguais e independentes, à semelhança do que se poderia encontrar no “estado de natureza”. Essa descrição não considera o fato de que a assimetria das relações de poder confere muito mais influência a certos atores do que a outros, no processo de criação das instituições (id. ibid., p. 216).

Por fim, o postulado do equilíbrio do Institucionalismo da Escolha Racional leva seus teóricos a uma contradição: sendo o equilíbrio de Nash um dos componentes inerentes a esse enfoque, os atores não deveriam pôr-se de acordo para mudar as instituições existentes. Paradoxalmente, as instituições são estáveis mediante a invocação da incerteza que cerca a mudança institucional. Isso torna ainda mais difícil compreender por que ocorrem mudanças institucionais, fato que leva esse enfoque a necessitar, no mínimo, de uma teoria dos equilíbrios dinâmicos mais robusta (id. ibid., p. 216).

As cinco limitações acima sugerem que as explicações focadas no Institucionalismo da Escolha Racional, embora possam contribuir para explicar por que as instituições continuam a existir, não explicam com êxito sua origem, salvo em contextos limitados (id. ibid., p. 217).