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3 A HISTÓRIA DA TRADUÇÃO DA BÍBLIA NO

3.2 SÉCULOS XX E XXI: AS TRADUÇÕES

3.2.12 A Bíblia na Linguagem de Hoje

De acordo com Giraldi (2008, p. 154), esta é a segunda tradução completa da Bíblia patrocinada por protestantes surgida em território nacional e traduzida a partir das línguas originais (lembrando que a primeira foi a Tradução Brasileira – cf. seção 3.2.1). O NT foi publicado em 1973, e a Bíblia completa, em 1988, sob o título de Bíblia na Linguagem de Hoje. Uma edição revisada apareceu em 2000, com o nome de Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Em 2005, é lançada uma coedição com pretensões ecumênicas, produzida em parceria da Sociedade Bíblica do Brasil (entidade de confissão protestante) com as Edições Paulinas (editora católica). A principal novidade desta coedição é quanto ao cânon, pois ela inclui os acréscimos que não constam nas Bíblias protestantes (cf. introdução), acréscimos esses que foram classificados como apócrifos18pelo Protestantismo, ao passo que os católicos os chamam de deuterocanônicos19 (segundo cânon), para diferenciá-los dos protocanônicos (primeiro cânon), fixados pelo Judaísmo tradicional.

Sobre o que motivou este projeto tradutório, o prefácio da edição de 2000 (p. v) registra o seguinte:

isso ocorreu em resposta a uma recomendação das igrejas, após ampla consulta junto a elas. A consulta junto às igrejas havia demonstrado um reconhecimento generalizado de que se fazia necessária uma tradução bíblica apropriada ao desafio evangelístico que a realidade espiritual

18 Em linhas gerais, o termo “apócrifo” é comumente empregado pela Teologia para designar

determinados textos surgidos no meio religioso judaico-cristão com pretensões de possuírem valor normativo em questões de dogmática, mas que, por não conseguirem firmar esse status, passaram a ser deixados de lado.

19 Esses acréscimos que, lembrando, não constam no cânon hebraico, foram tomados da

Septuaginta, e são os seguintes, na ordem em que aparecem nas Bíblias católicas: Tobias; Judite; I e II Macabeus; Sabedoria; Eclesiástico; Baruc; e ampliações nos livros de Ester e Daniel (cf. seção 2.1).

brasileira impunha. Tendo como objetivo principal a evangelização do povo brasileiro, esta tradução deveria ser adequada ao nível educacional médio da população. Por isso, após anos de dedicado trabalho de especialistas nas línguas originais e na língua portuguesa, produziu-se uma tradução com linguagem de fácil compreensão.

No que diz respeito às fontes, o prefácio não traz mais esclarecimentos. Mas certamente uma delas foi o Texto Crítico (cf. seção 1.4.3), tendo em vista que o leitor é informado (p. vi) que, “no Novo Testamento, algumas passagens que não se encontram em alguns dos melhores e mais antigos manuscritos gregos mesmo assim aparecem [...] traduzidas entre colchetes”. Quanto às diretrizes que nortearam a tradução, optou-se pelo princípio da chamada equivalência dinâmica. Inclusive, quando explica o porquê da escolha por esse princípio, o prefácio (p. v) faz um paralelo com aquele seguido por João Ferreira de Almeida, a chamada equivalência formal. Vejamos:

ao reproduzir o sentido dos textos originais, Almeida também procura reproduzir a forma dos textos originais, que muitas vezes é diferente do português simples e natural e, assim, requer um domínio da língua portuguesa que está acima da média da população brasileira. Esta tradução, por sua vez, ao reproduzir também e efetivamente o sentido dos textos originais hebraico, aramaico e grego, expressa esse sentido de maneira simples e natural, assim como a maioria da população brasileira fala.

Aliás, não poderíamos deixar de mencionar que as chamadas equivalência formal e equivalência dinâmica fazem parte de uma teoria proposta no início dos anos 1960 pelo linguista estadunidense Eugene Albert Nida. Baseada no princípio de que há uma suposta equivalência entre o texto fonte e o texto alvo, essa teoria é bem conhecida hoje em dia nos Estudos da Tradução, principalmente no que diz respeito à tradução da Bíblia. Esses dois conceitos de equivalência cunhados por Nida, em tese, são expressos em termos de dois polos opostos: o primeiro se aproximaria da forma do texto fonte, e o segundo, já se afastaria dela. Assim, ao se deparar com a frase de Romanos 16:16, que,

traduzida literalmente do grego, conforme Gomes e Olivetti (p. 631), diz saudai uns aos outros com ósculo santo, Nida (1964, p. 159) postula que há duas maneiras de traduzi-la: greet one another with a holy kiss (cumprimentem-se uns aos outros com um ósculo santo) e give one another a hearty handshake all around (algo semelhante a “cumprimentem-se uns aos outros com um caloroso aperto de mão”).

A primeira alternativa seria a equivalência formal, uma vez que procura se aproximar da forma da língua grega. A segunda opção seria a equivalência dinâmica, visto que, na visão de Nida, apesar de se afastar da forma do texto fonte, ativaria uma função cultural similar na língua de chegada no que diz respeito ao costume de saudação. Deste modo, quando o ósculo santo passa a ser um caloroso aperto de mão, as duas expressões seriam equivalentes porque teriam aproximadamente o mesmo valor cultural, aproximadamente porque, conforme lembra Pym (2011, p. 14), ainda permanece a legítima suspeita de que a equivalência na atividade tradutória nunca foi uma questão de valores exatos. A propósito, o linguista Umberto Eco (2007) bem explicitou essa faceta ao afirmar que traduzir não é “dizer a mesma coisa em outra língua, mas dizer quase a mesma coisa”.

É válido mencionarmos que, nas suas duas principais obras publicadas sobre teoria e prática tradutória (Toward a Science of Translating – 1964 – e The Theory and Practice of Translation – 1969), nota-se a predileção de Nida pela chamada equivalência dinâmica, que, inclusive, ele defende ser o princípio que garante uma boa tradução da Bíblia, no sentido de tornar a mensagem dessa obra mais clara e acessível em outro universo sociocultural. Mas ressalte-se que muitos podem considerar esse princípio tradutório uma negligência deliberada até mesmo inadequada quanto à forma do texto de partida, devido ao fato de haver momentos em que a equivalência dinâmica implica uma inevitável sobreposição a determinadas especificidades literárias e culturais do texto bíblico, que por vezes é essencial serem mantidas na língua de chegada, pois há passagens em que a forma é parte integrante da mensagem, como no caso do ósculo santo de Romanos 16:16.

Enfim, apesar de ser válida e legítima a justificativa apresentada pelos idealizadores da Bíblia na Linguagem de Hoje para produzirem uma tradução que buscasse um nível de linguagem acessível ao povo em geral, é válido mencionar que há especialistas que têm observado que os projetos de tradução da Bíblia com essa característica, ao primarem por uma excessiva utilização de linguagem popular, podem estar oferecendo ao público mais uma paráfrase interpretativa por vezes conduzida por convicções ideológico-doutrinárias do que uma tradução propriamente

dita. Se assumirmos que essa observação procede, então convém admitir que um projeto tradutório dessa natureza pode não só comprometer o sentido do original, mas também privar o leitor de interpretar o texto por si só. No entanto, queremos deixar claro que não temos o intuito de, com essa observação, desmerecer as traduções em linguagem popular, pois as tais demonstram que nasceram com um objetivo pastoral específico que não deixa de ter os seus méritos, a saber, disponibilizar a mensagem da Bíblia em um nível de linguagem acessível ao público que tem dificuldades com o estilo erudito das versões clássicas. Agora se as traduções calcadas nesse princípio podem afetar o sentido do original em alguns momentos, isso é tema para um trabalho à parte.