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3 A HISTÓRIA DA TRADUÇÃO DA BÍBLIA NO

5.2 O NOME DA DIVINDADE JUDAICO-CRISTÃ

TB (p. 570) Para que saibam que só tu, cujo nome é Jeová, és o Altíssimo sobre toda a terra.

TEAV (p. 723) E que reconheçam que só vós, cujo nome é Senhor, sois o Altíssimo sobre toda a terra.

TNMES (p. 736)

Para que as pessoas saibam que tu, cujo nome é Jeová, somente tu és o Altíssimo sobre toda a terra.

TEB (p. 1097) Que saibam que levas o nome de SENHOR, só tu, o Altíssimo sobre a terra inteira.

BH (p. 652)

Saberão, então, que Tu, cujo Nome é Eterno, és único, e que Tu, ó Altíssimo, és o Soberano de toda a terra.

TBH (p. 402) Para que saibam que tu, a quem só pertence o nome de YHWH, és o Altíssimo sobre toda a terra.

Essa passagem é apenas uma das inúmeras que registram o nome em hebraico do deus de Israel, que, apesar de parecer ser o mais sagrado de todos os nomes divinos que encontramos na Bíblia, é o mais comumente empregado, sendo que Mettinger (2008, p. 37) informa que ele aparece mais de 6800 vezes no chamado AT. As partes sublinhadas do quadro acima nos mostram que o nome divino foi representado de quatro maneiras diferentes pelo nosso corpus: Jeová, Senhor, Eterno e YHWH. Diante dessa diversidade, é inevitável que se questione o que está por trás dessas formas de representação. Conforme procuraremos expor, a escolha do nome que vai designar a Divindade em determinada tradução da Bíblia quase sempre é guiada por questões doutrinárias.

No texto original hebraico do AT, a palavra genérica mais comumente utilizada para designar a divindade judaico-cristã é Elohim, cuja tradução consagrada é Deus. Em Êxodo 3:13-15, a Bíblia registra que essa divindade tem um nome próprio, o qual teria sido revelado ao patriarca Moisés por meio de uma sarça em chamas, sendo que a própria narrativa sugere que o significado desse nome é Eu Sou. Vejamos, na tradução da Bíblia de Jerusalém (2002, p. 106):

Moisés disse a Deus: “Quando eu for aos filhos de Israel e disser: ‘O Deus de vossos pais me enviou até vós’; e me perguntarem: ‘Qual é o seu nome?’, que direi?” Disse Deus a Moisés: “Eu sou aquele que é.” Disse mais: “Assim dirás aos filhos de Israel: ‘EU SOU me enviou até vós.’” Disse Deus ainda a Moisés: “Assim dirás aos filhos de Israel: ‘Iahweh, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó me enviou até vós. Este é o meu nome para sempre, e esta será a minha lembrança de geração em geração’.

Atualmente, o nome da Divindade costuma ser mencionado como tetragrama, visto ser constituído de quatro consoantes hebraicas, assim transliteradas: YHWH. Porém, a pronúncia correta do tetragrama se perdeu no tempo, quando, segundo Gabel e Wheeler (2003, p. 242), em algum momento durante ou após o término do exílio38, houve uma reforma na antiga fé judaica, ocasião em que os judeus teriam passado a observar com mais afinco os preceitos alegadamente divinos deixados por Moisés. Uma das mudanças, provavelmente baseada no

38 Conforme a Bíblia de Estudo Nova Versão Internacional (2003, p. xiii), o término do exílio

ocorreu paulatinamente: em 538 a.C., o primeiro grupo retorna à terra de Israel; em 458 a.C., regressa o segundo; e, em 432 a.C., foi a vez do terceiro e último grupo.

mandamento prescrito em Êxodo 20:739, foi que o nome da Divindade passou a ser considerado santo demais para ser manchado pelos impuros lábios humanos. Assim, as autoridades religiosas do Judaísmo teriam adotado a seguinte estratégia: qualquer referência ao nome pessoal do deus de Israel dali em diante deveria ser feita com o título hebraico Adonai, que significa Senhor. Tal regra se fixou e permanece até hoje dentro das linhas do Judaísmo.

Quando as primeiras traduções da Bíblia começaram a ser feitas, parece que a solução adotada para marcar o caráter impronunciável do nome hebraico de Deus foi substituí-lo no texto alvo por um título equivalente a Adonai. De acordo com a TNMES (1986, p. 1501), tal estratégia foi aplicada já na Vulgata (cf. seção 2.8), que substituiu o tetragrama pelo termo latino Dominus, bem como as cópias posteriores da Septuaginta (cf. seção 2.1), nas quais se passou a usar o título grego Kyrios nas ocorrências de YHWH.

Provavelmente devido à autoridade canônica alcançada pela Septuaginta e pela Vulgata, a grande maioria das traduções da Bíblia posteriores a elas acabou adotando a mesma estratégia: substituir o tetragrama por um título equivalente a Adonai na língua alvo. E esse costume foi perpetuado de tal maneira que podemos encontrá-lo até hoje em dia, em uma boa parcela das traduções bíblicas disponíveis no mercado. Foi o que aconteceu, por exemplo, com duas das versões do nosso corpus (TEAV e TEB), com a diferença de que esta última optou por grafar o termo Senhor todo em maiúsculas, talvez como forma de aludir ao caráter impronunciável do nome de Deus. Com relação à BH, seus tradutores optaram por substituir o tetragrama pelo título Eterno, que nada mais é do que uma das maneiras mais comuns de se referir a Deus dentro de algumas linhas do Judaísmo. Quanto à TBH, nota-se que seus tradutores optaram por manter o tetragrama no texto de chegada. Trata-se de uma estratégia que, apesar de pouco comum, de certa forma preservou na tradução o caráter impronunciável do nome divino.

Agora quanto à forma Jeová, usada pela TB e pela TNMES, os estudiosos estão de acordo de que se trata de uma pronúncia equivocada de YHWH. A origem de tal pronúncia, conforme Gabel e Wheeler (2003, p. 243), remonta à Idade Média, período em que os rabinos estavam procedendo a vocalização do texto hebraico do AT, ou seja, inserindo os sinais gráficos que iriam representar os sons vocálicos das

39 Na tradução da Bíblia de Jerusalém (2002, p. 130): “Não pronunciarás em vão o nome de

Iahweh teu Deus, porque Iahweh não deixará impune aquele que pronunciar em vão o seu nome”.

palavras, a fim de evitar que a pronúncia do texto se perdesse, pois o alfabeto hebraico primitivo era constituído apenas de consoantes. Por causa da regra de pronunciar Adonai no lugar do nome de Deus, estabelecida há muitos séculos antes, é possível que a pronúncia exata do tetragrama já não fosse mais conhecida na época da vocalização do texto do AT, trabalho que, segundo Mettinger (2008, p. 39), levou cerca de 500 anos para ser concluído (do século VI d.C. ao X d.C.).

Dessa forma, o artifício que os rabinos adotaram para preservar o caráter impronunciável do nome divino foi usar em todas as ocorrências de YHWH os mesmos sinais gráficos que adotaram para ler as vogais da palavra Adonai. Mas, de acordo com Manley (2006, p. 335), no início do século XII, desconhecedores dessa estratégia começaram a tomar a forma YHWH acrescida dos sinais vocálicos de Adonai como sendo a pronúncia do nome de Deus. Essa combinação acabou gerando um nome que em português foi inicialmente grafado como JEHOVAH, sendo depois simplificado para JEOVÁ. Tal nome passou a ser de uso corrente entre muitos grupos cristãos protestantes, tendo sido aceito entre eles como sendo o nome pessoal de Deus, chegando, inclusive, a ser utilizado em traduções da Bíblia que surgiram daí para a frente, como aconteceu com a TB e a TNMES, lembrando que a primeira é uma tradução de orientação protestante.

Agora no que diz respeito à TNMES, foi possível identificarmos motivos ideológico-doutrinários mais explícitos quanto à utilização do termo Jeová pelos tradutores. Aliás, mencione-se que isso aconteceu não só no Salmo 83:18 dessa versão, mas também nas demais ocorrências do tetragrama. A propósito, uma das doutrinas das TJs é justamente a vindicação do nome de Deus, algo que fica evidente já no nome que eles adotaram para o seu grupo religioso. A respeito do nome divino, consta o seguinte no paratexto da TNMES (1986, p. 6, 1501):

visto que a Bíblia apresenta a vontade sagrada do Soberano Senhor do universo, seria uma grande [...] afronta à sua majestade [...] omitir [...] seu ímpar nome divino, que ocorre de modo bem claro no texto hebraico, [...] na forma de YHWH. [...] A maior indignidade que modernos tradutores causam ao autor divino das Escrituras Sagradas é a eliminação ou o ocultamento deste seu peculiar nome pessoal, [que] ocorre no texto hebraico 6828 vezes. [...] Portanto, o mais destacado aspecto desta tradução [a TNMES] é o restabelecimento do nome divino no seu lugar legítimo no texto em

português. [...] Por usarmos o nome “Jeová”, apegamo-nos de perto aos textos da língua original e não seguimos a prática de substituir o nome divino [...] por títulos tais como “Senhor”, “o Senhor”, “Adonai” ou “Deus”.

Assim, fica evidente a reverência das TJs ao nome da divindade judaico-cristã, algo que eles deixam transparecer não só na designação do grupo, mas também na sua própria tradução da Bíblia. Entretanto, como vimos, a forma Jeová originou-se a partir do desconhecimento dos esforços da tradição judaica em preservar o caráter impronunciável do nome de Deus. Mas será que os tradutores da TNMES sabiam disso? Atentemos novamente para o paratexto (p. 1501, grifo nosso):

hoje em dia, à parte de alguns poucos fragmentos da primitiva Septuaginta [...], na qual se preserva o nome sagrado em hebraico, somente o texto hebraico reteve este nome de máxima importância na sua forma original de quatro letras, YHWH, cuja pronúncia exata não foi preservada. [...] Ao passo que muitos tradutores favorecem a pronúncia “Yahweh” ou “Javé”, a Tradução do Novo Mundo continua a usar a forma “Jeová”, por causa da familiaridade das pessoas com ela já por séculos.

Eles reconhecem que a pronúncia exata do tetragrama se perdeu, e justificam que utilizaram a forma Jeová por causa da familiaridade que já conquistou. De fato, como discorremos, tal forma vem sendo difundida desde o início do século XII.

5.3 – A MORTE DOS DEVOTOS É ALGO TRISTE OU ALEGRE