• Nenhum resultado encontrado

b) Impedimentos enfrentados pela pessoa com deficiência visual

"(...) amo a vida justamente porque, com todos os meus limites, realizei meus maiores so- nhos" (Marco Antonio de Queiroz)57

54 Os demais países são Jamaica, Estados Unidos, Canadá e Costa Rica.

55 Desenho universal é “aquele que visa atender a maior gama de variações possíveis das características antro-

pométricas e sensoriais da população”. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: 2004. Disponível em: <www.mj.gov.br/sedh/ct/CORDE/dpdh/corde/ABNT/NBR9050- 31052004.pdf>. Acesso em: 13 de julho de 2006.

56

“Denomina-se Tecnologia Assistiva qualquer item, peça de equipamento ou sistema de produtos, adquirido comercialmente ou desenvolvido artesanalmente, produzido em série, modificado ou feito sob medida, que é usado para aumentar, manter ou melhorar habilidades de pessoas com limitações funcionais, sejam físicas ou sensoriais”. ENTREAMIGOS. Informações Básicas sobre Tecnologia Assistiva. Disponível em: <www.entreamigos.com.br/textos/tecassi/informbasic.htm>. Acesso em: 08 de novembro de 2005.

57 Marco Antonio de QUEIROZ é autor do livro Sopro no Corpo: Vive-se de Sonhos, Editora RiMa. Diabético

Marco Antônio de Queiroz é um brasileiro aposentado que ficou cego aos 21 anos. Ele nos chama a atenção para a necessária superação dos preconceitos a respeito das pessoas com deficiência e para o fato de que a pessoa com deficiência também é um ser humano que “para se afirmar como sujeito precisa se objetivar como ator social nas relações sociais ins- titucionalizadas”58. Nas suas palavras:

Ser cego, realmente, não é como as pessoas imaginam ser quando fecham os olhos por um minuto e tentam fazer algo. Fiquei cego aos 21 anos e não tinha nenhum tipo de con- tato com essa realidade. Não dá para acreditar muito que aquilo que aconteceu é definiti- vo. Você não se sente cego, mas percebe a coisa como se fosse momentânea, até que a consciência da realidade aparece de frente e não há saída possível. Passei, então, por uma fase de entendimento da deficiência em que aprendia a andar, a me vestir, a tomar banho, pegar condução e, aos poucos, já estava retomando minha faculdade e aprendendo cada vez mais como fazer as coisas sem ver. Arrumei trabalho, casei, tornei-me pai e escrevi um livro. Ou seja, retomei a vida59.

A deficiência visual 60 pode ser causada por doenças como: albinismo, anixidia, afa- cia binocular, catarata, coloboma, retinopatia diabética, glaucoma, ceratocone, nistagmo, ou por acidentes. No caso de Marco Antônio, ele é cego em conseqüência de retinopatia diabé- tica. Na juventude, ele perdeu a visão e teve que encarar a realidade desta perda, mesmo que desejasse que esta fosse momentânea como nas brincadeiras dos videntes. Entretanto, em meio à vulnerabilidade, a “sujeiticidade” não lhe foi tomada pela deficiência. Como uma pessoa cega, ele reconhece tanto seus limites quanto suas habilidades, ele ainda ama mais a vida, justamente, por ter realizado seus maiores sonhos em meio aos limites da deficiência visual.

ria na PUC Rio e trabalhou por 23 anos até aposentar-se.

58 Jung Mo SUNG. Sujeitos e sociedades complexas: para repensar os horizontes utópicos, p. 82.

59

Marco Antônio de QUEIROZ. Declaração de amor à vida. Jornal Estado de Minas. Disponível em: <www.saci.org.br/index. php?modulo=akemi&parametro=17645>. Acesso em: 17 de janeiro de 2006.

60

Segundo a Lei de Acessibilidade Decreto 5296/2004, Art. 5º, §1, inciso I, alínea c, a deficiência visual pode se dar através de “cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0, 05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0, 3 e 0, 05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores”. Disponível em: <portal.mec.gov.br/seesp/index. php?option=content&task=view&id=63&Itemid=192>. Acesso em: 10 de novembro de 2005. Importa, ainda, esclarecer que os erros de refração (hipermetropia, miopia, astigmatismo) não são doenças ou deficiências visuais.

É possível aprender a “fazer as coisas sem ver”! É possível viver, sendo cego - “re- tomei a vida”, é a experiência de Marcos, bem como, de muitas outras pessoas com defici- ência. Portanto, a pessoa com deficiência, como todo cidadão, busca construir sua vida em sociedade, assumindo os possíveis papéis sociais (trabalhador, casado, pai, escritor, aposen- tado, etc.) e, inclusive, sofrendo as conseqüências de possíveis objetivações sociais opresso- ras e excludentes. Vale lembrar: uma das mais fortes objetivações sociais que atinge a pes- soa com deficiência é o estigma de incapacidade, fruto do preconceito – determina-se a in- capacidade sem o real conhecimento das limitações e habilidades da pessoa em questão.

Em relação às condições de trabalho da pessoa com deficiência, o governo brasileiro desenvolve uma política afirmativa de inclusão no mercado de trabalho, sendo que o Decre- to No. 3.298, de dezembro de 1999, estabelece a política de cotas nas empresas para as pes- soas com deficiência. As cotas dependem do número de funcionários que as empresas têm. Empresas com até 200 funcionários devem ter 2% do seu quadro de funcionários composto por pessoas com deficiência, de 200 a 500 funcionários, 3% ; de 501 a 1000, 4% e com mais de 1000 funcionários, 5% de pessoas com deficiência.

Apenas uma política de cotas, entretanto, não basta. As dificuldades encontradas, nesta área, também dizem respeito à falta de pessoal capacitado para as funções e, ainda, ao preconceito e discriminação, pois, geralmente, as empresas selecionam pessoas pelo “tama- nho” de sua deficiência e não por suas habilidades. Novamente, percebemos as formas de produção da não-existência da pessoa com deficiência na sociedade. Os cegos são postos no “ignorante”, quando se focam as limitações corporais e intelectuais (como impedimento do viver e aprender) e perpetua-se a ignorância pela desconsideração das formas diferenciadas de viver e aprender.

Importa dizer, contudo, que as pessoas com deficiência perdem habilidades, mas re- aprendem a viver (andar, vestir, tomar banho, pegar condução, ir pra faculdade) e, sobretu- do amam a vida que têm! Desenvolvem novas habilidades, sonham e realizam sonhos! Lu- tam e desejam atuar em sociedade normalmente, como lhes é de direito. São seres humanos capazes de viver e de construir sua própria vida nos espaços públicos e privados, como to- das as outras pessoas.

Certa vez, na universidade em que trabalho, um rapaz cego candidatou-se ao curso de Rádio e TV. A pergunta da hora era: ele será capaz? Como pode uma pessoa que não

enxerga fazer um curso onde grande parte do aprendizado fundamenta-se na imagem? Grande foi nossa surpresa quando nos aproximamos e ouvimos as histórias deste rapaz - como ele ter sido o vencedor de um concurso de fotografia. Para produzir suas fotos, ele utilizava sua memória visual (ele teve glaucoma e perdeu gradativamente a visão) e a técni- ca de fotografia que lhe fora ensinada. Ou seja, ele construiu os seus próprios caminhos para o desenvolvimento de sua competência como fotógrafo. Caberia, então, à universidade criar as condições de acesso para que este aluno continuasse a desenvolver sua potencialidade e se tornasse um profissional competente como qualquer outro profissional por ela formado.

Na sua carreira educacional e profissional, as dificuldades da pessoa com deficiência visual vão desde a impossibilidade da leitura e escrita no sistema de tinta até o acesso nos ambientes públicos e privados. O apoio profissional desde a infância61 e a reabilitação, quando adulto, são fundamentais para que esta pessoa tenha uma vida digna. Neste sentido, vale lembrar que existem alguns instrumentais que possibilitam o acesso e o apoio pedagó- gico diferenciado à pessoa com deficiência visual. Podemos citar:

 no âmbito individual: o sistema Braile de escrita (máquina braile, reglete); apoios para locomoção (como bengala); programas de computador que possibilitam acesso a informações e autonomia acadêmica (por exemplo, o DOSVOX – programa com interface sonorizada e interativa que possibilita à pessoa com deficiência visual es- crever, ler e ser lida); no caso de baixa visão, utilização de instrumentos de amplia- ção (lupas, telelupas, etc);

 em âmbito público: piso diferenciado para orientação e mobilidade em ambiente edi- ficado; plaquetas indicativas em Braile, sistemas de alerta sonoros, etc.

O depoimento de Marco Antônio, bem como o caso do rapaz candidato ao curso de Rádio e TV, são depoimentos de pessoas que perderam a visão na vida adulta - eles já eram alfabetizados, estavam ingressando no ensino superior. Contudo, existem crianças que nas- ceram cegas ou que perderam a visão logo na primeira infância. Para elas, é fundamental um acompanhamento precoce, especializado, exatamente porque elas precisarão construir e

61 O atendimento especializado deve ser o mais precoce possível para que se garanta as possibilidades de cons-

trução simbólica destas crianças. Geralmente exploram-se os outros sentidos (tato, olfato, audição) para a construção simbólica do mundo. Mesmo no caso de baixa visão, este acompanhamento é importante para o

interiorizar conceitos sem fazer uso de um dos sentidos: a visão. Todas as suas habilidades cognitivas estão presentes, contudo, se não forem utilizados outros sentidos (como tato e audição) no processo de desenvolvimento, esta criança terá grande dificuldades para se co- locar em sociedade. Um trabalho interdisciplinar é fundamental (pedagógico, fisioterápico, psicológico, etc.) para que a criança desenvolva todas as suas habilidades (físicas, motoras, cognitivas, emocionais, relacionais, etc.). Daí a importância de um sistema educacional que considere as diferenças e acolha todas as crianças, trabalhando sua singularidade desde ce- do.