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CAPÍTULO II EDUCAÇÃO POPULAR COM PAULO FREIRE

3.9 Bahia: o sexo-turismo

A Bahia ou Baía, referência à Baía de Todos-os-Santos, maior reentrância de mar no litoral desde a foz do rio Amazonas até o estuário do rio da Prata é o estado com o sexto maior PIB do país, situada ao sul da região Nordeste do Brasil e é o maior estado da região, fazendo limites com oito outros estados federados brasileiros: Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Piauí ao norte; Tocantins e Goiás a oeste; Minas Gerais e Espírito Santo ao sul, oceano Atlântico a leste com 900 km, a mais extensa costa de todos os estados do Brasil. Com uma malha rodoviária extensa possuindo pontos de vulnerabilidade de exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias da BR-101, BR-116, BR-242, BR-324 e BR-407 (OIT, 2007, p. 84-86). Sendo pouco maior que a França, representa a maior extensão territorial, a maior população, o maior produto interno bruto e também é o estado que mais recebe turistas na região Nordeste.

Constituindo-se como primeiro núcleo de riqueza da América portuguesa, recebeu grande influência africana em especial do Golfo da Guiné, com destaque para o país iorubá e o antigo reino de Daomé. É visível a influência da cultura africana na Bahia na música, na culinária, na religião, no modo de vida da população. Constitui-se o centro da cultura afro- brasileira, com um dos símbolos mais importantes do estado, a negra com o tabuleiro de acarajé, vestida de turbante, colares e brincos dourados, pulseira, saias compridas e armadas, blusa de renda e adereços de pano da costa, a típica baiana.

Possui um alto potencial turístico, além do imenso litoral, a Chapada Diamantina, o Recôncavo, o Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso, no rio São Francisco e outras belezas naturais de valor histórico e cultural. Sua capital Salvador é a cidade com o maior número de afrodescendentes do Brasil. Conhecida como Terra da Felicidade não só por sua população alegre e festiva, mas foi o slogan utilizado na década de 1980 pela Empresa Baiana de Turismo (Bahiatursa) com o apoio da EMBRATUR num anúncio internacional com o título em francês “La terre du Bonheur” traduzido por A Terra da Felicidade, lembrado pelo pesquisador Dias Filho (2004).

Faz alusão à miscigenação do povo baiano como atrativo turístico e apresenta um catálogo com a frase de abertura: “L’allégresse et le charme de la mulátresse, toute la tendresse de Bahia”, traduzido por: “Na alegria e no charme da mulata toda a meiguice da Bahia” acompanhada da foto de uma mulher mestiça numa pose sensual. Embora o autor não credite intencionalidade ao Governo brasileiro no incentivo desse tipo de comércio, entende que “a contribuição da propaganda oficial e privada – que não foi fiscalizada – teve um papel fundamental para que o Brasil entrasse definitivamente nesse Circuito35 que movimenta milhares de dólares anuais vendendo mulheres, sexo e eventualmente drogas” (DIAS FILHO, 2004, p. 05). Assim, deu-se a consolidação do Brasil como um dos destinos turísticos preferidos para o turismo sexual há mais de 20 anos.

O Plano Estadual elaborado em 2002 e apresentado ao Conselho Estadual dos Direitos da Criança e Adolescente pontua como objetivo a educação de crianças e adolescentes para o fortalecimento da sua autoestima e defesa contra a violência sexual. A elaboração do Plano teve a participação importante do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan (CEDECA-BA), organização não governamental, referência no Nordeste no atendimento psicossocial e jurídico de crianças e adolescentes vitimizados pelas violências sexuais. O CEDECA, “considerado um ator protagônico na construção da história dos Centros de Defesa em todo Brasil e de estratégias de intervenção política, visando à defesa intransigente dos direitos de crianças e adolescentes” (BARBOSA; PAIM, 2003, p. 50), também participou da Coordenação e instrumentalização do PAIR no país. A participação do estado na implantação do PAIR, permitiu “o envolvimento maior entre atores sociais e instâncias envolvidas, viabilizando a constante integração da Rede e o recrutamento de voluntários da comunidade [...] e o fortalecimento de estrutura de recursos humanos e funcionamento dos conselhos tutelares” (AMORIM; CONTINI; MEZA, 2008, p. 113).

As ações do Plano Estadual incluem como ações a executar a inclusão dos conteúdos sobre os direitos da criança e do adolescente e a prevenção à violência sexual nos currículos, em toda a rede de ensino em todos os níveis, o acesso aos benefícios das políticas sociais, o envolvimento das redes familiares, comunitárias e vizinhanças na prevenção e a capacitação dos profissionais envolvidos nas áreas de saúde, educação e operadores do sistema de garantia de direitos e políticas públicas para a prevenção. Ainda propõe a ocupação dos espaços da mídia para prevenção e proteção de crianças e adolescentes contra a violência sexual nos meios de comunicação de massa e na internet.

35 Termo utilizado para denominar a migração de mulheres caucasianas para a prostituição, principalmente após

Para execução das ações as metas apontam a inclusão do ECA nos conteúdos escolares, implementação dos Temas Transversais, sobretudo os referentes à Orientação Sexual; inclusão de crianças e adolescentes em programas sociais e de geração de renda, de DST/AIDS, de prevenção ao uso de drogas e de gravidez precoce. A proposta de implantação de espaços de vivência cultural e esportiva visando ao desenvolvimento da cidadania; formação de grupos e associações de famílias como multiplicadores em programas de prevenção e inclusão do tema no pré-natal com conscientização das redes comunitárias de seu papel na prevenção à violência sexual. Ainda prevê a produção e realização de cursos à distância ao nível estadual e municipal, incluindo o tema em programas de rádio e TV e através de links com home pages e chamadas nos portais de parceiros afins. As estatísticas abaixo confirmam o quadro de violência constatado no estado.

Quadro 13 - Estado da Bahia Estado Região Reg. Masculino sex. Reg.. Feminino sex.

Faixa de idade(11 anos) Faixa de idade(12 a 18 anos) Total de Registros Bahia Nordeste 1133 4358 1410 3679 2930 Total: 1133 4358 1410 3679 2930

Fonte: Matriz Intersetorial de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (2010).

Com um alto grau de ocorrências que ultrapassam os cinco mil registros a diferença entre o sexo masculino e o feminino situa-se em torno de 3,8 vezes mais registros. Com uma confluência de 2,6 a mais o número da incidência na faixa etária correspondente à adolescência.

Após a apresentação da particularidade de cada estado da região Nordeste tem-se uma visão panorâmica das suas especificidades. A partir desse cenário inicial com uma visualização do campo de pesquisa centrado na região Nordeste, percebe-se a prevalência do maior número de registros do sexo feminino em detrimento do masculino em todos os estados, confirmando os números estatísticos de outras regiões do país. Expõe a problemática em relação ao recorte de gênero e à questão cultural na dificuldade da denúncia quando o sexo masculino passa a condição de vitimização. Essa distinção torna-se maior nos estados do Maranhão e Alagoas com um registro de diferenciação respectivamente em 4,5 e 4,0 registros a mais do sexo feminino. Em relação à faixa etária, constata-se também a maior incidência localizada na adolescência nos estados do Maranhão e Pernambuco com respectivos registros em torno de 2,8 e 2,7 mais vezes a notificação em detrimento da infância. Se o quadro de abandono em relação à infância tem sido considerado histórico apesar das iniciativas

governamentais, a situação da adolescência denuncia a condição de desamparo e negligência em que se encontra esse segmento populacional. Por um lado pressupõe-se a subnotificação existente em função da complexidade da rede de exploração construída, por outro lado acentua-se a preocupação com a exposição da população infantojuvenil na região. Fato que se evidencia na evasão escolar, na submissão da precarização de trabalho para sobrevivência, na gravidez precoce, na criminalidade dentre outros fatores que debilitam as possíveis estratégias de autonomia e humanização.

O estado de Pernambuco aparece como o único com um diferencial na sua dinâmica de trabalho, o auxílio de um Departamento de Polícia da Criança e do Adolescente, atendendo na capital e região metropolitana. Como não possui a estrutura necessária para atender todo o estado, nas demais regiões, os crimes de natureza sexual praticados contra crianças e adolescentes são subnotificados pela ausência de serviços especializados, incidindo nos dados registrados no estado.

As propostas educativas contidas nos Planos Estaduais dos 09 estados apontam para a perspectiva preventiva em relação à violência sexual infantojuvenil com articulações previstas com as Secretarias de Educação para implementação dessa temática nos temas transversais e o Sistema de Garantia de Direitos para implantação do trabalho em rede. Nesse sentido, as tentativas apontam caminhos na construção de ações de mobilização que evitem ou diminuam os riscos de violência praticada contra crianças e adolescentes, possibilitando-lhes orientação para a autodefesa. O único estado que utiliza a categoria turismo em seu Plano é o estado do Maranhão, enquanto que os outros estados deixam implícita a questão do turismo inserida na exploração sexual, implicando na sutileza de sua invisibilidade.

Outro aspecto assinalado nas propostas educativas dos Planos Estaduais tem sido o seu redimensionamento temporal na elaboração dos Planos Decenais atualizando as propostas com previsão de posterioridade, fatos estes constatados nos estados de Pernambuco, Paraíba. Quanto a este aspecto ressalta-se a fragilidade política com as articulações locais, dificultando a sua execução como inexperiência de vivência democrática em função da cultura clientelista, colonialista e capitalista. O trabalho com a intersetorialidade sendo complexo, depende do fluxo de atendimento integrado que encontra dificuldades em todas as esferas de governo e sociedade. Esta fragilidade aumenta o problema dos registros de dados que ainda não são confiáveis, com a subnotificação existente, da assistência às demandas identificadas no campo da educação em sua articulação com as outras instâncias e a própria retaguarda para os profissionais da área em seu cotidiano no enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes.

Observa-se o distanciamento entre as propostas de prevenção nas ações educativas em pauta nos Planos Estaduais de Enfrentamento da Violência Sexual contra crianças e adolescentes por um lado e a dificuldade de realização dessas ações na concretude da sua realidade por outro. Diante dos indicadores da realidade considera-se a antinomia referida por Freire, P. (2003b) que se atualiza no presente, exigindo uma leitura crítica do contexto vigente, em contínua transição. Paradoxalmente, a exigência documental de aportes teóricos para instrumentalização de ações políticas que não se efetivam na prática, evidenciando inquietações e reflexões que permitem a tomada de decisões na composição de novas indagações para o enfrentamento dessa questão.

Com essa configuração da região Nordeste, pode-se questionar o cumprimento das ações pactuadas em todos os estados com as três esferas governamentais, municipal, estadual e federal nas suas respectivas contrapartidas para a garantia na efetivação das ações dos Planos Estaduais de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, da sensibilização e do comprometimento nas capacitações locais, à articulação com a rede de proteção à criança e adolescente, à expansão das metodologias para o enfrentamento dessa questão social e sua extensão com as organizações não governamentais e a comunidade.

3.10 A experiência das ONGS nos estados com maior incidência do Turismo Sexual