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Balanço da Investigação da Auto-eficácia Ocupacional

AUTO-EFICÁCIA OCUPACIONAL

6. Balanço da Investigação da Auto-eficácia Ocupacional

6.1. Outros Domínios de Aplicação da Auto-efícácia Ocupacional

A investigação enquadrada no âmbito das aplicações da teoria da auto-eficácia ao desenvolvimento de carreira começou por focalizar-se nos julgamentos de eficácia em relação a ocupações específicas, tendo progressivamente a expressão auto-eficácia

ocupacional se generalizado, designando hoje as percepções de eficácia pessoal relativas a

um conjunto vasto de tarefas, decisões, comportamentos, e processos de ajustamento com um papel potencialmente importante na carreira. Deste modo, a literatura referente à

escolha de carreira tem sido dividida entre o conteúdo das escolhas de carreira, isto é o que as pessoas consideram e/ou escolhem, e os processos, isto é, a forma como as pessoas escolhem ou o percurso que fazem até à escolha. Se é verdade que as aplicações da teoria da auto-eficácia à carreira se preocupou sobretudo com o conteúdo, algumas investigações também exploraram os processos, como é o caso daqueles que se focalizaram sobre as relações entre auto-eficácia e os interesses, o sucesso e a persistência académicos, e o processo de tomada de decisão de carreira (Hackett, 1995; Hackett & Betz, 1995).

A generalização do termo encontra obviamente reflexo na própria extravasão do desenvolvimento de carreira para além da área e da faixa etária que lhe está historicamente associada -escolha de carreira no final da adolescência e início da idade adulta -, para as áreas educacional (escolhas e persistência académicas, em alunos mais jovens), e para as áreas do trabalho ou organizacionais (ex. stress ocupacional e gestão dos papéis familiar e profissional, junto a adultos trabalhadores) (Bandura, 1995; Hackett, 1995; Hackett & Betz, 1995).

6.2. Limitações e Pistas para o Futuro

Analisando o conjunto das investigações efectuadas na área da auto-eficácia ocupacional, e as suas relações com a auto-eficácia académica, foram elaboradas conclusões acerca das principais limitações metodológicas e conceptuais, que apontam possíveis direcções para futuras investigações empíricas (Hackett, 1995; Hackett e Betz, 1995, Lent, Brown & Hackett, 1994; Lent & Hackett, 1987). Sem querer fazer aqui um levantamento exaustivo dessas análises e sugestões, serão referidas algumas que nos parecem particularmente relevantes.

Alguns problemas e limitações metodológicas foram levantadas nas primeiras revisões das investigações sobre a auto-eficácia ocupacional, como é o caso da excessiva focalização na questão das diferenças de género em estudantes universitários e a decorrente carência de estudos com amostras mais diversificadas em termos étnicos, etários e socioeconómicos, e que explorem o género como variável moderadora. Alguns destes aspectos já têm recebido, mais recentemente, alguma atenção empírica que é, contudo, considerada ainda insuficiente (Hackett & Betz, 1995). De facto, não parece razoável restringir os estudos de desenvolvimento de carreira às etapas de vida mais próximas da entrada no mundo do trabalho (fim da adolescência, início da idade adulta), tornando-se premente explorar melhor este desenvolvimento logo a partir da adolescência inicial, assim como prolongar esse estudo no decurso da vida adulta. Para além disso, outros grupos de risco em termos de desenvolvimento de crenças de auto-eficácia ocupacionais mais

deficitárias devem merecer maior atenção: para além das raparigas, que continuam a estar sub-representadas nas áreas científicas e tecnológicas, também se deve atender ao caso das minorias étnicas, dos sujeitos de níveis socioeconómicos mais baixos e dos residentes em meios rurais.

Se uma das grandes vantagens da aplicação da teoria da auto-eficácia ao desenvolvimento e escolha de carreira é o facto de oferecer orientações bastante específicas para a intervenção, poucos estudos empíricos se debruçaram especificamente sobre experiências de intervenção e os seus efeitos, e aqueles que o fizerem não chegaram a resultados muito conclusivos (ex. Dawes, Horan & Hackett, 2000). Intervenções e estudos deste tipo seriam, contudo, necessários, sobretudo se focalizados nas populações de risco anteriormente referidas. Efectivamente, a investigação chama especial atenção para as limitações cruciais que podem decorrer dos processos de orientação escolar e profissional ou de aconselhamento de carreira tradicionais; sem menosprezar a sua

importância na transição da escola para o trabalho, os psicólogos ou conselheiros não devem assumir os interesses vocacionais ou as aptidões como algo de inato, que precisa de ser descoberto, quando se sabe que a auto-eficácia pode influenciar fortemente o seu desenvolvimento e manifestação. Por outro lado, se a auto-eficácia ocupacional e académica estão relacionadas, elas não são substituíveis entre si, pelo que os programas específicos de promoção de uma e outra são imprescindíveis, sobretudo junto a alunos cuja história escolar é pautada pelo insucesso académico, no sentido de promover os seus interesses, a sua motivação e a construção de objectivos de vida. Assim, os programas compensatórios em termos de competências académicas básicas não são suficientes, urgindo também um trabalho de discussão da instrumentalidade dessas competências para a vida profissional futura. Na medida em que o desenvolvimento de carreira depende de experiências anteriores, é necessário não negligenciar os constrangimentos externos que podem moldar a estrutura de oportunidades dos sujeitos, como a classe social ou a cultura de pertença. Os factores pessoais, contextuais e experenciais são importantes, visto que, enquanto precursores das variáveis sociocognitivas, podem influenciar as relações entre auto-eficácia, interesse, metas e acções.

Deste modo, estudos que comparem diversos quadros explicativos e integrem as variáveis pessoais e contextuais, desenvolvidas por outras teorias, em modelos de relação

causal, são também extremamente necessários.

É neste quadro que se insere a tentativa de unificação da teoria social cognitiva de carreira proposta por Lent, Brown & Hackett (1994). Para além da ausência de predições explícitas que permitam guiar a investigação futura, esta proposta pretende ultrapassar outras limitações existentes nas aplicações da teoria da auto-eficácia ao desenvolvimento de carreira, como o facto de se centrar excessivamente no constructo da auto-eficácia,

negligenciando outros aspectos relevantes como os determinantes afectivos e biológicos, e os determinantes contextuais.

A unificação teórica proposta passa pela especificação de três modelos interrelacionados: (1) modelo do desenvolvimento dos interesses (a formação e elaboração de interesses relevantes de carreira), (2) o modelo de escolha de carreira (a selecção de opções académicas e de escolha de carreira), e (3) o modelo de desempenho (desempenho e persistência nos percursos educacionais e ocupacionais). Para além destes modelos são, então, também integrados diversos mecanismos intra e extrapessoais que constituem, comparativamente com a teoria e investigação baseada apenas na auto-eficácia, a mais- valia desta proposta: os inputs pessoais como, por exemplo, os atributos físicos, e os determinantes contextuais 8 ou as características sociais, físicas e culturais do meio.

Questionando o aspecto demasiado normativo da maioria das teorizações, e recuperando um pouco a perspectiva da aprendizagem social de Krumboltz (1979), reconhecem que a estrutura de oportunidades (dependente das condições económicas e culturais) pode alterar

as relações entre interesses, metas e acções (Lent, Brown & Hackett, 1994, p. 96).

Distribuídos pelos três modelos, são formuladas proposições que têm como objectivo, tanto organizar os resultados já existentes, como guiar as investigações futuras. De facto, os resultados de investigação existentes não permitiram o teste completo das predições associadas a essas proposições, particularmente no que diz respeito aos determinantes contextuais do desenvolvimento de carreira: de facto, a maioria das amostras é composta por alunos universitários e outras pessoas em condições privilegiadas, ficando

As concepções relacionadas com o ambiente, incluídas nos determinantes contextuais, podem incluir ou enfatizar, tanto as condições ou aspectos objectivos do meio, como os aspectos subjectivos ou a interpretação dessas condições e aspectos, sendo que ambos são importantes na auto-eficácia académica e de carreira. Essas condições contextuais podem ser mais distais ou mais proximais: as distais são as influências de background que precedem e ajudam a moldar os interesses e as cognições pessoais, enquanto que as proximais são aquelas que exercem influência apenas nos momentos críticos de tomada de decisão (Lent, Brown & Hackett, 1994).

assim por provar as assunções relativas a condições socioculturais limitadas, em termos educativos e económicos.

Por este motivo, no quadro da expansão da teoria proposta por estes autores, é defendida a contemplação das circunstâncias específicas, antes, durante e após a entrada na carreira, impostas por estes determinantes contextuais, assim como o alargamento dos constructos base, de modo a abranger competências ou aptidões menos específicas dos contextos académico e ocupacional. Neste âmbito, podemos incluir a necessidade de avaliação da auto-eficácia generalizada (Lent, Brown & Hackett, 1994).

Conclusão

Betz & Hackett (1981, 1983), constatando a dificuldade das abordagens tradicionais em contemplar a especificidade do desenvolvimento de carreira das mulheres, propuseram uma abordagem baseada na teoria da auto-eficácia.

Os resultados dos seus estudos, e das replicações subsequentes, permitiram verificar diferenças de género na auto-eficácia ocupacional, diferenças estas que estão relacionadas com a estereotipia de género das tarefas, actividades ou ocupações. Contrariamente aos homens, que apresentam índices de auto-eficácia similares para todas as ocupações, as mulheres fazem variar as suas expectativas de acordo com a conotação de género das mesmas, sendo superiores para as áreas tipicamente femininas e inferiores para as áreas tipicamente masculinas.

Nestas diferenças, a auto-eficácia matemática parece assumir um papel importante, dada a associação deste domínio académico e ocupacional, filtro crítico da persecução de carreiras mais prestigiosas, à masculinidade. A auto-eficácia matemática parece constituir uma síntese subjectiva da informação proveniente das aptidões e das realizações anteriores,

sendo um bom preditor tanto do desempenho e da persistência académicos, como das escolhas ocupacionais.

As diferenças de género nas crenças de auto-efícácia ocupacional, e em especial para as áreas matemática e científica, parecem ser já perceptíveis em alunos pré- universitários. Apesar disso, as raparigas desta faixa etária parecem ser mais propensas do que os rapazes a considerar carreiras que não estão tão associadas ao seu género, sobretudo as raparigas de nível socioeconómico mais alto. De facto, as diferenças de género não são as únicas observadas neste nível de desenvolvimento relativamente precoce do desenvolvimento de carreira; também foram observadas diferenças de nível socioeconómico que indicam que os alunos de nível socioeconómico baixo apresentam crenças de auto-eficácia ocupacional menores do que os de nível socioeconómico alto.

A investigação no âmbito da auto-eficácia ocupacional tem-se focalizado sobretudo no conteúdo das escolhas, mas um número considerável de estudos também se debruçaram sobre os processos, isto é, sobre as relações estabelecidas entre variáveis com relevância ocupacional que conduzem a essas escolhas. Neste âmbito, enquadram-se as relações com a auto-eficácia académica, sobretudo matemática, já previamente referida, mas também as relações com outros preditores de carreira, como os interesses. Muito embora as relações entre estes dois constructos ainda não esteja cabalmente esclarecida, os resultados de muitas investigações parecem suportar o pressuposto de que os interesses de carreira dificilmente se desenvolvem na ausência de crenças de auto-eficácia fortes, crenças estas que são alimentadas pelos desempenhos anteriores. Apesar da ascendência causal da auto- eficácia sobre os interesses, ambos estão moderadamente relacionados e constituem, conjuntamente, preditores importantes da consideração e escolha ocupacional.

As investigações realizadas noutras sociedades (Grã-Bretanha e Japão), assim como os estudos realizados junto a minorias étnicas e a residentes em áreas rurais, sugerem que a

auto-eficácia ocupacional, e sobretudo as diferenças de género que motivaram os estudos originais, possuem "aplicabilidade interculturaF'(Hackett & Betz, 1995, p. 270). Urge agora também estudar a variabilidade intracultural, isto é, enfatizar as similaridades e as diferenças dentro dos grupos culturais (Hackett, 1995). Com efeito, as relações causais pressupostas e avaliadas no contexto desta teoria, como em qualquer outra, não são tão lineares e normativas em situações onde existem fortes constrangimentos externos, os designados determinantes contextuais, em que os níveis socioeconómicos mais baixos, mas também a área de residência poderão ser exemplos paradigmáticos (Lent, Brown & Hackett, 1994)

É neste quadro que se situa o estudo que apresentaremos seguidamente. A avaliação das diferenças de género nas dimensões de auto-eficácia será contemplada, de modo a esclarecer o papel das experiências de socialização de género na sociedade portuguesa, mais especificamente na faixa etária da adolescência, mas pretendemos também avaliar o impacto de variáveis contextuais (nível socioeconómico e área de residência).

Para além de dimensões da auto-eficácia semelhantes às incluídas nos estudos realizados noutras sociedades- ocupacional, matemática e académica- , assim como os interesses ocupacionais, este estudo integra também uma dimensão de auto-eficácia generalizada, partindo do pressuposto que os sentimentos gerais de capacidade de coping com situações desafiantes podem complementar a informação das dimensões mais específicas na explicação das diferenças entre grupos no desenvolvimento de carreira.

SEGUNDA PARTE-