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Teoria da Auto-efícácia e o Desenvolvimento de Carreira das Mulheres Nas sociedades ditas desenvolvidas, a entrada das mulheres no mundo do trabalho

AUTO-EFICÁCIA OCUPACIONAL

2. Teoria da Auto-efícácia e o Desenvolvimento de Carreira das Mulheres Nas sociedades ditas desenvolvidas, a entrada das mulheres no mundo do trabalho

ocorreu historicamente mais tarde e elas continuam a desempenhar profissões menos bem remuneradas e de menor estatuto. Este facto faz com que as mulheres possam ser consideradas, tal como outras minorias (étnicas, imigrantes, homossexuais e deficientes), como uma população especial em termos de desenvolvimento e aconselhamento de carreira. Alguns dos aspectos a considerar em relação a este grupo seriam os estereótipos associados à socialização do género, as influências familiares, as descontinuidades no desenvolvimento de carreira (ex. por licença de parto), a gestão do tempo (ex. conciliação de múltiplos papéis- familiar e profissional), bem como o suporte e as barreiras na orientação e escolha de carreira. Justifica-se, então, que, não obstante as possíveis aplicações gerais providenciadas pelas teorias de desenvolvimento de carreira, devam ser respeitadas as especificidades dos problemas e preocupações das mulheres, como de outros grupos minoritários (Gallos, 1989; Hackett, 1997; Herr & Cramer, 1991).

De facto, foi a entrada maciça da mulher no mercado de trabalho que conduziu a uma maior consciencialização da dificuldade em predizer, explicar, e modificar o comportamento vocacional das mulheres a partir dos quadros teóricos anteriores. Apesar dos potenciais interesse e utilidade dessas investigações, escapava-lhes a especificidade do desenvolvimento de carreira no feminino. A aplicação da teoria de auto-efícácia ao desenvolvimento de carreira tem precisamente como principal objectivo preencher esta lacuna da conceptualização teórica e de intervenção para desenvolvimento de carreira das mulheres, revelando-se potencialmente útil pelo facto de enfatizar o papel de mediadores cognitivos e afectivos das experiências de socialização (Betz & Hackett, 1981).

Para Betz & Hackett (1981), as percepções de auto-efícácia, ou auto-percepções das aptidões possuídas, são mais preditivas do comportamento de escolha de carreira do que as

aptidões em si mesmas "... porque a socialização do papel do género das mulheres é menos favorável do que a dos homens ao desenvolvimento de expectativas de auto-eficácia fortes" (ibidem, p. 400). Com efeito, até aos anos 80, as mulheres e as raparigas não só não eram encorajadas, como eram activamente desencorajadas a desempenhar uma variedade de actividades susceptíveis de aumentar e fortalecer as suas expectativas de eficácia pessoal. As baixas expectativas de auto-eficácia por elas apresentadas poderiam estar na origem do evitamento de ocupações mais prestigiosas, tradicionalmente masculinas.

2.1. Diferenças de Género na Auto-eficácia Ocupacional4 de Alunos Universitários O estudo original de Betz e Hackett (1981) tinha, por conseguinte, como objectivo verificar a aplicabilidade e utilidade da teoria de auto-eficácia no processo de tomada de decisão de carreira, sobretudo na explicação da subrepresentação das mulheres em algumas ocupações profissionais, persistente apesar da sua progressiva integração no mundo do trabalho. Mais especificamente, Betz e Hackett propunham-se investigar as diferenças de género nas expectativas de auto-eficácia respeitantes aos pré-requisitos de formação e deveres profissionais em ocupações tradicionalmente femininas e masculinas, assim como a relação destas diferenças com a natureza e amplitude do leque das opções de carreira por elas considerado.

Para tal, as autoras elaboraram um instrumento em que os sujeitos expressavam o seu grau de confiança de conseguir corresponder aos pré-requisitos de formação e aos deveres de desempenho profissional de 20 ocupações: 10 ocupações tradicionalmente femininas ou dominadas pelas mulheres e 10 não tradicionalmente femininas ou

4 O termo "auto-eficácia de carreira", introduzido por Betz & Hackett (1981) aquando da primeira aplicação

da teoria da auto-eficácia ao desenvolvimento de carreira das mulheres, rapidamente foi generalizado para designar uma ampla variedade de tarefas, decisões, comportamentos, e processos de carreira. Sendo, actualmente, um termo demasiado abrangente, é preferível a utilização do termo "auto-eficácia ocupacional" para designar os julgamentos de eficácia pessoal correspondentes a ocupações, tanto para homens como para mulheres (Hackett & Betz, 1995).

dominadas pelos homens5. A assimetria de representatividade, em termos dos tipos de

Holland ou de estatuto socioeconómico, não poderia ser contornada uma vez que reflecte uma situação real, em que, no que a este último critério diz respeito, os estatutos de homens e mulheres no mundo do trabalho não são equilibrados.

Para além das duas medidas de auto-efícácia, para a formação e desempenho, os sujeitos também eram convidados a responder, relativamente às mesmas ocupações, a uma escala de interesse e a uma de consideração como opção possível de carreira; adicionalmente, foram recolhidos os resultados das provas de aptidões de admissão à universidade.

Foram observadas diferenças de género significativas na proporção de sujeitos que indicavam que poderiam completar com sucesso os pré-requisitos educacionais para 10 das 20 ocupações, apresentando os homens índices de auto-eficácia mais elevados para cinco das ocupações dominadas pelos homens e as mulheres para cinco das ocupações dominadas pelas mulheres. No que diz respeito à auto-eficácia para os deveres

profissionais, verificaram-se diferenças em 9 das 20 ocupações, em que os homens apresentavam maiores índices de auto-eficácia para 5 ocupações dominadas pelos homens e as mulheres para 4 das ocupações dominadas pelas mulheres, apesar de não se registarem diferenças nos índices de auto-eficácia para o conjunto das ocupações. Contudo, as diferenças de género emergem sobretudo quando cada um dos grupos de ocupações é individualmente considerado (tipicamente femininas e tipicamente masculinas), diferenças essas que estão intimamente ligadas à diferença dos índices de auto-eficácia apresentados pelas mulheres relativamente aos dois grupos de ocupações (mais baixos para as profissões

O critério de tradicionalidade das ocupações é o desempenho igual ou superior a 70% por parte do próprio sexo, e inferior a 30% por parte do sexo oposto, segundo as estatísticas do Women's Bureau dos EUA de 1975 (Betz & Hackett, 1981).

dominadas pelos homens), enquanto que os homens apresentam auto-efícácia equivalente ao longo de todas as ocupações.

No que diz respeito à consideração de ocupações como opções possíveis, os resultados são paralelos aos obtidos relativamente às crenças de auto-eficácia: as mulheres consideram mais as ocupações tipicamente femininas e os homens as tipicamente masculinas. Em termos globais, o género funciona como um importante preditor na consideração de opções dominadas pelos homens, estando a sua amplitude fortemente associada aos interesses e à auto-eficácia relativos a essas profissões. A auto-eficácia também funciona como preditora dos interesses.

As diferenças na auto-eficácia em relação aos dois grupos de ocupações não são atribuíveis às aptidões, uma vez que não existem diferenças de género nas aptidões dos sujeitos incluídos nesta amostra. Contudo, verificou-se que o valor preditivo da aptidão matemática depende do grupo em causa: enquanto que as aptidões, no caso das mulheres, têm um efeito apenas indirecto sobre a amplitude das opções consideradas, através das expectativas de auto-eficácia, elas têm um efeito directo e indirecto no caso dos homens. Adicionalmente, verificou-se também que a aptidão matemática está positivamente correlacionada com a consideração de opções dominadas pelos homens, no caso das mulheres, e negativamente relacionada com a consideração de opções dominadas pelas mulheres, no caso dos homens.

Assim, foi observado, em termos gerais, que as crenças relativas à capacidade para perseguir várias ocupações, são muito mais preditivas das opções de carreira consideradas do que as medidas de aptidão objectivas, e que essas diferenças reflectem os padrões existentes na representação de ambos os géneros nas áreas ocupacionais. Por esta razão, os resultados "suportam a utilidade postulada do conceito de expectativas de auto-eficácia relacionadas com a carreira para a compreensão do comportamento vocacional em geral e

para o desenvolvimento de carreira das mulheres em particular." (Betz & Hackett, 1981, p. 408).

Para além da mera constatação e explicação das diferenças de género no desenvolvimento de carreira, estes resultados oferecem pistas para intervenção que, mais do que aumentar a amplitude de opções de carreira consideradas, deverão ter como objectivo aumentar e fortalecer as expectativas de eficácia pessoal que, no caso específico das raparigas, deverá passar por "...intervenções desenhadas para aumentar as expectativas relacionadas com a carreira ...[de modo a permitir que as raparigas] efectivamente utilizem as suas aptidões e desenvolvam os seus talentos e interesses"(ibidem, p. 409).

2.2. Validade Intercultural, Validade Concorrente e Variáveis Moderadoras da Auto-eficácia Ocupacional

O estudo inicial de Betz & Hackett (1981) foi não só replicado, mas também expandido por uma diversidade de estudos empíricos. A sua extensão passou pela análise de variáveis moderadoras dos efeitos do género sobre a auto-eficácia ocupacional, assim como pela verificação da validade intercultural dos resultados e da sua validade concorrente, através do recurso a medidas alternativas de avaliação.

Um padrão similar de resultados encontrado em diferentes culturas apoia a validade intercultural das diferenças entre géneros encontradas na sociedade estadunidense. Assim, foram observadas diferenças de géneros na auto-eficácia ocupacional junto a estudantes universitários japoneses, de acordo com a distribuição ocupacional dos dois sexos nessa sociedade. Estas diferenças estão relacionadas com a adesão aos estereótipos de género (Matsui, flceda, e Ohnishi, 1989) e são perceptíveis ao nível de actividades laborais mais específicas do que os títulos ocupacionais constantes na escala original: foram encontradas diferenças de género em apenas duas das seis áreas ocupacionais consideradas, sendo os

homens mais auto-efícazes para actividades mecânicas e as mulheres para actividades artísticas. (Matsui & Tsukamoto, 1991).

Os estudos de Wheeler (1983) e Clement (1987) (in Hackett, 1995; Hackett & Betz, 1995), realizados na Grã-Bretanha, suportam de igual modo a validade intercultural e concorrente da metodologia de observação utilizada. Wheeler (op. cit.) operacionalizou a auto-eficácia em termos de "adequação da aptidão percebida" e "facilidade de sucesso" relativamente a 17 ocupações. Apesar da definição e operacionalização do constructo diferir da original, foi observada a existência de diferenças de género relacionadas com a percentagem de homens e mulheres em cada uma das ocupações. Clement (op. cit) utilizou descrições de 20 ocupações (metade tradicionalmente dominadas pelas mulheres, outra metade tradicionalmente dominadas pelos homens), questionando alunos universitários em relação ao seu interesse, consideração e auto-eficácia para corresponder às suas exigências profissionais. A auto-eficácia ocupacional possuía valor preditivo para a consideração de apenas uma das ocupações, enquanto que os interesses tinham um valor preditivo para 16. Estes resultados questionam um pouco as conclusões de Betz & Hackett mas as autoras explicam-nos pela homogeneidade da amostra e pela especificidade do procedimento estatístico (análise de regressão múltipla para cada uma das ocupações e não para o conjunto de ocupações dominadas pelo homem e pela mulher, como é habitual) o que levanta "...algumas dúvidas quando à generalização e validade dos seus resultados" (Hackett & Betz, 1995, p.257).

Outros estudos realizados permitiram também evidenciar o papel de alguns moderadores importantes para as diferenças de género na auto-eficácia, tais como o a saliência de carreira, o grau de estereotipia da profissão e a adesão a estereótipos de género. De facto, foi demonstrada a mediação da importância concedida à carreira por parte das mulheres: as mulheres para quem a carreira desempenha um papel mais saliente,

mais facilmente prosseguem carreiras que não são tradicionalmente femininas (Layton, 1984 in Hackett, 1995; Hackett & Betz, 1995). As diferenças de género nas crenças de auto-efícácia parecem aumentar na presença de tarefas, actividades ou carreiras que são estereotipadamente associadas ao género (ex. Matsui, Ikeda, e Ohnishi, 1989). Foram também encontradas relações entre a auto-eficácia ocupacional e as atitudes tradicionais ou liberais acerca dos papéis que homens e mulheres devem desempenhar na sociedade: enquanto que as atitudes tradicionais enfraquecem as expectativas de auto-eficácia das mulheres para perseguir carreiras não tradicionais, as atitudes liberais e a existência de modelos ocupacionais do mesmo sexo fortalecem-nas (Rotberg, Brown, & Ware, 1987 in Hackett, 1995; Hackett & Betz, 1995).

Os efeitos do nível socioeconómico e da etnia foi também adicionado ao estudo das diferenças de género na auto-eficácia ocupacional e nos interesses. Verificou-se que a auto-eficácia ocupacional (contrariamente ao género, etnia e nível socioeconómico) permitia predizer o conjunto de ocupações consideradas e que existia uma correlação entre a auto-eficácia ocupacional e os interesses (Rotberg, Brown & Ware, 1987 in Hackett, 1995; Hackett & Betz, 1995).

Estes são alguns exemplos de estudos que, mesmo incluindo modificações mais ou menos significativas dos instrumentos de medida e/ou realizados noutras culturas, têm conduzido a resultados sensivelmente semelhantes aos originalmente encontrados por Betz & Hackett (1981). As principais conclusões destes estudos podem ser resumidas da seguinte forma: a auto-eficácia ocupacional é preditiva dos interesses de carreira e da consideração de opções ocupacionais; as diferenças de género na auto-eficácia ocupacional são comuns a muitas das amostras de estudantes universitários; as diferenças de género são manifestadas, quer a um nível geral, quer a um nível específico das ocupações (tarefas e

actividades laborais); e as diferenças de género não são usualmente encontradas em amostras mais seleccionadas ou homogéneas (Hackett, 1995; Hackett & Betz, 1995).