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Teorias do Desenvolvimento de Carreira

AUTO-EFICÁCIA OCUPACIONAL

1. Teorias do Desenvolvimento de Carreira

Se, nas sociedades agrícolas, os sistemas educacionais foram inicialmente desenhados para ensinar aptidões de nível básico, os seus objectivos sofreram profundas alterações, à medida que as sociedades se foram industrializando. Uma nova transição histórica ocorreu da era industrial para a era da informação, transição que traz profundas implicações para os sistemas educacionais. Enquanto que, outrora, muitos jovens não frequentavam a escola ou a abandonavam cedo na vida, o que não era impeditivo do desempenho de profissões menos qualificadas (na produção do sector primário ou na transformação do sector secundário), hoje em dia todas as profissões requerem algum tipo

de formação, visto a vida contemporânea ser bastante mais exigente em termos de competências cognitivas e auto-regulatórias necessárias para corresponder às complexas exigências do mundo ocupacional (cf. Introdução) (Bandura, 1995a).

Por esse motivo, e porque a profissão ou carreira ocupam um lugar cada vez mais abrangente e difuso na identidade e no bem-estar pessoais ao longo da vida, as teorias e investigações no âmbito do desenvolvimento de carreira têm-se pautado, nas últimas duas décadas, por uma grande vitalidade, traduzida pela introdução de novas teorias e pela reformulação das já existentes (Lent, Brown & Hackett, 1994). O desenvolvimento de carreira pode ser definido como "a preparação para, a escolha de, o acesso a, e o ajustamento ao trabalho ao longo da vida" (Hackett, 1995), não se limitando, portanto, em termos de procedimento, ao treino ou ao diagnóstico das aptidões para o trabalho, nem, em termos de população, aos jovens, uma vez que, cada vez mais frequentemente, os adultos, procuram e/ou são levados a mudar de emprego ao longo da vida.

Diferentes abordagens para o desenvolvimento de carreira foram desenvolvidas, entre as quais destacaremos, por contraposição à teoria da auto-eficácia, as abordagens traço-e-factor, tipológica, desenvolvimental, e a da aprendizagem social da tomada de decisão (Herr& Cramer, 1991).

1.1. Abordagem Traço-e-Factor

As teorias traço-e-factor ocupam, no domínio ocupacional, um papel historicamente hegemónico. Baseiam-se sobre a convicção de que uma escolha de carreira é boa se for "ajustada" às características da pessoa. Neste contexto, assumem particular importância as aptidões, as características da personalidade, os valores, as expectativas ocupacionais, bem como certos factores demográficos, tais como a área de residência ou o nível socioeconómico. As teorias traço-e-factor são genericamente omissas em relação ao auto-

conceito e à auto-estima, sendo ainda insuficientes na análise providenciada das variáveis de contexto como o género, a raça ou o nível socioeconómico e os estereótipos que lhes estão associados. Para além disso, estas teorias partilham uma visão de traços estáticos, em vez de modificáveis em função de intervenções organizacionais, descrevendo as relações entre os traços, valores e expectativas e as escolhas, mas não explicando como é que essas variáveis se desenvolvem (Betz, Fitzgerald & Hill, 1989; Herr & Cramer, 1991).

Apesar de uma reformulação das suas assunções básicas no sentido de contemplar alguns aspectos da complexa interacção entre a pessoa e o meio em que está inserida (as teorias de ajustamento entre pessoa e meio), as teorias que se inscrevem na abordagem traço-e-factor permanecem limitadas na sua capacidade para capturar a "dinâmica dos processos complexos implicados na escolha de carreira" (Hackett & Betz, 1995, p.250).

1.2. Abordagem Tipológica

A abordagem tipológica1 do desenvolvimento de carreira dá especial atenção às motivações intrínsecas individuais. Na teoria de Holland, uma das teorias mais emblemáticas desta abordagem mas que partilha muitas das características das teorias traço-e-factor, são distinguidos seis tipos de personalidade/meios: o realista, o investigador, o artístico, o social, o empreendedor, e o convencional. Segundo Holland (1973 in Ferreira, 1991; Herr & Cramer, 1991), o comportamento das pessoas seria determinado pela interacção entre as características da sua personalidade e as características do meio, partindo-se do princípio que seria possível ou desejável um encaixe entre umas e outras. Estes seis estilos podem ser representados por um padrão hexagonal, onde a adjacência gráfica é sinónima de semelhança (ex. o tipo investigador e 0 artístico, ou o tipo convencional o realista) e a distância de contraste ou diferença (ex.

1 A abordagem aqui designada por tipológica é classificada como abordagem psicológica por Herr & Cramer

investigador e empreendedor ou convencional e artístico), sendo enfatizada a coerência dos perfis.

Apesar do potencial interesse e da ampla utilização empírica desta teoria, ela é genericamente omissa em relação à especificidade dos determinantes do desenvolvimento de carreira de determinados grupos, nomeadamente das mulheres (Betz & Hackett, 1981; Herr& Cramer, 1991).

1.3. Abordagem Desenvolvimental

As teorias desenvolvimentais baseiam-se na psicologia do desenvolvimento e na teoria do auto-conceito para esclarecer a forma como os interesses, valores, e estimativas pessoais de aptidão se desenvolvem e interagem com a exploração de carreira e o comportamento de escolha ao longo da vida. Super, um dos autores que mais se tem notabilizado nesta abordagem, evidencia a importância da maturidade de carreira, descrevendo as tarefas que os indivíduos negoceiam ao longo do desenvolvimento da sua identidade vocacional, explorando o mundo do trabalho, realizando as suas escolhas de carreira, entrando numa ocupação, mudando de área de carreira, e ajustando-se ao trabalho (Super, 1990 in Herr & Cramer, 1991; Lent, Brown & Hackett, 1994) 2. A maturidade de carreira traduz a eficácia com que as pessoas vão resolvendo essas várias tarefas, necessárias para a escolha e o ajustamento profissional, sendo portanto um conceito desenvolvimental eminentemente normativo.

Esta perspectiva macroscópica pode ser especificada e complementada pela teoria social cognitiva, através da precisão das várias experiências de aprendizagem e de vida e

Super distingue 5 estádios de desenvolvimento vocacional: (1) estádio de crescimento (0-14 anos) caracterizada pela relevância da fantasia, dos interesses e das capacidades; (2) estádio de exploração (15-24 anos), cujas tarefas de desenvolvimento são a exploração, a cristalização, a especificação e a implementação

da escolha; (3) estado de estabilização da escolha (25-44 anos), (4) estádio de manutenção (45-65 anos) e (5) estádio de declínio (>65 anos, após a reforma) (Super, 1985 in Herr & Cramer, 1991).

da sua explicação em função do desenvolvimento e do contexto (Hackett, 1995; Hackett & Betz, 1995; Lent, Brown & Hackett, 1994).

1.4. Abordagem de Aprendizagem Social da Tomada de Decisão

A abordagem baseada na aprendizagem social focaliza a sua atenção no processo, e não tanto no resultado da escolha de carreira. A teoria de aprendizagem social da tomada de decisão de carreira de Krumboltz (1979) centra-se sobre os mecanismos através dos quais os interesses, valores e crenças relacionados com a carreira e o trabalho, assim como as aptidões de tomada de decisão, são aprendidos. Apesar do reconhecimento de que a vida é sempre muito mais complicada que as teorias (Herr & Cramer, 1991), Krumoltz chama a atenção para quatro categorias de influências na selecção de uma carreira: as características genéticas e aptidões especiais (ex.. raça, sexo, aparência física, inteligência), as condições e acontecimentos do meio (ex. a amplitude e natureza de oportunidades de trabalho e de formação disponíveis, as políticas sociais, as características familiares e da comunidade, o desenvolvimento tecnológico), as experiências de aprendizagem instrumentais (comportamentos antecedentes, abertos e cobertos) e associativas (ex. aprendizagem por observação), e as competências de abordagem das tarefas (competências de resolução de problemas, hábitos de trabalho). Estes tipos de influência e as suas interacções resultariam nos seguintes produtos: generalizações de auto-observação, competências na abordagem da tarefa e nas acções ou comportamentos de acesso (Krumboltz, 1979).

Embora Krumboltz e colaboradores, contrariamente aos seus precursores, tentem esclarecer as interacções entre os dois grandes grupos de factores, pessoais e do meio (Herr & Cramer, 1991), e incorporem muitos dos factores sociais que afectam o comportamento

de carreira , chegaram aos anos 80 sem integrar as evoluções ocorridas nas teorias cognitivas, especialmente o conceito de auto-eficácia da teoria de Bandura.

A introdução da teoria da auto-eficácia, também enquadrada nas teorias de tomada de decisão do desenvolvimento de carreira (Herr & Cramer, 1991), vai manter o foco de atenção nos processos de desenvolvimento que antecedem essa escolha (ex. desempenhos anteriores, interesses) mas, contrariamente à abordagem de Krumboltz, vai analisar mais particularmente os processos cognitivos e o papel interactivo da cognição na regulação da motivação e da acção. Nesta linha, é de salientar que o relevo dado às crenças de auto- eficácia põe em causa a perspectiva racional e mecanicista do funcionamento humano, típicas das abordagens tradicionais (Lent, Brown & Hackett, 1994). De facto, a contribuição proporcionada por esta abordagem no desenvolvimento de carreira é muito mais importante se tivermos em consideração que "a noção de pessoa como um agente activo na moldagem das suas direcções de carreira tem sido sempre reconhecida pelos teóricos de carreira, mas só recentemente é que as contribuições potenciais da psicologia cognitiva para o desenvolvimento de carreira têm sido formalmente consideradas" (Hackett, 1995, p. 234-235).

Em seguida, analisaremos mais em pormenor o contributo desta perspectiva no estudo do desenvolvimento de carreira das mulheres.

As teorias sociológicas têm estado ausentes na discussão das teorias de desenvolvimento de carreira na psicologia contemporânea, não só devido à integração da sua perspectiva noutras teorias (como as de aprendizagem social) mas também devido a não oferecer muitas directivas para a intervenção de carreira (Hackett, 1995).

2. Teoria da Auto-efícácia e o Desenvolvimento de Carreira das Mulheres