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Capítulo 2: Ferreira de Castro e A Selva

2.2. Acerca das Personagens

2.2.5. Balbino

Balbino, “vulgo caçador de mão de obras,” “era um homem magro, alto, com seu fato branco e chapéu de palha na cabeça”313, “de corpo alto e seco entrou na «Flor da Amazónia»

mais rabioso do que nunca”314. Tem como caraterística no romance a persuasão pela força da

palavra enganosa cheias de promessas que jamais se cumpriam. Tinha como tarefa procurar e levar os seringueiros à Amazónia, que pudessem trabalhar na extração do látex. Não se importava com o destino a que eram submetidos aqueles pobres trabalhadores315, que

acreditavam no seu discurso, no intuito de melhorarem as suas condições de vida, para logo que fosse possível regressarem às suas terras. Muitos dos trabalhadores abandonavam as suas próprias famílias que não voltariam a ver.

Como salientamos anteriormente, as causas dos seringueiros aceitarem este desafio de irem para o vale do Amazonas eram a seca que se fazia sentir em grande parte do Nordeste do Brasil e a pobreza, constituindo assim o abandono de suas terras no sonho de riqueza fácil, mesmo com o medo das informações que reinavam sobre a região: as “febres”, as doenças endémicas que pairavam sobre Amazónia. Desta forma, com essa prática, Balbino acabava por levar milhares de pessoas para um destino incerto, não desejado e forçado. Muitos descobriam mais tarde a realidade a que eram submetidos316. Decerto, alguns

acabavam por fugir, outros, arrependiam-se da contratação, pois quanto maior o número a

312 Ferreira de Castro, A Selva, p.154.

313 Abrahim Baze, Ferreira de Castro: um emigrante português na Amazónia, p.20.

314 Ferreira de Castro, A Selva, p. 23. 315 Abrahim Baze, Op., Cit., p. 20. 316 Idem e Ibidem.

83 contratar para o patrão, maior seria o pagamento para ele. Voltando ao que anteriormente já afirmámos da interação entre Macedo e Alberto que resultou na formulação do convite ao seu sobrinho para o seringal:

-Eu tinha pensado…É que está aí um seringueiro- o Balbino, aquele que anda sempre com charuto na boca- que foi ao Ceará buscar pessoal para o rio Madeira, Mas, ontem fugiram-lhe três homens…

Ora, eu pensei... Sim, talvez falando com ele tu pudesses…317.

A citação, exposta mais uma vez, mostra claramente a formulação do convite feito pelo Macedo, ao protagonista da ação. Esta ação mostra aquilo que foi o papel de Balbino como recrutador de mão de obras. É importante referir que Balbino, apesar de possuir uma grande função no romance, apresenta poucos registos ao longo da narrativa. Ao longo do embarque Balbino não prestou atenção ao nosso protagonista, mesmo com o convênio estabelecido antes com Macedo. Predominou o silêncio e um Alberto pensativo:

flutuava um cheiro de redil e as primeiras náuseas sacudiam Alberto, incipiente naquelas andanças, quando surgiu, com passos curtos, olhos perscrutando à direita e à

esquerda, o corpo gordalhudo de Macedo318.

Balbino, por sua vez, a quem Macedo encomendara Alberto, sempre com seu charuto na boca, persistiu num silêncio total, uma interação invisível, sem prestar a devida atenção e solidariedade ao jovem. Aquando da chegada a Manaus, veio a ter reação ao encontrar o pessoal e ao não autorizar ninguém a desembarcar. Apesar da falta de interação entre o dois, Alberto mostrou a rebeldia. Acabou por desembarcar. No seu regresso, “entrou a bordo com a mesma facilidade como saíra”319. À chegada destes ao Seringal, Balbino volta a encontrar-se

com o seu “bando”, cumprimentando-os “com a rasa dum «tu» impregnado de superioridade”320. E assim “Balbino ia contando os homens e dando explicações a Juca

Tristão”321 Alberto, observando, pensava e:

Olhando o seu novo mundo olhando de longe a cena, nos navios negreiros de outrora, ao desembarcarem os escravos em plagas longínquas, quando a voz rude do pastor lhe

recordou que também ele fazia parte do rebanho322.

Após este ato, “esgotados os quinze dias da tradição, Alípio, Balbino e Caetano puseram-se a trotar por centros e varadouros, em análise aos progressos da nova récua de «brados»”323. Viriam a inspecionar os seringueiros na região de Todos-os-Santos, onde

encontraram Alberto e os demais seringueiros. Balbino preferiu as seguintes palavras ao Firmino:

-Como é que você deixa esse homem estragar os paus? -Eu…

317 Ferreira de Castro, Op., Cit., p. 26. 318 Ferreira de Castro, A Selva, p. 35. 319 Ibidem, p 61.

320 Ibidem, p. 72.

321 Ferreira de Castro, Op., Cit., p. 70. 322 Idem e Ibidem.

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-Não pode ser! Isso não é cortar seringa nem nada e ele já tem tempo de saber! Esses portugueses e carcamanos, quando estão lá na cidade e precisam de nós, não têm vergonhas nenhum e fingem de mansos para os trazermos. Depois se tornam malandros e são traiçoeiros como surucucu324.

O cenário mostra o insulto e estereotipo do resultado da inspeção feita por Balbino especificamente ao Alberto, lamentando a inexperiência do jovem na sua nova atividade de seringueiro. Assim sendo, com estas palavras, “Alberto enrubescera e as suas mãos fecharam- se com o veemente desejo de castigar o insulto”325. Mas assim, Balbino foi persistindo,

“encostado à égua, tirou o rifle que trazia às costas e lentamente pô-lo de través sobre o dorso do animal, com uma naturalidade deliberada”326. Com seu tom e poder autoritários

volta ainda a acrescentar:

-Mas a mim não há malandro nem sem-vergonha que me ponha o pé no cangote! Quando eu voltar, quero ver como as coisas vão. Um homem tem pena desses bichos que dizem que sabem fazer tudo e depois estragam os paus, que até parece de propósito. Entendeu, Firmino? Até à volta… 327.

Como vemos, aquando da inspeção dos trabalhos, Balbino prestou atenção sobre a evolução de Alberto e antes de terminar a sua missão de inspeção, e ir-se embora, deixou um recado de que no seu regresso pretenderia encontrar melhorias na aprendizagem de Alberto. E este por sua vez, perante tais palavras:

Ficou imóvel, de encontro à porta, o olhar fixo no chão e no cérebro um vácuo enorme. Os raciocínios perdiam continuidade e lógica, sobrepondo-se, amalgamando- se confusamente, enquanto um insecto de muitas pernas, a deambular na parte do terreiro que os olhos dele abrangiam, parecia-lhe que vagueava sobre as suas próprias pupilas, ao sabor da indignação abafada328.

Alberto, conhecendo a ditadura de Balbino, ficou entristecido com a postura deste: caraterizado com o poder de pesporrência de ditador, de ânsia de ganância, de querer enriquecer-se com o sacrifício dos outros, viciado no ganho fácil e de humilhar aqueles que trabalham para si. Contudo, mesmo com o sofrimento que o português levava no seringal, a vontade de se livrar do seringal era grande, mas o fator dívida condicionava-o a não abandonar a região, mas sim, a permanecer por muito tempo no Paraíso, pois o lema era “trabalhar para alguém e endividar-se sempre.” Foi assim que Alberto viveu as imensas dificuldades do seringal Paraíso, as doenças, o isolamento e principalmente a dependência do patrão, que levava automaticamente o empregado a um trabalho árduo de escravo. Porém, Alberto, já havia decidido aquando da formulação do convite para o seringal:

-Eu irei atendendo tão somente à vontade do seu hospedeiro, pois, o seu coração não lhe pedia tal viagem, embora o hospedeiro tenha insinuado a conquista de novas terras, com possibilidades de grandes riquezas. Estava, naquele momento, a entregar

ao próprio destino, ao padecimento da própria sorte, o jovem emigrante329.

324 Ibidem, p. 104.

325 Ibidem, respetivamente, p. 104.

326 Idem e Ibidem.

327 Cf. Ferreira de Castro, Op., Cit., p. 104. 328 Ibidem, pp. 104-105.

85 Em certos momentos a consciência de Alberto vacilou, usava argumentos para contrapor à ideia do seu hospedeiro. Mas, motivado com o discurso de riqueza fácil, e como tudo era com propósito de ser convencido, Alberto aceita a bárbara aventura de ir para o “seringal Paraíso,” vivendo numa tremenda exploração de trabalho, em condições deploráveis por muito tempo. Porém, embora não fosse essa a vontade de Alberto, contudo, as “condições forçadas” obrigavam o jovem emigrante a aceitar o desafio formulado pelo seu hospedeiro a viver a realidade do seringal Paraíso. Se hoje Ferreira de Castro estivesse vivo, acreditamos que o teria ainda em sua memória, e narrava-nos tais factos vivenciado que justificaram a sua passagem nessa terra brasileira que hoje é o espaço privilegiado do nosso romance A Selva.