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Capítulo 2: Ferreira de Castro e A Selva

2.2. Acerca das Personagens

2.2.2. Juca Tristão

Embora já evidenciámos o personagem Juca Tristão, quando fazíamos alusão ao personagem Alberto, tal abordagem foi genérica. Nesse sentido, achámos necessário abrir um ponto específico para falarmos do personagem acima com maior relevância. Assim sendo, Juca Tristão é um brasileiro, “era um homem baixo, moreno, mãos grossas, tendo nos dedos grandes anéis em ouro com brilhantes,”291 detentor do poder no seringal, pois tinha dinheiro,

fazendas e domínio sobre as terras do seringal. Juca Tristão, o prócere, caraterizado pela ganância, pelo anseio de lucro fácil, de imediatismo, e pela exploração humana como mostra o trecho:

Se comprava a doze mil-réis, mas era a seu Juca. A nós, ele dava cinco. Mesmo assim, houve negro que arranjou saldo. Pouco… Umas pelegas para queimar lá no Ceará e voltar logo pelo mesmo caminho. Mas, depois, a borracha começou a baixar, a baixar…. Hoje, está a cinco e seu Juca paga a metade. Eu não sei bem; eles, às vezes,

290 Ferreira de Castro, A Selva, p. 246.

291 Cf. Abrahim Baze, Ferreira de Castro: um emigrante português na Amazónia, Oliveira de Azeméis,

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dizem que ela está a cinco e lá em Manaus está a sete ou a oito. Assim um homem não levanta o cangote. Eu tenho estado sempre a dever. Não há maneira de me livrar desta conta!292

O trecho acima mostra o resultado de exploração posto a um dos seringueiros Firmino. Por sua vez, manifesta o seu descontentamento em função do sacrifício imposto pelo patrão Juca Tristão que, para além da exploração dura posta aos seringueiros, vendia os produtos aos seringueiros a um preço injusto em relação ao normal que se praticava em Manaus. Porém Juca Tristão desempenhava a função de patrão no seringal Paraíso, tal como afirmamos acima, concretamente com as funções instaladas em escritório: controlava e fazia registos de entrada de produtos (borracha) apresentadas pelos seringueiros, aplicava as regras aos seringueiros, encarregava-se de listar a distribuição dos bens alimentares entregue aos seringueiros para o sustento da “manada”, enquanto estes iam para a labuta. Desta forma, ainda tomava conta da mercearia, anotando os fornecimentos aos seringueiros que pagavam as suas dívidas com a produção da borracha. Por outro lado, os seringueiros nem sempre levavam as quantidades que queriam ou que o patrão desejasse. Pois eram controlados em relação às suas dívidas, que eram sempre maiores do que os saldos.

Assim, esta foi a forma esclavagista a que os seringueiros eram expostos no intuito de assegurarem o seringal293. Quando estes tinham saldo positivo, eram-lhes fornecidas

mercadorias, até aquele acabar. Porém, de imediato, o patrão dava-lhes outro saldo, pelo que gerava nova dívida e, desta maneira, os seringueiros eram condicionados; não poderiam sair do seringal. Caso o seringueiro não conseguisse o saldo, estes não eram atendidos, e logo, eram obrigados a caçar ou a pescar para não morrerem de fome, mas sempre com necessidade de autorização pelo Juca Tristão294. Este personagem vivia com o lucro e esforço

dos seringueiros, que muitas vezes eram obrigados a endividarem-se para permanecerem nos seringais por muito tempo como num presídio onde nunca mais se livravam das dívidas. No seringal, a receção dos alimentos dependia da capacidade de trabalho que cada seringueiro apresentasse ao patrão. Assim, em muito casos, quando os seringueiros iam ao trabalho, Juca Tristão recreava-se após o uso da cachaça; quando se encontrava meio etilizado realizava a sua diversão com disparos aos jacarés à volta ao rio, e noutras ocasiões, com o seu rifle colocava uma laranja sobre a cabeça de um dos seringueiros, o negro Tiago, e realizava o disparo que muitas das vezes resultava em falhas295:

(…) Juca Tristão compreendia-os totalmente. Imperava, sorridos, e deixava-se adular. Podia beber em liberdade, dizer o que lhe aprouvesse, ser completamente ele, sem a enervante noção duma vaga inferioridade, como lhe sucedia quando estava ao lado de Guerreiro296.

292 Cf. Ferreira de Castro, A Selva, p.95.

293 Abrahim Baze, Ferreira de Castro: um emigrante português na Amazónia, p.46.

294 Idem e Ibidem.

295 Maria Adelaide Antunes de Brito Coelho, A Selva do romance de Ferreira de Castro ao filme de

Leonel Vieira, p. 110.

78 Juca Tristão era o torturador dos seringueiros. Inesperadamente, é Tiago, o velho negro, que força a resolução do conflito. Revoltado com o tratamento que Juca Tristão dava aos seringueiros e que lhe recordava os tempos de escravatura, pega fogo à casa do patrão. Juca Tristão morre no incêndio e encerrando-se assim a sua dura dominação sobre os seringueiros que estavam sujeitas a uma prisão quase sem fim no seringal paraíso:

A casa aviadora explorava Juca, ele, por sua vez, explorava os seringueiros, que eram, no fim, os únicos explorados. Juca podia, ao menos, protestar, enquanto que aos seringueiros nem sequer isso seria permitido297.

No trecho acima, pode-se observar um paradoxo entre patrão e trabalhador na medida em que mostra uma tarefa árdua que Juca Tristão dava aos seringueiros. Deste modo, vemos a postura dos seringueiros diante do patrão. Estes não tinham vozes para reclamar a dor do sofrimento, do esforço e do produto que traziam para Juca Tristão. Diante de tudo isso, a decisão, tomada pelo negro Tiago, de incendiar a casa veio dar solução e liberdade a muitos seringueiros que estavam presos na selva amazónica. Daí, se não fosse a ação executada pelo seringueiro Tiago, achámos que o sofrimento continuaria.