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Ferreira de Castro: A Selva, a consagração literária e o prestígio internacional

Capítulo 2: Ferreira de Castro e A Selva

2.3. Ferreira de Castro: A Selva, a consagração literária e o prestígio internacional

Não é habitual a estreia dum romancista em Portugal conseguir tão unânimes aplausos como a do autor de A Selva. Ferreira de Castro, com apenas dezoito anos, edita Criminoso

por Ambição em 1916, em plena selva Amazónica365. É um dos raros escritores portugueses

que começou a sua carreira muito cedo com os seus dezasseis anos e sem formação adequada. Todavia é com o romance A Selva que o nosso autor se consagrou como homem de letras. A Selva:

Entrava no prelo justamente na ocasião em que a Imprensa de Portugal tornava pública a honrosa projeção da obra de Ferreira de Castro, informando que o romance

Emigrantes estava a ser traduzido para o italiano e para o espanhol. Decorriam estes

factos em fevereiro de1930 366.

No romance, Ferreira de Castro expõe o seu passado pela experiência traumática que teve na região dos seringais. A obra, publicada em 1930, é acompanhada de um estrondoso êxito nacional e além-fronteiras quando a literatura portuguesa pouca expressão tinha nos meios editoriais e internacionais367. O autor abriu novos horizontes na sua carreira literária no

desenvolvimento do género de romance em que a realidade e a emoção se fundem numa expressão ao mesmo tempo forte e plena de simpatia humana que constitui uma das suas caraterísticas fundamentais. Quem conhece Ferreira de Castro sabe que a piedade humana, que vibra em cada uma das suas páginas, não é um simples recurso literário e muito menos um artifício do seu talento de escritor, esse mesmo amor e compreensão vivem no romancista e traduzem a sua força, a sua riqueza e o seu tormento, e iluminam o traço mais fundo da sua personalidade368. Em alusão ao romance, Jaime Brasil reconhece que:

365 Cf. Jaime Brasil, Ferreira de Castro, a Obra e o Homem, p. 43.

366 Alberto Moreira, Ferreira de Castro antes da glória, p. 166.

367 In Centro de Estudos Ferreira de Castro, «Bibliografia-Resenha Bibliográfica» Salgueiros, 3720-189,

p.2.

92

[…]. De todos os países onde a sua obra é lida nos chegam, constantemente, demonstrações da mais veemente admiração. A crítica francesa, por exemplo,

consagrou-o como um dos nomes mais prestigiosos da literatura mundial. […]369.

Ainda na senda de reconhecimento e elogios da dimensão das obras de Ferreira de Castro, o crítico literário Álvaro Salema, afirma sobre o autor de A Selva que:

[…]. Os seus livros não são apenas uma expressão do mundo em que vivemos, entre inquietações e esperanças: são também uma força da existência a construir- da existência que desejamos mais generosa, mais humana e mais humanamente criadora. […] Ferreira de Castro desvendou com Emigrantes e logo a seguir com A Selva, um novo roteiro para a criação literária no romance, na novela e no conto […]370.

Os maiores elogios destacam sempre a originalidade do autor e da sua obra, a forma perfeita e a limpidez exemplar em que esta foi realizada. De facto, o nosso autor distingue-se no seio dos escritores portugueses. Nas suas obras, não se verificam a opulência verbal, nem os rodeios, como nas de Saramago, que rompe com alguns princípios gramaticais. O autor representa a natureza na sua intensidade e o homem em sociedade sem particulares artificialismos. Ferreira de Castro tinha trinta anos ao escrever A Selva, em plena formação intelectual. Realizou uma obra que mereceu receção, opinião e crítica a nível mundial das mais altas personagens sonantes da literatura portuguesa e do mundo. O autor trazia A Selva no ventre quando regressou do Brasil. Blaise Cendrars diz que o romancista escrevera esse livro “pour se libérer d’une hantise”371.

Por outro lado, o esforço e a aspiração da escrita desse romance levaram o autor a recordar as dores vividas aquando da sua passagem pelo seringal Paraíso. Porém, há de dedicar o romance à figura de uma mulher, que foi para ele companheira, mãe e irmã, a escritora Maria Eugénia Haas da Costa Ramos que teve o nome literário de Diana de Liz372.

Este nome tornar-se-á ainda mais relevante com a publicação dos dois livros póstumos, Pedras

Falsas e Memórias duma Mulher da Época, publicação que o escritor promoveu e nome que se

inscreveu no alto da primeira página de A Selva, numa merecida homenagem à dor pela perda, mas escrito sobre a égide do amor, publicado em finais de abril de 1930, um mês depois da morte de Diana de Liz373. Durante os dois anos, após a morte da Diana de Liz,

Ferreira de Castro transforma-se num autêntico corpo sem alma. Em certos momentos de desespero, vacilava à beira do suicídio como consequência do trauma do passamento físico de Diana de Liz374. Todavia, o autor soube controlar a emoção mantendo consigo o lema “em

frente é o caminho” resistiu à tentativa de homicídio e libertou-se da obsessão dolorosa quando a Editora Verbo deliberou dar sequência à publicação dos seus romances com destaque para Eternidade, um protesto contra os absurdos da existência e transposição em narrativa do seu drama íntimo. Tal facto, trouxe ao autor uma reviravolta muito grande e motivação para a continuidade da sua carreira literária que estaria comprometida com a

369 Jaime Brasil, Ferreira de Castro, a Obra e o Homem, p. 48.

370 Apud. Ricardo António Alves, O comércio do Porto, Porto, 1953, p.3.

371 Idem e Ibidem. 372 Ibidem, p.49. 373 Ibidem, p.51.

93 morte de Diana de Liz. Desse modo, o êxito das obras de Ferreira de Castro, que em Portugal atingiram uma das maiores tiragens, não representa nenhuma transigência literária, visto que o escritor nunca utilizou nenhum artifício para alcançar esse raro triunfo375. Mesmo estando

no meio dos melhores ficcionistas portugueses do seu tempo que usavam abundantemente do sarcasmo e da ironia, o seu sucesso não resulta de tais expedientes. Muitas vezes, Ferreira de Castro foi chamado a concorrer ao prémio Nobel e a cargos políticos, mas sua honestidade e esforço de trabalho fizeram-no recusar tais condecorações, mostrando ser um homem lutador, denunciador das injustiças humanas para o bem do seu povo, colocando de parte todas essas homenagens e ofertas.

Ferreira de Castro despertou interesse no seio dos escritores de língua portuguesa dada a larga circulação da sua obra. A expansão das suas obras em países muito distantes de Portugal, fizeram com que atingisse fama idêntica à de Luís Camões pela admiração que mereceram e não por simpatia de lusófilos estrangeiros ou por imposições partidárias, mas pelo valor literário e humano da dimensão das suas obras376. Na verdade, o país nunca

produzira, antes da época do autor, um romance com esse pendor universal, a dimensão da obra A Selva. Com a Eternidade, publicado em 1933, acaba por fechar aquilo que podemos considerar o ciclo da parte memorialista da obra do escritor. A continuação permitiu-lhe abordar os principais problemas que afligem o ser em sociedade: a miséria, a desigualdade social, a degradação moral e o declínio moral. Como salientamos acima, o alargamento das suas obras em países longínquos de Portugal, pela cultura, pela língua, pelos costumes e pela mensagem que trazia, constituem indicadores que merecem análises e reflexões até aos nossos dias. É obvio que, na época, outros escritores portugueses foram traduzidos em diversas línguas, mas casualmente, quer em pequenas edições, quer por vaidade dos próprios autores ou da curiosidade de alguns amadores de estranhezas. Na verdade, o primeiro a ser promovido e divulgado em grandes casas editorias estrangeiras, em tiragem destinadas a um enorme público, a ingressar, portanto, no circuito da literatura internacional foi sem dúvidas Ferreira de Castro377. A qualidade das suas obras justificou este prestígio universal378.