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Uma série de bispos cortesãos, sobrinhos do célebre cardeal Alpedrinha, sucederam a D. Diogo na cadeira episcopal portuense; devido ao curto período em que estiveram à frente dos destinos da diocese, caso de D. Diogo Álvares da Costa (1505), falecido sem tomar posse, e do seu sucessor António Álvares da Costa (1505‑1507), ou às suas prolongadas ausências, caso de D. Pedro da Costa (1507‑1534), não deixarão grande obra na Sé. D. Pedro, porém, manteve uma longa disputa com a Câmara portuense sobre a proeminência do foro episcopal consubstanciado no direito de portagem. Por essa razão, chegou a lançar um interdito sobre a cidade, apenas levantado a pedido do rei D. Manuel em 1512. A contenda só seria resolvida com a concórdia realizada entre a Câmara e o Bispo, que seria sancionada pelo foral manuelino de 1517. Na sequência desse documento, o Concelho ergueu o seu pelourinho na Ribeira em 1520. Em 1523, porém, já é referida a existência do pelourinho da Sé; tratou‑se, presumivelmente, de uma reposta à ação dos cidadãos. É possível que esses conflitos tenham sido alimentados pela restituição do senhorio, por parte da Coroa, aos arcebispos bracarenses em 1472. Sabe‑se, também, que sendo já bispo de Osma, D. Rodrigo ofereceria uns cortinados de brocado para o retábulo‑mor de D. Diogo de Sousa.

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A actividade construtiva do breve sucessor de D. Pedro da Costa, o bispo Belchior Beliago (1535‑1537) foi inexistente; a inação, porém, não seria apanágio do carmelita Frei Baltasar Limpo (1537‑1550), que se lhe seguiu. O prelado, considerado um percursor da Reforma Católica e de Trento, concílio em que, aliás, seria o primeiro representante português nomeado por D. João III, per‑ manecendo em Itália durante dois anos (1546‑1548), teve um papel decisivo na cidade quinhentista. Reformou e disciplinou o clero diocesano e seguiu, como D. Diogo de Sousa antes dele – por quem pode ter sido influenciado, dada a importância da renovatio urbis por este empreendida em Braga entre 1505‑1532 – o princípio humanista de encarar a ação construtiva como um prolongamento do múnus episcopal. Assim, empreendeu uma série de obras de reorganização do espaço interior e exterior da Sé, que obedeceram a um plano cujos “aponta‑ mentos” apresentou aos vereadores da Câmara, no mesmo ano de 1537 em que iniciou o seu bispado. Esse projeto incluiu uma intervenção no largo de São João – que passou a designar‑se praça da Sé na documentação episcopal – frente ao alpendre restaurado pelo seu antecessor.

A intervenção incluiu a reconstrução do chafariz da Sé, a cargo de João Lopes‑o‑Velho. O chafariz era, desde a Idade Média, um poderoso símbolo do foro episcopal e, no início do século XVI, estava abandonado. Em 1537, porém, no seguimento de queixas apresentadas pela vereação ao monarca a sua conduta será, por disposição episcopal, objeto de reparações. Dois terços do preço da obra ficaram a cargo do prelado, um terço seria assumido pelo Concelho. Para a obra, o bispo D. Frei Baltasar Limpo teve que pedir auxílio à abadessa de Santa Clara, D. Briolanja Ferraz: seria ela a responsável pela chegada da água, não só ao seu convento, mas também ao chafariz da Sé. Nesse mesmo ano, João Lopes, contratado pela Fábrica da Sé, seria encarregue da boa manutenção da conduta. O chafariz, que pela curta descrição que dele se conhece deveria ser de espaldar ameiado e com um grande tanque, seria depois disso totalmente remodelado pelo mesmo João Lopes, que teria o cargo de o manter, e ao seu aqueduto, em bom estado até 1556, ano da sua morte. Em 1557, sucedeu‑lhe nessas funções o pedreiro e hortelão do bispo Francisco Gonçalves.

Outra obra importante do plano de D. Frei Baltasar Limpo para a envol‑ vente da Sé seria a instalação do aljube para clérigos, em 1538, junto da torre de Vandoma, igualmente no largo de São João. O aljube deslocou‑se para aí da sua anterior localização na vizinha rua das Tendas, onde tinha sido estabele‑ cido pelo bispo D. João de Azevedo. Ainda no largo, empreendeu também uma intervenção na casa do Cabido, ou “cabido velho”, então adossada à torre norte da catedral. Teria pelo menos dois pisos, onde se localizavam a sala de reuniões, ou cabido propriamente dito e o seu cartório. As obras no “cabido velho” foram contratadas em 1541 ao carpinteiro João Anes e incluíram o lajeamento dos seus

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espaços principais. O acesso ao Cabido, fazia‑se por uma porta que comunicava com o coro alto da igreja.

A mais importante obra planeada para o largo, contudo, não chegou a ser executada. Baltasar Limpo colaborou com o reformador jerónimo Frei Brás de Barros na rua da Sofia em Coimbra; o noviciado do Colégio do Carmo, por ele fundado em 1540 e inicialmente destinado aos cónegos portuenses, foi pro‑ jetado por Diogo de Castilho e estava concluído em 1548. É muito provável que a desejada intervenção na torre da Câmara do Porto, que se encontrava em risco de derrocada e articulava o largo de São João com o espaço fronteiro à Sé, tenha sido igualmente patrocinada por Frei Baltasar; ela integrava‑se bem no seu entendimento da arquitetura ao serviço da ordem política. Francisco de Cremona, o mestre das obras italiano que D. Miguel da Silva trouxe consigo para dirigir o conjunto monumental da Foz do Douro e Diogo de Castilho deram pareceres para ela em 1539, mas o primeiro vistoriou a torre antes de Castilho e será ele, portanto, o provável autor de um projeto que supunha a sua radical transformação. Para além do apear de um piso, previa um novo corpo, adossado ao antigo, para se realizarem as sessões camarária. O remanescente do antigo paço destinar‑se‑ia, quase exclusivamente, a prisão de homens e mulheres e habitação do alcaide e, no terreiro que ficava na plataforma da rua Escura, instalar‑se‑ia um pátio para “recreio para a saude dos ditos presos” Este pátio seria abastecido com água proveniente do chafariz da Sé, o que claramente supunha a prévia concordância de Baltasar Limpo e a sua anuência ao plano; ela também seria necessária para a construção do novo edifício camarário, cuja única implantação possível era, exatamente, no extremo poente da praça da Sé. A horizontalidade da nova câmara, que substituiria a elevação simbólica da torre, em que se revia ainda, à época, a elite urbana portuense, seria um elemento importante na trans‑ formação do antigo espaço sintagmático do largo num espaço representativo. O paço articular‑se‑ia com as outras obras episcopais no contar de uma istoria: o chafariz, o aljube e ainda o pelourinho que existia junto da torre municipal foram, num local de partidas e chegadas e de grande intensidade ritual, os signos visíveis da vitalidade política dos bispos do Porto.

O nome de Cremona pode estar ainda ligado à cúpula do cruzeiro da Sé executada em madeira, entre 1546 e 1550, por Mestre André Siciliano. Este, que pode ter acompanhado Francisco de Cremona na sua viajem para o reino ou, então, sido posteriormente convocado por D. Miguel da Silva, já tinha, junta‑ mente com o português António Simões, sido o responsável pela construção em 1537 do coro alto que, segundo D. Rodrigo da Cunha, alcançava o segundo tramo da nave. A cúpula com lanternim, de gomos e em madeira especialmente transportada do Alto Douro, janelas envidraçadas com adufas e uma balaustrada ou varandim interior circuitando a sua base, não tinha precedentes no Norte de Portugal. Ela teve, contudo, curta vida, substituída que foi por uma estrutura

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em pedra, ao modo gótico, por ordem de D. Rodrigo Pinheiro, sucessor de Frei Baltasar Limpo. Desse modo, a sua reconstituição só é possível através das referências aos seus vários elementos constitutivos, nomeados nos pagamentos efetuados a Mestre André. Todavia, não temos grandes dúvidas que ela se tenha inspirado, como outras obras contemporâneas levadas a cabo por Cremona, como o farol de São Miguel‑o‑Anjo e a igreja a matriz da Foz, em obras ou projetos humanistas romanos do início do século. No caso vertente, a inspiração estaria na nova basílica romana de S. Pedro, projetada por Bramante, que possuía uma cúpula no cruzeiro. Francisco de Cremona, que trabalhara como muratore em S. Pedro, já tinha estado, possivelmente, sob as ordens do arquiteto lombardo nas obras da villa papal da Magliana, nos arredores de Roma, onde surge como construtor de pontes em 1513. Foi também com Baltasar Limpo que se fundiram novos sinos, como o Robalo, o Espírito Santo, o Chantre e o Santa Maria e se fizeram ferragens para outros, entre eles o Pantaleão Agostinho, e que na charola da capela‑mor românica foram colocados os órgãos construídos por Heitor Lobo (1537): os “grandes” na charola de cima, ou seja, na galeria superior, também designada “charola dos órgãos”, os pequenos debaixo deles.

É ainda na época de Baltasar Limpo que se dá, entre 1541‑1544, a maior entre as várias intervenções de que o claustro foi alvo no século XVI. Em 1541‑ ‑1542 assentaram‑se as suas lajes, operação dirigida por João Lopes‑o‑Velho, fizeram‑se e reformaram‑se capelas e retábulos, abriram‑se e fecharam‑se portas. Tendo os trabalhos sido prosseguidos em 1543, foram concluídos no ano seguinte, quando João Lopes surge com a denominação de “juiz das obras”. Contempo‑ raneamente, constrói‑se, sobre duas das quatro naves do claustro, a “varanda do bispo”, contratada em 1543 ao pedreiro Diogo Pires. Esta era uma galeria de circulação coberta que partia do paço episcopal e que, provavelmente através de uma escada em caracol, permitia a descida para o nível inferior do claustro.

Frente à Sé, o plano de obras de Frei Baltasar incidiu sobre o auditório ecle‑ siástico, demolido em 1934 e situado na embocadura da rua das Tendas, no local designado “terreiro da Pregação”, e será objeto de uma intervenção que se concluiria por volta de 1541. Os trabalhos incluíram a pintura da cadeira do bispo e do gradeamento que a ocultava dos olhares exteriores quando pregava; de um novo balcão, o “balcão novo” ou varanda destinado aos membros do Cabido, situada no primeiro piso e que lhes permitia ouvir a oratória sacra, a cargo do prelado ou de pregadores contratados, especialmente dominicanos e franciscanos, que o faziam a partir de um púlpito próprio. Compreende‑se, portanto, a designação desse local, entre o auditório e o claustro e, para facilitar a circulação dos cónegos e do prelado entre eles foi aberta uma porta na parede junto à capela de João Gordo.

Uma outra obra importante se ficou a dever a Baltasar Limpo: frente ao Auditório, do outro lado da rua das Tendas e faceando a porta principal da

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Sé, estava já fundada, durante o seu episcopado, a capela de Nossa Senhora de Agosto. Ela, porém, será sobretudo obra do seu sucessor D. Rodrigo Pinheiro.